terça-feira, 22 de abril de 2014

Relação do Ser e dos Atributos de Deus

Alguns dogmáticos dedicam um ou mais capítulos separados ao Ser de Deus, antes de empreender a discussão dos Seus atributos. Isto é feito, por exemplo, nas obras de Mastricht, Ebrard, Kuyper, e Shedd. Outros preferem considerar o Ser de Deus em conexão com os Seus atributos, em vista do fato de que é nestes que Ele se revelou. Este é o método mais comum, seguido na Synopsis purioris Theologiae, e nas obras de Turretino, a Marck, Brakel, Bavinck, Hodge, e Honig. Esta diferença de tratamento não indica nenhum desacordo fundamental sério entre eles. Eles todos concordam em que os atributos não são meros nomes sem nenhuma realidade que lhes corresponda, nem partes separadas de um Deus composto, mas sim, qualidades essenciais nas quais o Ser de Deus é revelado e com as quais pode ser identificado. Ao que parece, a única diferença é que alguns procuram distinguir entre o Ser e os atributos de Deus mais do que outros. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 33)

O Ser de Deus

É evidente que o Ser de Deus não admite nenhuma definição científica. Para dar uma definição lógica de Deus teríamos que começar fazendo pesquisa de algum conceito superior, debaixo do qual Deus pudesse ser coordenado com outros conceitos; e depois teríamos que expor as características aplicáveis exclusivamente a Deus. Uma definição genético-sintética assim, não se pode dar de Deus, visto que Deus não é um dentre várias espécies de deuses, que pudesse ser classificado sob um gênero único. No máximo, só é possível uma definição analítico-descritiva. Esta simplesmente menciona as características de uma pessoa ou coisa, mas deixa sem explicação o ser essencial. E mesmo uma definição dessas não pode ser completa, mas apenas parcial, porque é impossível dar uma descrição de Deus positiva exaustiva (como oposta a uma negativa). Constituiria numa enumeração de todos os Atributos de Deus conhecidos, e estes são, em grande medida, de teor negativo. A Bíblia nunca opera com um conceito abstrato de Deus, mas sempre O descreve como o Deus Vivente, que entra em várias relações com as Suas criaturas, relações que indicam vários atributos diferentes. Na obra de Kuyper intitulada Dictaten Dogmatiek, lemos que Deus, personificado como Sabedoria, fala de Sua essência em Provérbios 8.14, quando Ele atribui a Si próprio tushiyyach, palavra hebraica traduzida pelo termo “wezen” na versão holandesa. Mas esta tradução é muito duvidosa, e a tradução inglesa “conselho” merece preferência. Também se tem assinalado que a Bíblia fala da natureza de Deus em 2 Pe 1.4, mas dificilmente isto pode referir-se ao essencial de Deus pois nós não somos feitos participantes da essência divina. Tem-se visto uma indicação da essência de Deus propriamente dita no nome de Jeová , como interpretado por Deus mesmo nesta expressão, “Eu Sou o que Sou”. Com base nesta passagem, a essência de Deus acha-se em ela ser, abstratamente. E isto tem sido interpretado no sentido de auto-existência ou permanência auto-abrangente ou independência absoluta. Outra passagem repetidamente citada como contendo uma indicação da essência de Deus, e como a que mais se aproxima de uma definição na Bíblia, é João 4.24. “Deus é espírito; e importa que seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”. Esta afirmação de Cristo é claramente indicativa da espiritualidade de Deus. As duas idéias derivadas destas passagens ocorrem repetidamente na teologia como designativos do Ser de Deus propriamente dito. Em geral, pode-se dizer que Escritura não exalta um atributo de Deus em detrimento dos demais, mas os apresenta como existentes em perfeita harmonia no Ser Divino. Pode ser verdade que ora um, ora outro atributo receba ênfase, mas a Escritura evidentemente tenciona dar devida ênfase a cada um deles. O ser de Deus é caracterizado por profundidade, plenitude, variedade, e uma glória que excede nossa compreensão, e a Bíblia apresenta isto como um todo glorioso e harmonioso, sem nenhuma contradição inerente. E esta plenitude de Deus acha expressão nas perfeições de Deus, e não doutra maneira. Alguns dos primitivos pais da igreja, assim chamados, estiveram claramente sob a influência da filosofia grega em sua doutrina de Deus e, como Seeberg o expressa, não foram “além da mera concepção abstrata de que o Ser Divino é uma existência absoluta, destituída de atributos”. Por algum tempo, os teólogos geralmente se inclinavam a salientar a transcendência de Deus e a pressupor a impossibilidade de qualquer conhecimento adequado ou de qualquer definição da essência divina. Durante a controvérsia trinitária, a distinção entre a essência única e as três pessoas da Divindade foi acentuada vigorosamente, mas em geral se entendia que a essência estava além da compreensão humana. Gregório Nazianzeno, contudo, aventura-se a dizer: “Até onde podemos discernir, ho on e ho theos são de algum modo mais do que outros termos ou nomes da essência “divina”, e de ambas ho on é a preferível”. Ele considera esta expressão como descrição do ser absoluto. O conceito de Agostinho sobre a essência de Deus era muito parecido com o de Gregório. Na Idade Média também houve a tendência, ou de negar que o homem tem algum conhecimento da essência de Deus, ou de reduzir este conhecimento ao mínimo. Em alguns casos, um atributo foi isolado como sendo o mais expressivo da essência de Deus. Assim, Tomás de Aquino falava da asseidade ou auto-existência de Deus, e Duns Scotus, da Sua infinidade. Tornou-se também muito comum falar de Deus como actus puru, em vista da Sua simplicidade ontológica. Os reformadores e seus sucessores também falavam da essência de Deus como incompreensível, mas eles não excluíam todo conhecimento da essência, embora Lutero empregasse uma linguagem muito forte sobre este ponto. Eles salientavam a unidade, a simplicidade, e a espiritualidade de Deus. As palavras da Confissão Belga são muito características: “Cremos de coração, e confessamos com a boca, que há um único Ser simples e espiritual, a quem chamamos Deus”. Mais tarde, filósofos e teólogos viram a essência de Deus num Ser abstrato, numa substância universal, num pensamento puro, numa causalidade absoluta, no amor, na personalidade, e na santidade majestosa ou no Numinoso. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg.35)

