sábado, 20 de junho de 2009

William Carey (1761-1834)


William Carey viveu num momento muito importante do movimento missionário protestante, que começou com seu ministério de quarenta anos na Índia, e incluía outros nomes famosos, como Henry Martyn, Adoniram Judson, Robert Morrison, David Livingston e Hudson Taylor. Todos conheciam Carey pessoalmente ou foram influenciados por ele.

Uma Testemunha Fiel
William Carey nasceu pobre na zona rural de Northamptonshire, no centro da Inglaterra, a 17 de agosto de 1761. Foi criado num lar anglicano e seu pai era tecelão e trabalhava num tear em sua própria casa. A infância de Carey foi rotineira, exceto por problemas de alergia que o impediram de trabalhar como jardineiro. Em lugar disso, começou a trabalhar como sapateiro. Aos dezessete anos foi convidado para ouvir uma pregação "não-conformista" e converteu-se. Aos 22 ou 23 anos dedicou-se ao estudo das Escrituras acerca do batismo e decidiu ser batizado como crente, por John Ryland Jr., no rio Nene, em 5 de outubro de 1783, tornando-se membro da igreja batista. Mesmo morando perto de Oxford e Cambridge, onde estão duas das mais famosas universidades do mundo, freqüentou a escola apenas até os doze anos. Antes dos vinte anos, casou-se com a cunhada de seu patrão, Dorothy, que era cinco anos mais velha de que Carey, e como muitas mulheres de sua classe naquela época ela era analfabeta. Os primeiros anos de casamento foram difíceis e pobres. Depois de algum tempo ele também precisou cuidar da viúva de seu falecido patrão e seus quatro filhos. Apesar destas dificuldades, Carey continuou estudando como autodidata e tornou-se um pregador leigo. Foi consagrado ao ministério em 1785 com a cooperação de John Ryland e Andrew Fuller, pastoreando a igreja batista em Moulton. Depois assumiu outro Pastorado em Leicestershire, na Associação de Northampton, embora mesmo ali fosse forçado a trabalhar para sustentar a família. Ainda assim ele seguiu um plano rígido de estudos no pastorado. Na segunda-feira estudava os Clássicos, e na terça-feira estudava hebraico e Novo Testamento grego, e nos outros dias preparava-se para os cultos. Durante esses anos no pastorado, sua filosofia de missões começou a tomar forma, e aos poucos desenvolveu uma perspectiva bíblica do assunto, convencendo-se de que a Grande Comissão é um desafio para ganhar os povos não-alcançados para Cristo. Em 1791, depois de várias pesquisas, notou que 70% do mundo não professavam o cristianismo. Quando Carey apresentou suas idéias a um grupo de pastores batistas, um deles replicou: “Jovem, sente-se”. Quando Deus quiser converter os pagãos, Ele o fará sem a sua ajuda ou a minha “. Mas Carey não desistiu. Na primavera de 1792 ele publicou um livro de 87 páginas, intitulado Uma averiguação da obrigação dos cristãos de usar meios para a conversão dos pagãos. Em 30 de maio de 1792 pregou, numa reunião de ministros da Associação Batista em Nottingham, o famoso sermão de Isaías 54.2-3:” Esperai grandes coisas de Deus e empreendei grandes coisas para Deus “. No dia seguinte", sob a influência de Fuller, foi votada a resolução de planejar a formação da “Sociedade Batista para Propagação do Evangelho entre os Pagãos”. Esta não foi uma decisão precipitada, pois, como Carey, a maioria dos ministros recebia um salário de fome, o envolvimento com missões no estrangeiro envolveria tremendos sacrifícios. Um maior interesse por missões, então, foi encorajado por Fuller e Carey. Andrew Fuller foi nomeado primeiro secretário e mais tarde William Carey, informado de que podia sustentar-se a si mesmo, ofereceu-se à nova sociedade para ir à Índia, sendo entusiasticamente aceito. Mas esta decisão de seguir para a Índia, com seu clima tropical, esbarrou na firme recusa de Dorothy. Eles já tinham três filhos, e mais um estava a caminho. Mas Carey estava disposto a ir, mesmo que sozinho. A primeira tentativa de embarcar para a Índia foi abortada. Esta demora, ainda que decepcionante para ele forneceu uma oportunidade para uma mudança de planos; Dorothy, que dera à luz há três semanas, concordou em ir, desde que Kitty, sua irmã mais nova, pudesse ir junto. Então, a 13 de junho de 1793, eles tomaram um navio dinamarquês e partiram para a Índia, chegando lá em 19 de novembro.
