Diversas passagens da Escritura falam de um pecado que não pode ser perdoado, após o qual é impossível a mudança do coração e pelo qual não é necessário orar. É geralmente conhecido como pecado ou blasfêmia contra o Espírito Santo. O Salvador fala explicitamente dele em Mt 12.31, 32 e passagens paralelas; e em geral se pensa que Hb 6.4-6; 10.26, 27 e 1 Jo 5.16 também se referem a esse pecado.
a. Opiniões sem fundamento, a respeito desse pecado. Tem havido grande variedade de opinião sobre a natureza do pecado imperdoável. (1) Jerônimo e Crisóstomo consideravam-no um pecado que só podia ser cometido durante a estada de Cristo na terra, e sustentavam que ele foi cometido pelos que estavam convencidos em seus corações de que Cristo realizava os Seus milagres pelo poder do Espírito Santo, mas, a despeito da sua convicção, recusaram reconhecer esses milagres como tais e os atribuíram à operação de Satanás. Contudo, esta limitação é inteiramente destituída de fundamento, como as passagens de Hebreus e 1 João parecem provar. (2) Agostinho, os dogmáticos da Igreja Luterana, de linha de Melanchton, e uns poucos teólogos escoceses (Guthrie, Chalmers) entendiam que o pecado imperdoável consiste de impoenitentia finalis, isto é, impenitência obstinada até o fim. Um conceito relacionado com esse é o expresso por alguns nos dias atuais, de que consiste de incredulidade persistente, uma recusa até o fim a aceitar Jesus Cristo pela fé. Mas, supondo-se isso, seguir-se-ia que todos os que morreram num estado de impenitência e descrença cometeram esse pecado, enquanto que, segundo a Escritura, ele tem que ser uma coisa de natureza muito especifica. (3) Em relação com a sua negação da perseverança dos santos, os teólogos luteranos mais recentes ensinavam que somente as pessoas regeneradas poderiam cometer esse pecado, e procuravam apoio para essa idéia em Hb 6.4-6. Mas esta posição é antibíblica, e os Cânones de Dort rejeitam, entre outros, também o erro dos que ensinam que os regenerados podem cometer pecado contra o Espírito Santo.
b. A concepção reformada (calvinista) desse pecado. O titulo “pecado contra o Espírito Santo” é demasiado geral, pois também há pecados contra o Espírito Santo que são perdoáveis, Ef. 4.30. A Bíblia fala mais especialmente de “falar contra o Espírito Santo”, Mt 12.32; Mc 3.29; Lc 12.10. Evidentemente, é um pecado cometido durante a presente vida, pecado que torna impossíveis a conversão e o perdão. O pecado consiste na rejeição e calúnia consciente, maldosa e voluntária, e isso contra as evidências e respectiva convicção do testemunho do Espírito Santo a respeito da graça de Deus em Cristo, atribuindo-o, por ódio ou inimizade, ao príncipe das trevas. Isto pressupõe, objetivamente, uma revelação da graça de Deus em Cristo, numa poderosa operação do Espírito Santo; e, subjetivamente, uma iluminação e convicção intelectual tão forte e poderosa que impossibilita uma franca negação da verdade. E, depois, o pecado mesmo consiste, não em duvidar da verdade, nem numa simples negação dela, mas sim numa contradição dela que vai contra a convicção da mente, a iluminação da consciência, e até mesmo contra o veredicto do coração. Ao cometer esse pecado, o homem atribui voluntária, maldosa e intencionalmente o que se reconhece claramente como obra de Deus à influencia e operação de Satanás. Não é nada menos que uma difamação do Espírito Santo, uma audaciosa declaração de que o Espírito Santo é o espírito do abismo, que a verdade é mentira e que Cristo é Satanás. Não é tanto um pecado contra a pessoa do Espírito Santo, como contra a Sua obra oficial que consiste em revelar, tanto objetiva como subjetivamente, a graça e a gloria de Deus em Cristo. A raiz desse pecado é o consciente e deliberado ódio a Deus e a tudo quanto se reconhece como divino. É imperdoável, não porque a sua culpa transcende os méritos de Cristo, ou porque o pecador esteja fora do alcance do poder renovador do Espírito Santo, mas, sim porque há também no mundo de pecado certas leis e ordenanças estabelecidas por Deus e por Ele mantidas. E, no caso desse pecado particular, a lei é que ele exclui toda a possibilidade de arrependimento, cauteriza a consciência, endurece o pecador e, assim, torna imperdoável o pecado. Daí, nos que cometeram esse pecado podemos esperar ver um pronunciado ódio a Deus, uma atitude desafiadora para com Ele e para com tudo quanto é divino, um prazer em ridicularizar e difamar aquilo que é santo, e um desinteresse absoluto quanto ao bem-estar da alma e à vida futura. Em vista do fato de que esse pecado não é seguido pelo arrependimento, podemos estar razoavelmente seguros de que os que receiam havê-lo cometido e se preocupam com isso, e desejam as orações doutras pessoas por eles, não o cometeram.