A Possibilidade de Conhecer o Ser de Deus

Do que acima foi dito já transparece que a questão quanto à possibilidade de conhecer a Deus em Seu Ser essencial ocupou as melhores mentes da igreja, desde os primeiros séculos. E o consenso da opinião da igreja primitiva, durante a Idade Média, e no tempo da Reforma, foi que Deus, em Seu Ser mais recôndito, é O Incompreensível. E, em alguns casos, a linguagem empregada é tão forte que aparentemente não admite nenhum conhecimento do Ser de Deus. Ao mesmo tempo em que a empregam, ao menos em alguns casos, parecem Ter considerável conhecimento do Ser de Deus. Mal-entendidos podem facilmente surgir se não compreender a precisa questão que está sendo considerada, e se deixar de discriminar entre “saber” e “compreender”. Os escolásticos falavam de três perguntas às quais todas as especulações a respeito do Ser Divino podiam reduzir-se, a saber: An sit Deus? Quid sit Deus? e Quali sit Deus? A primeira pergunta refere-se à existência de Deus, a segunda, à Sua natureza ou essência, e a terceira, a Seus atributos. Nesse parágrafo é particularmente a Segunda pergunta que requer atenção. A pergunta, então, é, o que é Deus? Qual a natureza de Sua constituição interna? O que é que faz que Ele seja o que Ele é? Para responder adequadamente essa pergunta, teríamos que ser capazes de compreender Deus e de oferecer uma explicação satisfatória do Seu Ser Divino, e isto é completamente impossível. O finito não pode compreender o Infinito. A pergunta de Zofar, “Por ventura desvendarás os arcanos de Deus ou penetrarás até a perfeição do Todo-poderoso?” (Jó 11.7) tem a força de uma vigorosa negativa. E se considerarmos a segunda pergunta inteiramente desvinculada da terceira, a nossa resposta negativa fica sendo ainda mais inclusiva. Fora da revelação de Deus em Seus atributos, não temos absolutamente nenhum conhecimento do Ser de Deus. Mas, até onde Deus se revela em Seus atributos, também temos algum conhecimento do Seu Ser Divino, embora mesmo assim o nosso conhecimento esteja sujeito às limitações humanas. Lutero emprega algumas expressões muito fortes a respeito da nossa incapacidade de conhecer alguma coisa do Ser de Deus ou da Sua essência. Por outro lado, ele distingue o Deus absconditus (Deus oculto) e o Deus revelatus (Deus revelado); mas, por outro lado, ele também afirma que, conhecendo o Deus revelatus, somente O conhecemos em Seu ocultamento. Com isto ele quer dizer que, mesmo em Sua revelação, Deus não se manifestou inteiramente como Ele é essencialmente, mas, quanto à Sua essência continua encoberto por impenetrável escuridão. Só conhecemos a Deus na medida em que Ele entra em relação conosco. Calvino também fala da essência divina como incompreensível. Ele sustenta que Deus, nas profundezas do Seu Ser, está fora de alcance. Falando do conhecimento do Quid e do Qualis de Dues, diz ele que é inútil especular sobre o primeiro, ao passo que o nosso interesse prático jaz no segundo. Diz ele: “Simplesmente, brincam com frígidas especulações aqueles cuja mente se fixa na questão do que Deus é (Quid sit Deus), quando o que realmente nos interessa saber é, antes, que espécie de pessoa Ele é (Qualis sit) e o que é apropriado à Sua natureza”. Conquanto ele ache que Deus não pode ser conhecido à perfeição, não nega que possamos conhecer algo do Seu Ser ou da Sua natureza. Mas este conhecimento não pode ser conhecido por métodos a priori, mas somente de maneira a posteriori, mediante os atributos, que ele considera como reais determinativos da natureza de Deus. Eles nos transmitem ao menos algum conhecimento do que Deus é, mas, especialmente, do que Ele é em relação a nós. Ao tratar do nosso conhecimento do Ser de Deus, certamente devemos evitar a posição de Cousin, particularmente invulgar na história da filosofia, de que Deus, mesmo nas profundezas do Seu Ser, não é absolutamente Incompreensível, mas, sim, essencialmente inteligível; mas também devemos afastar-nos do agnosticismo de Hamilton e Mansel, segundo o qual não podemos ter qualquer conhecimento do Ser de Deus. Não podemos compreender Deus, não podemos ter um absoluto e exaustivo conhecimento dele, mas, sem dúvida, podemos ter um conhecimento relativo ou parcial do Ser Divino. É perfeitamente certo que este conhecimento de Deus só é possível porque Ele se colocou em certas relações com as Suas criaturas morais e se revelou a estas, e que mesmo este conhecimento é humanamente condicionado; mas, não obstante, é um conhecimento real e verdadeiro, e, no mínimo, é um conhecimento parcial da natureza absoluta de Deus. Existe diferença entre um conhecimento absoluto e um conhecimento relativo ou parcial de um Ser absoluto. Não se resolve dizer que o homem só conhece as relações nas quais Deus se mantém para com Suas criaturas. Nem seria possível Ter um apropriado conceito dessas relações sem conhecer alguma coisa de Deus e do homem. Dizer que não podemos saber nada do Ser de Deus, mas que podemos conhecer somente relações, é equivalente a dizer que não podemos conhecê-lo absolutamente e não podemos fazê-lo objeto da nossa religião. Diz o Dr. Orr: “Não podemos conhecer a Deus nas profundezas do Seu Ser absoluto. Mas podemos, ao menos, conhecê-lo até onde Ele se revela em Sua relação conosco. A questão, portanto, não é quanto a possibilidade de um conhecimento de Deus na impenetrabilidade do Seu Ser, mas é esta: Podemos conhecer a Deus procurando saber como Ele entra em relação com o mundo e conosco? Deus entrou em relação conosco em Suas revelações de Si próprio, e, supremamente, em Jesus Cristo; e nós, cristãos, humildemente alegamos que, por meio desta auto-revelação, de fato sabemos que Deus é o Deus verdadeiro, e temos um real conhecimento do seu Caráter e da Sua vontade. Tampouco é correto dizer que este conhecimento que temos de Deus é apenas um conhecimento relativo. É em parte um conhecimento da natureza absoluta de Deus também.” As últimas declarações provavelmente são feitas coma intenção de guardar-se da idéia de que todo o nosso conhecimento de Deus é relativo à mente humana, de modo que não teríamos segurança de que ele corresponda à realidade como ela existe em Deus. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 37)