O começo foi bastante difícil. A Companhia das Índias Orientais tinha virtualmente o controle do país, e temia que os esforços evangelísticos de Carey diminuíssem, de alguma forma, seus lucros. Com medo de ser deportado, Carey levou sua família para morar no interior, onde passaram pobreza e grandes dificuldades. Ele teve que trabalhar o tempo todo, pois o pouco que recebia da “Sociedade" era insuficiente para seu sustento. Seu filho mais novo Peter de cinco anos, morreu de disenteria e sua esposa jamais se recuperou desta perda, ficando progressivamente deprimida e mentalmente perturbada, sendo descrita depois por colegas da missão, como “totalmente louca".
Apesar desta situação traumática e de precisar estar trabalhando continuamente numa fábrica, Carey passava horas traduzindo a Bíblia, e pregando e estabelecendo escolas. Em fins de 1795 uma igreja batista foi organizada em Malda, embora só houvesse quatro membros - todos ingleses! Mas era um começo. O culto, porém, atraía grandes multidões do povo bengalês, e Carey podia afirmar com convicção que “o nome de Jesus Cristo tornou-se agora conhecido nesta região”. Mas, depois de sete anos em Bengala, Carey não podia reivindicar nem um só convertido indiano. Mas ele não ficou desanimado. Em 1800, chegaram mais missionários ingleses, e para evitar as perturbações com o governo inglês eles se mudaram para Calcutá, no território dinamarquês de Serampore, e foi ali que ele passou os 34 anos restantes de sua vida. Com mais dois colaboradores, Joshua Marshman e William Watd, se tornaram conhecidos como o "Trio de Serampore" - uma das mais famosas equipes missionárias da história. Este posto abrigava dez missionários e seus nove filhos, numa verdadeira atmosfera familiar. Eles viviam juntos e tinham tudo em comum. Nas noites de sábado, eles se reuniam para orar e para dividir suas reclamações, sempre "prometendo amar uns aos outros'. Ruth Tucker diz:” 0 grande sucesso da Missão de Serampore durante os primeiros anos pode ser creditado em grande parte a Carey e seu comportamento santo. Sua disposição para sacrificar os bens materiais e ultrapassar o chamado do dever foi sempre um exemplo contínuo para os demais.”Como prova do trabalho harmonioso realizado em Serampore, foram organizadas escolas, levantou-se uma grande estrutura para o estabelecimento de uma impressora e acima de tudo, o trabalho de tradução continuava sendo feito. Em 20 anos, Carey e os seus amigos publicaram folhetos em 20 línguas e porções das Escrituras em 18. Durante seus anos em Serampore, Carey fez três traduções da Bíblia inteira (bengalês, sânscrito e maráthi), ajudou em outras, traduções da Bíblia inteira e traduziu o Novo Testamento e porções bíblicas em muitas outras línguas e dialetos - sempre refazendo-as para que fossem bem compreendidas. Carey disse ao completar uma de suas traduções: "Existem apenas dois obstáculos ao trabalho de Deus: o pecado do coração humano e a falta das Escrituras. Aqui, este último foi removido, pois o Novo Testamento já está traduzido em bengali “. Durante os primeiros 18 séculos de história do cristianismo foram feitas 30 traduções da Bíblia. Carey, e seus companheiros de Serampore e Calcutá dobraram o número nas três primeiras décadas do século 19! Ele também escreveu dicionários e gramáticas. A evangelização era uma parte importante do trabalho em Serampore. Carey e seus amigos, até o ano de 1818, depois de 25 anos de trabalho batista na Índia, podiam contar 600 convertidos, depois batizados, e alguns milhares que compareciam às aulas e cultos. Além dos trabalhos de tradução e evangelização, Carey procurou preparar um ministério indígena. Pensava que era fútil evangelizar a Índia com missionários estrangeiros. Estabeleceu o Colégio Serampore, em 1819, que se tornou o centro de um grupo de escolas, para o treinamento de fundadores de igrejas e evangelistas indianos. A escola começou com 37 alunos, indianos dos quais mais da metade era constituída