c. Observações sobre as passagens das epístolas que falam disto. Exceto nos evangelhos, esse pecado não é mencionado nominalmente na Bíblia. Assim, surge a questão, se as passagens de Hb 6.4-6; 10.26, 27, 29 e 1 Jo 5.16 também se referem a ele. Pois bem, é mais que evidente que elas falam de um pecado imperdoável; e porque Jesus diz em Mt 12.31, “por isso vos declaro: Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada”, indicando com isso que só existe um pecado imperdoável, é simplesmente razoável pensar que essas passagens se referem ao mesmo pecado. Deve-se notar, porém, que Hebreus 6 fala de uma forma específica desse pecado, forma que só poderia ocorrer na era apostólica, quando o Espírito se revelava com dons e poderes extraordinários. O fato de que nem sempre se teve isto em mente, muitas vezes levou à errônea opinião de que esta passagem, com as suas expressões desusadamente fortes, refere-se a pessoas que de fato foram regeneradas pelo Espírito de Deus. Mas, embora Hb 6.4-6 fale de experiências que transcendem as da fé temporal e comum, não atestam necessariamente a presença da graça regeneradora no coração.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Que objeções são levantadas à idéia da chefia federal de Adão? 2. Que base escriturística há para a imputação do pecado de Adão aos seus descendentes? 3. A teoria da imputação mediata, de Placeus, tinha algum tipo de ligação com o conceito de expiação universal, de Amiraldo? 4. Que objeção Dabney faz à doutrina da imputação imediata? 5. A doutrina do mal herdado é igual à doutrina do pecado original, e, se não, como diferem? 6. Como os pelagianos, os semipelagianos e os arminianos diferem no modo de conceituar o pecado original? 7. Como a doutrina do pecado original afeta a doutrina da salvação das crianças? 8. A Bíblia ensina que a pessoa pode perder-se como puro e simples resultado do pecado original? 9. Qual a relação entre a doutrina do pecado original e a da regeneração batismal? 10. Que é feito da doutrina do pecado original na teologia modernista? 11. Como você explica a negação do pecado original na teologia bartiana? 12. Você pode mencionar algumas classes adicionais dos pecados fatuais?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm III, p. 61-120; III, Kuyper, Dict. Dogm., De Peccato, p. 36- 50, 119-144; Vos, Geref. Dogm. II, p.31-76; Hodge, Syst. Theol. II, p. 192-308; MacPherson, Chr. Dogm., p. 242-526; Dabney, Syst. And Polem. Theol , p 321-351; Litton, Intro. To Dogm. Theol., p. 136-174; Schmid, Doct. Theol. Of the Ev. Luth. Ch., p. 242-276; Valentine, Chr. Theol. I, p.420-476; Pope, Chr. Theol. II, p. 47-86; Raymond, Syst. Theol. II, p. 64-172; Wilmers, Handbook of the Che. Religion, p. 235-238; Mackintosh, Christianity and Sin, cf. Index; Girardeau, The Will in its Theological Relations; Wiggers, Augustinism and Pelagianism; Candlish, The Bibl. Doct. Of Sin, p. 90-128, Brinner, Man in Revolt, p. 114-166.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 251)