O Ser de Deus Revelado em Seus Atributos

Da simplicidade de Deus segue-se que Deus e Seus atributos são um. Não devemos considerar os atributos como outras tantas partes que entram na composição de Deus, pois, ao contrário dos homens, Deus não é composto de diversas partes. Tampouco devemos considerá-los como alguma coisa acrescentada ao Ser de Deus, embora o nome, derivado de ad e tribuere, pareça apontar nessa direção, pois nenhum acréscimo jamais foi feito ao Ser de Deus, que eternamente perfeito. Comumente se diz em teologia que os atributos de Deus são o próprio Deus, como Ele se revelou a nós. Os escolásticos acentuavam o fato de que Deus é tudo quanto Ele tem. Ele tem vida, luz, sabedoria, amor, justiça, e se pode dizer com base na Escritura que Ele é vida, luz, sabedoria, amor, justiça. Os escolásticos afirmavam, ademais, que toda a essência de Deus é idêntica a cada um dos atributos, de modo que o conhecimento de Deus, é Deus, a vontade de Deus, é Deus, e assim por diante. Alguns deles chegaram mesmo a dizer que cada atributo é idêntico a cada um dos demais atributos, e que não existem distinções lógicas em Deus. Isto constitui um extremo muito perigoso. Embora se possa dizer que há uma interpenetração dos atributos de Deus, e que eles formam um todo harmonioso, estamos partindo em direção ao panteísmo quando eliminamos todas as distinções em Deus, e dizemos que a Sua auto-existência é a sua infinidade, que o Seu conhecimento é a Sua vontade, que o Seu amor é a Sua justiça, e vice-versa. Uma coisa característica dos nominalistas é que eles obtiveram todas as reais distinções em Deus. Eles temiam que, ao admitir reais distinções nele, correspondentes aos atributos atribuídos a Deus, eles poriam em perigo a simplicidade e a unidade de Deus, e, portanto, foram motivados por um propósito louvável. De acordo com eles, as perfeições do Ser divino existem somente em nosso pensamentos, sem nenhuma realidade correspondente no Ser Divino. Por outro lado, os realistas afirmavam a realidade das perfeições divinas. Eles compreenderam que a teoria dos nominalistas, coerentemente levada a diante, seguiria na direção de uma panteística negação de um Deus pessoal e, portanto, consideravam da máxima importância sustentar a realidade objetiva dos atributos de Deus. Ao mesmo tempo, eles procuravam salvaguardar a unidade e a simplicidade de Deus defendendo que toda a essência está em cada atributo: Deus é Tudo em todos; Tudo em cada um deles. Tomás de Aquino tinha o mesmo propósito em mente quando afirmava que os atributos não revelam o que Deus é em Si mesmo, nas profundezas do Seu Ser, mas somente o que Ele é em relação às Suas criaturas. Naturalmente devemos resguardar-nos contra o perigo de separar a essência divina dos atributos ou perfeições divinas, e também contra um falso conceito da sua relação mútua. Os atributos são reais determinativos do Ser Divino ou, noutras palavras, qualidades inerentes ao Ser de Deus. Shedd fala deles como “uma descrição analítica e bem próxima da essência”. Num sentido são idênticos, de modo que se pode dizer que as perfeições de Deus são o próprio Deus como Ele se nos revelou. É possível ir até mais longe e dizer como Shedd, “Toda a essência está em cada atributo, e cada atributo na essência”. E, devido à estreita relação existente entre a essência e os atributos, pode-se dizer que o conhecimento dos atributos leva consigo o conhecimento da essência divina. Seria um erro conceber a essência de Deus como existente por Si própria e anterior aos atributos, como também seria um erro conceber os atributos como características aditivas e acidentais do Ser Divino. São eles qualidades essenciais de Deus, inerentes ao Seu próprio Ser e com Ele coexistentes. Estas qualidades não podem ser alteradas sem alterar o Ser essencial de Deus. E desde que são qualidades essenciais, cada um deles revela-nos algum aspecto do Ser de Deus. QUESTIONÁRIO PRA PESQUISA: 1. Como podemos distinguir entre o Ser, a natureza, e a essência de Deus? 2. Como as idéias filosóficas sobre o Ser essencial de Deus diferem das idéias teológicas? 3. Que dizer da tendência de ver a essência de Deus no Absoluto, no amor, na personalidade? 4. Que quer dizer Otto quando a caracteriza como “o Santo” ou “o Numinoso”? 5. Por que é impossível ao homem compreender a Deus? 6. O pecado afetou de alguma forma a capacidade humana de conhecer a Deus? 7. Há alguma diferença entre o conceito de Lutero e o de Barth sobre o “Deus Oculto”? 8. Calvino difere deles nesse ponto? 9. Lutero compartilhou as idéias nominalistas de Occam, por quem foi influenciado noutros aspectos? 10. Como os Reformadores, em distinção dos escolásticos, consideravam o problema da existência de Deus? 11. Poderíamos Ter algum conhecimento de Deus, se Ele fosse um Ser puro, destituído de atributos? 12. Que conceitos errôneos dos atributos devem ser evitados? 13. Qual o conceito adequado? BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: bavinck, Geref. Dogm. I, p.91-113; Kuyper, Dict. Dogm., De Deo I, p.124-158; Hodge, Syst. Theol. I, p.335-374; Shedd, Dogm. Theol.I, p.152-194; Thornwell, Collected Works, I, p. 104-172; Dorner, Syst. Of Chr. Doct. I, p.1870212; Orr, Chr. View of God and World, p.75-93; Otten, Manual of the Hist. Of Dogmas. I, p.254-260; Clark, The Chr. Doct. Of God, p. 56-70; Steenstra, The Being of God as Unity and Trinity, p.1-88; Thomson, The Christian Idea of God, p.117-159; Hendry, God the Creator (do ponto de vista barthiano); Warfield, Calvin and Calvinism, p. 131-185 (Calvin’s Doctrine of God). (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 38)