de cristãos. Ele também se envolveu no ensino secular, tendo sido convidado para se tornar professor de Línguas Orientais no Colégio de Fort William, em Calcutá. "Tratava-se de uma grande honra para Carey, um sapateiro inculto, ser convidado para preencher tão elevada posição, a qual foi aceita com o apoio entusiasta de seus companheiros. A posição não só proporcionou uma renda muito útil aos missionários, mas também os colocou em melhor situação diante da Companhia das Índias Orientais e deu a Cárey uma oportunidade para aperfeiçoar seu conhecimento de línguas enquanto procurava responder as perguntas de seus alunos”. Por causa de seu trabalho, Carey não podia cuidar dos filhos como necessário e sua natureza dócil impedia-o de aplicar a devida disciplina, cuja falta estava se manifestando no comportamento dos meninos. Ao falar desta situação, Hannah Marshman escreveu: "O bom homem via e lamentava o mal, mas era brando demais para aplicar a correção eficaz". Mas Hannah interveio. Mas em 1807 seu filho Félix foi ordenado como missionário para a Birmânia, e em 1814 Jabez foi ordenado para ás Ilhas Molucas. Em 1807, aos 51 anos de idade, Dorothy Carey morreu. Carey sentiu-se, sem dúvida, aliviado. Ela há muito deixara de ser um membro útil da família missionária, sendo na verdade um impedimento para a obra. John Marshman escreveu como Carey quantas vezes trabalhava em suas traduções, "enquanto uma mulher insana, freqüentemente alterada ao máximo, se encontrava no quarto junto ao seu...” Depois, em 1808, ele casou com Lady Charlotte Rumohr, nascida na família real dinamarquesa e vivendo em Serampore, na esperança de que o clima fizesse bem à sua frágil saúde. Ela foi convertida pela pregação de Carey, sendo batizada por ele em 1803, e a partir daí, começou a dedicar tempo e dinheiro à missão. Carey foi verdadeiramente feliz nos treze anos em que durou o casamento, tendo se apaixonado pela primeira vez na vida. Charlotte tinha uma mente brilhante e um dom para lingüística, auxiliando Carey em seu trabalho de tradução. Ela também se aproximou dos meninos, tornando-se a mãe que eles jamais haviam tido. Ela veio a falecer em 1821. Dois anos depois com 62 anos, Carey casou-se novamente com Grace Hughes, uma jovem viúva, que cuidou dele até o fim da vida. A Companhia das Índias Orientais opôs-se ao trabalho missionário, o que acarretou reações hostis na Inglaterra. A Companhia receava perder seus lucros da escravidão. William Wilberforce (1759-1833), membro da igreja anglicana, abolicionista do tráfico de escravos e líder político no Parlamento inglês, tornou-se o campeão da causa missionária, juntamente com outros, que alcançaram sucesso em uma resolução do Parlamento a favor da liberdade dos missionários batistas na Índia, em 1813.
Um incêndio em Serampore destruiu muito do trabalho feito pelos missionários até 1813 - seu enorme dicionário poliglota, dois livros de gramática e versões inteiras da Bíblia. Os batistas ingleses contribuíram com 10.000 libras para a aquisição de novo equipamento.
Durante quinze anos a missão em Serampore trabalhou e conviveu em relativa harmonia, mas quando novos missionários chegaram, a situação mudou. Eles não se sujeitaram ao estilo de vida comunitária da missão. Um deles exigiu “uma casa separada, estábulo e serviçais”, e achavam os veteranos, especialmente Joshua Marshaman, ditatoriais. Como resultado, por causa da inabilidade do grupo mais novo, houve uma divisão, e os missionários mais novos formaram a União Missionária de Calcutá, a poucos quilômetros de seus irmãos batistas de Serampore. William Ward descreveu a situação como ”indelicada”. Mesmo os membros da Sociedade, na Inglaterra apoiaram os jovens, e por isto, em 1826, a Missão de Serampore cortou relações com a Sociedade Missionária Batista. Ele morreu em 1834 em Serampore e a seu pedido uma tabuleta simples marcou sua sepultura, com a inscrição: “Verme vil, pobre e incapaz, caio em Teus braços carinhosos”.