Os nomes de Deus

A. Os Nomes de Deus em Geral. Conquanto a Bíblia registre vários nomes de Deus, fala também do Nome de Deus no singular como, por exemplo, nas seguintes declarações: “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão” Êx. 20.7; “Quão magnífico em toda terra é o teu nome!” Sl 8.1: “Como o teu nome, ó Deus, assim o teu louvor se estende até os confins da terra” Sl 48.10; “Grande o seu nome em Israel” Sl 76.1; “Torre forte é o nome do Senhor, à qual o justo se acolhe e está seguro” Pv 18.10. Nesses casos “o nome” vale por toda manifestação de Deus em Sua relação com o Seu povo, ou simplesmente pela pessoa, de modo que se constitui sinônimo de Deus. Deve-se este uso ao fato de que, segundo o pensamento oriental, jamais um nome era considerado como simples vocábulo, mas sim, como expressão da natureza da coisa por ele designada. Saber o nome de uma pessoa era Ter poder sobre ela, os nomes dos diversos deuses eram utilizados nos encantamentos para se exercer poder sobre eles. Então, no sentido mais geral da palavra, o nome de Deus é Sua auto-revelação. É um designativo dele, não como Ele existe nas profundezas do Seu Ser Divino, mas como Ele se revela especialmente em Suas relações com o homem. Para nós, o nome geral de Deus é subdividido em muitos nomes, que expressam o multiforme Ser de Deus. É unicamente porque Deus se revelou em Seu nome (nomen editum) que podemos designá-lo por esse nome de várias formas (nomina indita). Os nomes de Deus não são uma invenção humana, mas têm origem divina, embora tomados da linguagem humana e derivados das relações humanas e terrenas. São antropomórficos e assinalam uma condescendente aproximação de Deus ao homem. Os nomes de Deus constituem uma dificuldade para o intelecto humano. Deus é O Incompreensível, infinitamente exaltado acima de tudo o que é temporal; mas em Seus nomes Ele desce a tudo que é finito, e se assemelha ao homem. Por um lado, não Lhe podemos dar nome e, por outro lado, Ele tem muitos nomes. Como se pode explicar isto? Com que base estes nomes são aplicados ao Deus infinito e incompreensível? Deve-se Ter em mente que eles não foram inventados pelo homem e não atestam sua compreensão do Ser de Deus propriamente dito. Foram dados por Deus com a certeza de que contém, em certa medida, uma revelação do Ser divino. O que possibilitou isso foi o fato de que o mundo, com todas as suas relações, é e teve o objetivo de ser uma revelação de Deus. Dado o que O Incompreensível revelou-se em Suas criaturas, é possível ao homem dar-lhe nome à maneira de uma criatura. A fim de fazer-se conhecido ao homem, Deus teve que condescender em nivelar-se ao homem, acomodar-se à limitada e finita faculdade cognitiva e psíquica humana, e falar em língua humana. Se denominar Deus como nomes antropomórficos envolve limitação de Deus, como dizem alguns, isso com maior razão e em maior grau é verdade quanto à revelação de Deus na criação. Neste caso, o mundo não revela, antes esconde Deus; o homem não está relacionado com Deus, mas simplesmente forma uma antítese a Ele: e ficamos encerrados num agnosticismo sem esperança. Do que foi dito acerca do nome de Deus em geral segue-se que podemos incluir sob os nomes de Deus, não somente aos apelativos pelos quais Ele é indicado como um Ser pessoal e independente, e com os quais o homem se dirige a Ele, mas também os atributos de Deus; e não apenas os atributos de Ser Divino em geral, mas também os que qualificam separadamente as Pessoas da Trindade. O Dr. Bavinck baseia a sua divisão dos nomes Deus nesse amplo conceito deles, e distingue entre nomina propria (nomes próprios), nomina essentialia (nomes essenciais, ou atributos), e nomina personalia (nomes pessoais; como pai e Filho e Espírito Santo). No presente capítulo nos limitaremos à primeira classe de nomes. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 40)

Os Nomes de Deus do Velho Testamento e Seu Significado

1. ‘EL, ‘ELOHIM, ‘ELYON. O nome mais simples pelo qual Deus é designado no Velho Testamento é o nome ‘El, possivelmente derivado de ‘ul, quer no sentido de ser primeiro, ser senhor, quer no de ser forte e poderoso. O nome ‘Elohim (sing. ‘Eloah) deriva provavelmente da mesma raiz ou de ‘alahh, estar ferido pelo temor; portanto, mostra Deus como o Ser forte e poderoso, ou como objeto de temor. O nome raramente ocorre no singular, exceto na poesia. O plural deve ser considerado como intensivo e, portanto, serve para indicar plenitude de poder. O nome ‘Elyon é derivado de ‘alah, subir, ser elevado, e designa Deus como alto e exaltado Ser, Gn 14.19,20; Nm 24.16; Is 14.14. Encontra-se especialmente na poesia. Contudo, estes nomes não são nomina propria, no sentido estrito da palavra, pois também são empregados com referência a ídolos, Sl 95.3; 96.5; a homens, Gn 33.10; Êx 7.1; e a governantes, Jz 5.8; Êx 21.6; 22.8-10; Sl 82.1. 2. ‘ADONAI. Este nome relaciona-se com os anteriores, quanto ao seu significado. É derivado de dun (din) ou de ‘adan, ambos os quais significam julgar, governar e , assim, revelam Deus como Governante todo-poderoso, a quem tudo está sujeito e com quem tudo está sujeito e com quem o homem se relaciona como servo. Nos primeiros tempos, era o nome com o qual Israel normalmente se dirigia a Deus. Com o tempo foi suplantado pelo nome Jeová (Yahweh). Todos os nomes mencionados até aqui descrevem Deus como Altíssimo, o Deus transcendente. Os nomes subseqüentes mostram que este Ser exaltado condescendeu em estabelecer relação com as Suas criaturas. 3. SHADDAI e ’EL-SHADDAI. O nome Shaddai é derivado de shadad, ser poderoso, e indica que Deus possui todo o poder no céu e na terra. Segundo outros, porém, é derivado de shad, senhor. Num ponto importante difere de ‘Elohim, o Deus da criação e da natureza, em que Shaddai considera a Deus como sujeitando todos os poderes da natureza e fazendo-os subservientes à obra da graça divina. Embora dê ênfase à grandiosidade de Deus, não apresenta como objeto de temor e terror, mas como fonte de bem-aventurança e consolação. É o nome com o qual Deus apareceu a Abraão, o pai dos que crêem, Êx 6.2. 4. YAHWEH e YAHWEH TSEBHAOTH. É especialmente no nome Yahweh, que gradativamente superou os nomes anteriores, que Deus se revela o Deus da graça. Sempre foi tido como o mais sagrado e o mais distintivo nome de Deus, o nome incomunicável. Os judeus temiam supersticiosamente usá-lo, visto que liam Lv 24.16 como segue: “Aquele que mencionar o nome de Yahweh será morto”. Daí, ao lerem as Escrituras, substituíram-no por ‘Adonai ou por ‘Elohim; e os massoretas, embora deixando as consoantes intactas, ligaram a elas as vogais de um destes nomes, geralmente o de ‘Adonai. A verdadeira derivação do nome, e sua pronúncia e sentido de origem, estão mais ou menos perdidos na obscuridade. O Pentateuco liga o nome ao verbo hebraico hayah, ser, Êx 3.13, 14. Da força dessa passagem podemos supor que, com toda probabilidade, o nome deriva de uma forma arcaica daquele verbo, a saber, Hawah. No que se refere à forma, pode ser considerado como a terceira pessoa do imperfeito de qal ou de hiphil, mais provavelmente de qal. O sentido é explicado em Êx. 3.14, onde se traduz, “Eu sou o que sou” ou “Eu serei o que serei”. Assim interpretado, o nome indica a imutabilidade de Deus. Contudo, não se tem tanto em vista a imutabilidade do Seu Ser essencial, mas mormente a imutabilidade de Sua relação com o Seu povo. O nome contém a segurança de que Deus será para o povo dos dias de Moisés o que foi para os seus pais – Abraão, Isaque e Jacó. Salienta a fidelidade pactual de Deus, é Seu nome próprio par excellence, Êx 15.3; Sl 83.19; Os 12.6; Is 42.8, e, portanto, não é empregado com referência a ninguém mais, senão unicamente com referência ao Deus de Israel. O caráter exclusivo deste nome transparece do fato de que nunca ocorre no plural nem com sufixo. Yah e Yahu são formas abreviadas dele, formas que nunca se acham principalmente em nomes compostos. Muitas vezes o nome Yahweh é fortalecido pelo acréscimo de Tsebhaoth. Orígenes e Jerônimo o consideravam uma aposição, porque Yahweh não admite condição de construto. Mas esta interpretação não tem suficiente suporte e dificilmente propicia um sentido inteligível. É deveras difícil determinar a que se refere o vocábulo tsebhaoth. Há três opiniões principais: a. Os exércitos de Israel. Pode-se muito bem pôr em dúvida o acerto desta maneira de ver. A maior parte das passagens citadas em apoio desta idéia não prova o ponto; somente três delas contém um indício de prova, a saber, 1 Sm 4.4; 17.45; 2 Sm 6.2, ao passo que uma delas, 2 Rs 19.31, é muito desfavorável a este ponto de vista. Enquanto o plural tsebhaoth é empregado para designar os exércitos do povo de Israel, o exército é normalmente indicado pelo singular. Isto milita contra a noção, inerente a esta teoria, de que, no nome em consideração, o termo se refere ao exército de Israel. Além disso, é evidente que, pelo menos nos Profetas, o nome “Senhor dos Exércitos” não se refere ao Senhor como Deus de guerra. E se o sentido do nome mudou, o que foi que ocasionou a mudança? b. As estrelas. Mas, ao falar do exército dos céus, as Escrituras sempre empregam o singular, e nunca o plural. Além do mais, as estrelas são chamadas o exército do céu, mas nunca o exército de Deus. c. Os anjos. Esta interpretação merece preferência. O nome Yahweh Tsebhaoth acha-se muitas vezes em contextos em que os anjos são mencionados: 1 Sm 4.4; 2 Sm 6.2; Is 37.16; Os 12.4, 5; Sl 80.1, 4, 7, 14, 19; 89.6, 8. Os anjos são repetidamente descritos como um exército que circunda o trono de Deus, Gn 28.12; 32.2; Js 5.14; 1 Rs 22.19; Sl 68.17; 103.21; 148.2; Is 6.2. É verdade que neste caso o singular é também usado no geral, mas esta objeção não é grave, pois a Bíblia indica também a existência de várias divisões de anjos, Gn 32.2; Dt 33.2; Sl 68.17. Ademais, esta interpretação está em harmonia com o significado do nome, que não tem matiz marcial, mas expressa a glória de Deus como Rei, Dt 33.2; 1 Rs 22.19; Sl 24.10; Is 6.3; 24.23; Zc 14.16. Então, o Senhor dos Exércitos é Deus como o Rei da glória, cercado de hostes angelicais, governa o céu e aterra no interesse do Seu povo e recebe glória de todas as Suas criaturas. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 42)