Carey estava avançado no tempo em sua metodologia missionária. O bispo anglicano Stephen C. Neill propôs um modelo hierárquico de ação em três níveis sobre a penetração do evangelho na cultura. Para ele, em primeiro lugar, alguns costumes não podem ser tolerados, tais como: a idolatria, infanticídio, canibalismo, vingança, mutilação física, prostituição, ritual etc. Em segundo lugar, alguns costumes podem ser temporariamente tolerados, tais como: a escravidão, o sistema de castas, o sistema tribal, a poligamia etc. E, em terceiro lugar, há alguns costumes cujas objeções não são relevantes para o evangelho, tais como o homem e a mulher sentarem-se separados nos cultos, costumes alimentares, vestimentas, hábitos de higiene pessoal etc. Uma outra categoria que poderia ser acrescentada entre a segunda e a terceira, trataria de assuntos onde há controvérsias entre as igrejas. Antecipando estas formulações, Carey por um lado, se opôs às práticas indianas prejudiciais, como a queima de viúvas e o infanticídio, mas em outras áreas procurou deixar a cultura intacta, jamais tentando impor sua cultura ocidental. Seu objetivo era fundar uma igreja nativa “através de pregadores locais”, fornecendo as Escrituras na língua nativa, e foi com esta finalidade que dedicou sua vida.
Missões não são o alvo final da Igreja, mas o culto é. O culto é o impulsor das missões, e o alvo das Missões é trazer as nações para glorificar a Deus. “Quando a chama da adoração queima pelo verdadeiro calor da real dignidade de Deus, a luz das missões brilhará até os mais remotos povos da terra”. Onde a paixão por Deus é fraca, o zelo por missões será fraco. William Carey expressou esta conexão da seguinte forma, “Quando eu deixei a Inglaterra, a minha esperança de conversão da Índia era muito forte; mas em meio a tantos obstáculos, ela viria a morrer, a menos que fosse sustentada por Deus. Bem, eu tenho Deus, e a Sua palavra é a verdade. Ainda que as superstições dos pagãos fossem mil vezes mais fortes do que são e o exemplo dos europeus mil vezes pior; mesmo que eu fosse desertado por todos e perseguido por todos, ainda assim a minha fé fixa na Palavra que não pode falhar, se elevaria acima de todos os obstáculos e venceria cada tentação. A causa de Deus triunfará". Se Carey perseverou foi por causa da visão de um Deus soberano e triunfante. Esta visão tem de vir primeiro. Experimentá-lo na adoração precede o propagá-lo em missões.
Dedicado Integralmente, William Carey era um autodidata, apaixonado por lingüística botânica, história e geografia. Ele aprendeu latim, grego, hebraico italiano, francês, holandês bengali, sânscrito, marathi, outras línguas orientais. Uma página de seu diário dá a idéia de sua dedicação: Leu a Bíblia em hebraico às 5h45 para sua devoção particular, realizou o culto doméstico em bengali às 7h, leu com um intérprete um escrito em marathi às 8h, trabalhou na tradução de um poema em sânscrito para o inglês às 9h, deu uma aula de bengali na Universidade às 10h, leu as provas do livro de Jeremias em bengali às 15h, traduziu o oitavo capítulo de Mateus para o sânscrito com o auxílio de um tradutor da Universidade às 17h, estudou um pouco a língua telinga às 18h, pregou em inglês para um grupo de oficiais britânicos e suas famílias às 19h30, traduziu o nono capítulo de Ezequiel para o bengali às 21h, escreveu cartas para a Inglaterra às 23h, e antes de dormir, ainda leu um capítulo do Novo Testamento em grego. Para Carey, o que contava não era dar tempo integral à obra de Deus, mas dar dedicação integral. Apesar de não ter feito nenhum curso de primeiro e segundo graus, Carey recebeu o título de Doutor em Divindades da Brown University em 1807 aos 46 anos, e foi membro de três sociedades científicas com sede em Londres. Foi um dos poucos missionários que nunca voltou à pátria, nem para férias, nem para trabalhos especiais, nem para morrer. Teve três esposas, sete filhos e 16 netos, dos quais o último veio a falecer em 1957. O púlpito da Abadia de Westminster, em Londres, do qual se faz a leitura das Sagradas Escrituras em todas as cerimônias religiosas inclusive casamentos da família real, é dedicado a Carey. Na madeira do púlpito está escrita a maior mensagem do famoso missionário: “Esperem grandes coisas de Deus, empreendam grandes coisas para Deus".