Os Nomes de Deus do Novo testamento e Seu Significado

1. THEOS. O Novo testamento tem equivalentes gregos dos nomes do Velho Testamento. Para ‘El ‘Elohim, e ‘Elyon temos nele Theos, que é dos nomes aplicados a Deus o mais comum. Como ‘Elohim, pode, por acomodação, ser empregado com referência a deuses pagãos, embora estritamente falando expresse divindade essencial. ‘Elyon é traduzido por Hypsistos Theos, Mc 5.7; Lc 1.32, 35, 75; At 7.48; 16.17; Hb 7.1. Os nomes Shadda e ‘El-Shadday são vertidos para Pantokrator e Theos Pantokrator, 2 Co 6.18; Ap 1.8; 4.8; 11.17; 15.3; 16.7, 14. Mais geralmente, porém, vê-se Theos com um genitivo possessivo, como mou, sou, hemon, hymon, porque em Cristo Deus pode ser considerado como o Deus de todos e de cada um dos Seus filhos. A idéia nacional do Velho Testamento deu lugar à individual, na religião. 2. KYRIOS. O nome Yahweh é aplicado algumas vezes por variantes de tipo descritivo, como “o Alfa e o Ômega”, “que é, que era, e que há de vir”, “o princípio e o fim”, “o primeiro e o último”, Ap 1.4, 8, 17; 2.8; 21.6; 22.13. Todavia, quanto ao mais, o Novo Testamento segue a Septuaginta, que substitui por ‘Adonai, e o traduz por Kyrios, derivado de kyros, poder. Este nome não tem exatamente a mesma conotação de Yahweh, mas designa a Deus como o Poderoso, Senhor, o Possuidor, o Governador que tem poder e autoridade legal. É empregado não somente som referência a Deus, mas também a Cristo. 3. PATER. Muitas vezes se diz que o Novo Testamento introduziu um novo nome de Deus, a saber, Pater (Pai). Mas isto, a rigor, não é certo. O nome Pai é empregado com alusão a Deus mesmo em religiões pagãs. É utilizado repetidamente no Velho Testamento para designar a relação de Deus com Israel, Dt 32.6; Sl 103,13; Is 63.16; 64.8; Jr 3.4, 19; 31.9; Ml 1.6; 2.10, enquanto que Israel é chamado filho de Deus, Êx 4.22; Dt 14.1; 32.19; Is 1.2; Jr 31.20; Os 1.10; 11.1. Nestes casos o nome expressa a relação teocrática especial que Deus mantém com Israel. No sentido geral de originador ou criador é empregado nas seguintes passagens do Novo Testamento: 1 Co 8.6; Ef 3.15; Hb 12.9; Tg 1.18. Em todos os outros lugares ele serve para expressar a relação especial da primeira Pessoa da Trindade com Cristo, com o Filho de Deus, seja no sentido metafísico, seja no sentido mediatório, ou a relação ética de Deus com todos os crentes como Seus filhos espirituais. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg.43)

Os atributos de Deus em geral

A. Avaliação dos Termos Empregados O nome “atributos” não é ideal, desde que transmite a noção de acrescentar ou consignar alguma coisa a alguém, e, portanto, pode criar a impressão de que alguma coisa é acrescentada ao Ser Divino. Indubitavelmente o termo “propriedade” é melhor, no sentido de indicar algo que é próprio de Deus e de Deus somente. Naturalmente, dado que alguns dos atributos são comunicáveis, o caráter absoluto do proprium é enfraquecido, pois, naquela extensão, alguns dos atributos não são próprios de Deus no sentido absoluto da palavra. Mas, mesmo que este vocábulo sugere uma distinção entre a essência ou natureza de Deus e aquilo que lhe é próprio. De modo geral, é preferível falar das “perfeições” ou “virtudes” de Deus, com o definido entendimento, porém de que, neste caso, o termo “virtudes” não é empregado em sentido simplesmente ético. Agindo assim, (a) seguimos o uso da Bíblia, que emprega o termo arete, traduzido por virtudes ou excelências em 1 Pe 2.9; e (b) evitamos a idéia de que alguma coisa é acrescentada ao Ser de Deus. Suas virtudes não são adicionadas ao Seu Ser, mas, antes, o Seu Ser é o pleroma de Suas virtudes e nestas se revela. Os atributos de Deus podem ser definidos como as perfeições que constituem predicados do Ser Divino na Escritura, ou que são visivelmente exercidas por ele em Suas obras de criação, providência e redenção. Se continuamos a empregar o nome “atributos”, é porque é comumente utilizado, e o fazemos com claro entendimento de que se deve excluir rigidamente a noção de algo acrescentado ao Ser de Deus. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 44)

Método de Determinação dos Atributos de Deus

Em sua tentativa de elaborara um sistema de teologia natural, os escolásticos firmaram três modos pelos quais determinar os atributos de Deus, modos que eles denominam via causalitatis, via negationis e eminentiae. Pela via da causalidade subimos dos efeitos que vemos no mundo que nos cerca para a idéia de uma Causa primeira, da contemplação da criação para a idéia de um onipotente Criador, e da observação do governo moral mundo para a idéia de um Governante poderoso e sábio. Pela via da negação retiramos de nossa idéia de Deus todas as imperfeições vistas em Suas criaturas, como incoerentes com a idéia de um Ser Perfeito, e Lhe atribuímos as respectivas perfeições opostas. Apoiados neste princípio, dizemos que Deus é independente, infinito, incorpóreo, imenso, imortal e incompreensível. E finalmente, pela via da eminência atribuímos a Deus, de modo o mais eminente, as perfeições relativas que descobrimos no homem, segundo o princípio de que o que existe num efeito, preexiste em sua causa, e ainda, no sentido mais absoluto, em Deus como ser perfeitíssimo. Este método pode atrair alguns, porque parte do conhecido para o desconhecido, mas não é o método apropriado para a teologia dogmática. Tem como ponto de partida o homem e tira suas conclusões partindo daquilo que ele encontra no homem para o que se acha em Deus. E, na medida em que age deste modo, faz o homem a medida de Deus. Certamente não é um modo de proceder teológico. Além de tudo mais, baseia o seu conhecimento de Deus em conclusões humanas, em vez de baseá-lo na auto-revelação de Deus em Sua palavra divina. Ora, é esta a única fonte adequada de conhecimento de Deus. Conquanto se possa seguir aquele método na teologia natural, assim chamada, não se enquadra numa teologia da revelação. Pode-se dizer a mesma coisa dos métodos sugeridos pelos representantes modernos da teologia experimental. Um exemplo típico disto pode-se ver na Theology as na Empirical Science, de Macintosh. Ele também fala de três procedimentos metodológicos. Podemos começar com nossas intuições da realidade de Deus, aquelas certezas que independem do raciocínio e que se acham firmemente arraigadas na experiência imediata. Uma delas é a de que o Objeto da nossa confiança religiosa é absolutamente suficiente para as das nossas necessidades imperativas. Em especial, pode-se tirar deduções da vida de Jesus e das “Semelhanças de Cristo” em toda parte. Também podemos ter nosso ponto de partida, não nas certezas do homem, mas em suas necessidades. O postulado praticamente necessário é que Deus é absolutamente suficiente e absolutamente confiável com referência às necessidades religiosas do homem. Sobre esta base o homem pode construir a sua doutrina dos atributos de Deus. E, finalmente, também é possível seguir um método mais pragmático, que repousa no princípio de que, até certo ponto, podemos aprender o que são as coisas e as pessoas, além do que percebemos imediatamente o que são, observando o que elas fazem. Macintosh acha necessário usar os três métodos. Ritschl pretende que partamos da idéias de que Deus é amor, e gostaria que indagássemos o que é que está envolvido nessa idéia sumamente característica de Deus. Desde que o amor é pessoal, implica a personalidade de Deus e, assim, dá-nos um princípio para a interpretação do mundo e da vida do homem. O pensamento de que Deus é amor leva consigo a convicção de Ele pode realizar o Seu propósito de amor, isto é, de que a Sua vontade é supremamente efetiva no mundo. Isto dá a idéia de um Criador todo-poderoso. E, em virtude deste pensamento básico, afirmamos também a eternidade de Deus, desde que, dominando todas as coisas para a concretização do Seu reino, Ele vê o fim desde o princípio. Com engenho um tanto similar, diz o Dr. W. A. Brown: “Obtemos o nosso conhecimento dos atributos analisando a idéia de Deus, que já recebemos da revelação em Cristo; e os dispomos de molde a levar os traços distintivos dessa idéia à sua mais clara expressão”. Todos esses métodos têm seu ponto de partida na experiência humana, e não na Palavra de Deus. Deliberadamente ignoram a clara revelação que Deus nos dá de Si na Escritura e exaltam a idéia do descobrimento humano de Deus. Os que se apóiam em tais métodos têm uma idéia exagerada da sua capacidade de revelar Deus e de determinar a natureza de Deus indutivamente, mediante “métodos científicos” reconhecidos. Ao mesmo tempo, fecham os olhos para a única avenida pela qual poderiam obter real conhecimento de Deu, a saber, a Sua revelação especial, evidentemente esquecidos do fato de que somente o Espírito de Deus pode sondar e revelar as profundezas de Deus, e no-las revelar. O próprio método de que se utilizam os compele a arrastar Deus para baixo, ao nível do homem, a salientar a Sua imanência em detrimento da Sua transcendência, e a fazer dele um Ser em continuidade com o mundo. E como resultado final da sua filosofia, temos um Deus feito à imagem do homem. William James condena todo intelectualismo em religião e sustenta que a filosofia, na forma de teologia escolástica, falha tão completamente na tentativa de definir os atributos de Deus cientificamente, como na de estabelecer a Sua existência. Após apelar para o livro de Jó, diz ele: “O raciocínio é um caminho relativamente superficial e irreal para a Divindade”. James conclui a sua discussão com estas significativas palavras: “com toda sinceridade, penso que devemos concluir que a tentativa de demonstrar, por meio de processos puramente intelectuais, a veracidade das comunicações e experiências religiosas diretas, é absolutamente frustrante”. Ele tem mais confiança no método pragmático que procura um Deus que satisfaça as necessidades práticas do homem. Em sua opinião, é suficiente crer que “além de cada homem e de maneira contínua com ele, existe um poder maior que lhe é amistoso, a ele e aos seus ideais. Tudo que os fatos exigem é que o poder seja diverso maior que o nosso ser pessoal consciente. Qualquer coisa maior servirá, se tão somente for bastante grande para inspirar confiança para o próximo passo. Não precisa ser infinito, não precisa ser solitário. Poderia até, concebivelmente, ser apenas um ser um pouco maior e mais divino, um ser do qual o atual seria então uma expressão mutilada, e, concebivelmente, o universo poderia ser uma reunião de tais seres, de diferente grau e inclusivamente, sem nenhuma unidade absoluta nela presente de fato”. Assim, o que nos deixa é a idéia de um Deus finito. A única maneira apropriada pela qual obter conhecimento dos atributos divinos perfeitamente confiável é o estudo da auto-revelação de Deus na Escritura. É na verdade que podemos adquirir algum conhecimento da grandeza e poder de Deus, de Sua sabedoria e bondade, pelo estudo da natureza, mas para uma adequada concepção, mesmo destes atributos, será necessário voltar-nos para a palavra de Deus. Na teologia da revelação procuramos aprender da palavra de Deus quais são os atributos do Ser Divino. O homem não pode extrair conhecimento de Si ao homem, conhecimento que o homem pode somente aceitar e assimilar. Naturalmente, para a apropriação e entendimento deste conhecimento revelado, é da maior importância que o homem tenha sido criado à imagem de Deus e, portanto, encontre úteis analogias em sua própria vida. Em distinção do método a priori dos escolásticos, que deduziam os atributos da idéia de um Ser perfeito, este método pode ser denominado a posteriori, desde que toma o seu ponto de partida, não num Ser perfeito e abstrato, mas na plenitude da auto-revelação divina, e, à luz desta, procura conhecer o Ser Divino. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 47)

Sugestões Feitas Quanto às Divisões dos Atributos.

A questão da classificação dos atributos divinos tem ocupado a atenção dos teólogos por longo tempo. Várias classificações têm sido sugeridas, a maioria das quais distingue duas classes gerais. Estas classes são designadas por diferentes nomes e representam diferentes pontos de vista, mas substancialmente são as mesmas, nas diversas classificações. Destas, as mais importantes são as seguintes: 1. Uns falam de atributos naturais e atributos morais. Os primeiros, como auto-existência, simplicidade, infinidade, etc., pertencem à natureza constitutiva de Deus, de maneira distinta de Sua vontade. Os últimos, como na verdade, bondade, misericórdia, justiça, santidade, etc., qualificam-no como um Ser moral. A objeção a essa classificação é que os atributos morais, assim chamados, são tão verdadeiramente naturais (isto é, originais) em Deus como os demais. Dabney prefere esta divisão mas, em vista da objeção levantada, admite que os termos não são felizes. Ele opta por falar em atributos morais e não morais. 2. Outros distinguem entre atributos absolutos e relativos. Os primeiros pertencem à essência de Deus, considerada em si mesma, ao passo que os últimos pertencem à essência divina, considerada em relação à Sua criação. A primeira classe inclui atributos como auto-existência, imensidade e eternidade; a outra, atributos como onipresença e onisciência. Esta divisão parece partir do pressuposto de que podemos ter algum conhecimento de Deus como Ele é em si mesmo, inteiramente à parte das relações que mantém com as Suas criaturas. Mas não é assim, e, portanto, falando com propriedade, todas as perfeições de Deus são relativas, indicando o que Ele é em relação ao mundo. Evidentemente Strong não reconhece a objeção e dá preferência a esta divisão. 3. Ainda outros dividem as perfeições divinas em atributos imanentes ou intransitivos e emanentes ou transitivos. Strong combina esta divisão com a anterior quando fala de atributos absolutos ou imanentes e relativos ou transitivos. Os primeiros são aqueles que não se expõe nem operam fora da essência divina, mas permanecem imanentes, como imensidade, simplicidade, eternidade, etc.; e os últimos são os que se expõem e produzem efeitos externos quanto a Deus, como onipotência, benignidade, justiça, etc. Mas se alguns dos atributos divinos fossem puramente imanentes, todo conhecimento deles estaria excluído, ao que parece. H.B. Smith observa que cada um deles deve ser ao mesmo tempo imanente e transitivo. 4. A distinção mais comum é entre atributos incomunicáveis e comunicáveis. Os primeiros são aqueles aos quais nada análogo existe na criatura, como asseidade, simplicidade, imensidade, etc.; os últimos, aqueles com os quais as propriedades do espírito humano têm alguma analogia, como poder, bondade, misericórdia, retidão, etc. esta distinção não achou nenhum favor da parte dos luteranos, mas sempre foi popular nos círculos calvinistas, e se encontra em obras representativas como as dos professores de Leyden, Mastricht e Turretino. Todavia, desde o princípio percebeu-se que a distinção é insustentável, se não houver ressalva, visto que, de certo ponto de vista, todos os atributos podem ser denominados comunicáveis. Nenhuma das perfeições divinas é comunicável, na infinita perfeição em que estas existem em Deus e, ao mesmo tempo, há no homem tênues vestígios até mesmo dos chamados atributos incomunicáveis de Deus. Entre os teólogos reformados mais recentes há uma tendência para descartar-se desta distinção em favor de algumas outras divisões. Dick, Shedd e Vos mantém a velha divisão. Kuyper se expressa como estando insatisfeito com ela e, apesar disso, a reproduz em sua proposta, virtutes per antithesin e virtutes per synthesin: e bavinck, depois de seguir outra ordem na primeira edição da sua Dogmática, retorna a ela na Segunda edição. E, finalmente, os Hodge, H.B. Smith e Thornwell seguem uma divisão sugerida pelo Catecismo de Westminster (presbiteriano). Contudo, a classificação dos atributos em duas classes principais, como se vê na distinção que estamos considerando, é o fato inerente a todas as outras divisões, de modo que todas estão sujeitas à objeção de que evidentemente dividem o Ser de Deus em duas partes, que primeiro discute Deus como um Ser pessoal. Pode-se dizer que essa forma de tratamento não resulta numa concepção unitária e harmoniosa dos atributos divinos. Todavia, esta dificuldade pode ser aplainada se se estender claramente que as duas classes de atributos mencionadas não são estritamente coordenadas, mas que os atributos pertencentes à primeira classe qualificam os pertencentes à Segunda, de sorte que se pode dizer que Deus é único, absoluto, imutável e infinito em Seu conhecimento e sabedoria, em Sua bondade e amor, em Sua graça e misericórdia, em Sua justiça e santidade. Tendo isto em mente, e também lembrando que nenhum dos atributos de Deus é incomunicável no sentido de que eles estão no homem como estão em Deus, não vemos razão por que nos afastar da velha divisão que se tornou tão familiar na teologia reformada. Por razões práticas, parece mais desejável conservá-la. QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Quais as objeções ao emprego do termo atributos quando aplicado a Deus? 2. As mesmas objeções se aplicam ao termo alemão “Eigenschaften” e ao holandês “eigenschappen”? 3. Que nome usa Calvino para eles? 4. Qual a objeção à concepção dos atributos como partes de Deus ou como acréscimos ao Ser Divino? 5. Que defeituosas concepções dos atributos eram comuns na Idade Média? 6. Em sua pesquisa dos atributos, os escolásticos seguiam um método a priori ou a posteriori, dedutivo ou indutivo? 7. Por que o seu método é inerentemente alheio à teologia da revelação? 8.Que classificações dos atributos foram sugeridas, além das mencionadas no texto? 9. Por que está virtualmente fora de questão dar uma divisão sem defeitos? 10. Que divisão é sugerida pelo Catecismo de Westminster? BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. II, p.100-123; Kuyper, Dict. Dogm., de Deo I, p.268-287; Honig, Geref. Dogm., p.182-185; Hodge, Syst. Theol. I, p. 368-376; Shedd, Dogm. Theol. I, p. 334-338; Thornwell, Collected Works, I, p.158-172; Dabney, Lectures on Theol., p.147-151; Pieper, Christl. Dogm. I, p. 524-536; Kaftan, Dogm., 168-181; Pope, Chr. Theol, I, p.287-291; Steenstra, The Being of God as Unity and Trinity, p. 89-111. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 49)