quinta-feira, 24 de outubro de 2013

AS OBRAS DE DEUS

Os decretos Divinos em Geral A. A Doutrina dos Decretos na Teologia. A teologia reformada, calvinista, dá ênfase à soberania de Deus, em virtude da qual Ele determinou soberanamente, desde toda a eternidade, tudo quanto há de suceder, e executa a Sua soberana vontade em Sua criação toda, natural e espiritual, de conformidade com o Seu plano predeterminado. Isso está em plena harmonia com Paulo, quando ele diz que Deus “faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). Por essa razão. É simplesmente natural que, ao passar da discussão do Ser de Deus para a das obras de Deus, deve-se começar com um estudo dos decretos divinos. Este é o único método teológico apropriado. Uma discussão teológica das obras de Deus deve ter seu ponto de partida em Deus, tanto na obra de criação como na de redenção ou de recriação. É somente como provenientes de Deus e com Ele relacionadas que as obras de Deus são submetidas a consideração como parte da teologia. A despeito deste fato, porém, a teologia reformada fica praticamente sozinha em sua ênfase à doutrina dos decretos. A teologia luterana é menos teológica e mais antropológica. Incoerentemente, ela toma seu ponto de partida em Deus e considera todas as coisas como divinamente predeterminadas, mas revela uma tendência para considerar as coisas de baixo para cima, e não de cima para baixo. E se até este ponto ela crê na predeterminação, inclina-se a limita-la ao bem que há no mundo, e mais particularmente às bênçãos da salvação. É um fato notável que muitos teólogos luteranos permanecem silenciosos, ou quase silenciosos, a respeito da doutrina dos decretos de Deus em geral e discutem somente a doutrina da predestinação, e consideram esta como condicional, e não absoluta. Na doutrina da predestinação, a teologia luterana mostra forte afinidade com o arminianismo. Krauth (influente líder da Igreja Luterana em nosso país) chega a dizer: “as opiniões pessoais de Armínio, quanto aos cinco pontos, formaram-se sob influências luteranas, e não diferem essencialmente das da Igreja Luterana: mas em muitos pontos do sistema que se desenvolveu e agora é conhecido como arminianismo, a Igreja Luterana não tem nenhuma afinidade com ele, e nesses pontos teria muito maior simpatia pelo calvinismo, embora da doutrina da predestinação absoluta. A “Fórmula da Concórdia”toca nos cinco pontos quase que unicamente nas suas facetas, e com base nestas apresta-se contra o calvinismo, mais pela negação das inferências que resultam logicamente deste sistema, que pela expressa condenação da sua teoria fundamental em sua forma abstrata”. Na medida em que os teólogos luteranos incluem a doutrina da predestinação em seu sistema, geralmente a consideram em conexão com a soteriologia. Naturalmente a teologia arminiana não coloca no primeiro plano a doutrina dos decretos. A dos decretos em geral é usualmente conspícua por sua ausência. Pope apresenta só de passagem a doutrina da predestinação, e Miley a introduz como um ponto para debate. Raymond a discute somente na doutrina da eleição, e Watson dedica a esta, considerável espaço, ao tratar da expiação. Todos eles rejeitam a doutrina da predestinação absoluta, e a substituem por alguma forma de predestinação condicional. A teologia do liberalismo moderno não se interessa pela doutrina da predestinação, visto que é fundamentalmente antropológica. Na “teologia da crise” ela volta a ser reconhecida, mas numa forma que não é escriturística, nem histórica. A despeito de recorre aos Reformadores, afasta-se largamente da doutrina da predestinação ensinada por Lutero e Calvino. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 93)

Os decretos Divinos em Geral

A Doutrina dos Decretos na Teologia. A teologia reformada, calvinista, dá ênfase à soberania de Deus, em virtude da qual Ele determinou soberanamente, desde toda a eternidade, tudo quanto há de suceder, e executa a Sua soberana vontade em Sua criação toda, natural e espiritual, de conformidade com o Seu plano predeterminado. Isso está em plena harmonia com Paulo, quando ele diz que Deus “faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). Por essa razão. É simplesmente natural que, ao passar da discussão do Ser de Deus para a das obras de Deus, deve-se começar com um estudo dos decretos divinos. Este é o único método teológico apropriado. Uma discussão teológica das obras de Deus deve ter seu ponto de partida em Deus, tanto na obra de criação como na de redenção ou de recriação. É somente como provenientes de Deus e com Ele relacionadas que as obras de Deus são submetidas a consideração como parte da teologia. A despeito deste fato, porém, a teologia reformada fica praticamente sozinha em sua ênfase à doutrina dos decretos. A teologia luterana é menos teológica e mais antropológica. Incoerentemente, ela toma seu ponto de partida em Deus e considera todas as coisas como divinamente predeterminadas, mas revela uma tendência para considerar as coisas de baixo para cima, e não de cima para baixo. E se até este ponto ela crê na predeterminação, inclina-se a limita-la ao bem que há no mundo, e mais particularmente às bênçãos da salvação. É um fato notável que muitos teólogos luteranos permanecem silenciosos, ou quase silenciosos, a respeito da doutrina dos decretos de Deus em geral e discutem somente a doutrina da predestinação, e consideram esta como condicional, e não absoluta. Na doutrina da predestinação, a teologia luterana mostra forte afinidade com o arminianismo. Krauth (influente líder da Igreja Luterana em nosso país) chega a dizer: “as opiniões pessoais de Armínio, quanto aos cinco pontos, formaram-se sob influências luteranas, e não diferem essencialmente das da Igreja Luterana: mas em muitos pontos do sistema que se desenvolveu e agora é conhecido como arminianismo, a Igreja Luterana não tem nenhuma afinidade com ele, e nesses pontos teria muito maior simpatia pelo calvinismo, embora da doutrina da predestinação absoluta. A “Fórmula da Concórdia”toca nos cinco pontos quase que unicamente nas suas facetas, e com base nestas apresta-se contra o calvinismo, mais pela negação das inferências que resultam logicamente deste sistema, que pela expressa condenação da sua teoria fundamental em sua forma abstrata”. Na medida em que os teólogos luteranos incluem a doutrina da predestinação em seu sistema, geralmente a consideram em conexão com a soteriologia. Naturalmente a teologia arminiana não coloca no primeiro plano a doutrina dos decretos. A dos decretos em geral é usualmente conspícua por sua ausência. Pope apresenta só de passagem a doutrina da predestinação, e Miley a introduz como um ponto para debate. Raymond a discute somente na doutrina da eleição, e Watson dedica a esta, considerável espaço, ao tratar da expiação. Todos eles rejeitam a doutrina da predestinação absoluta, e a substituem por alguma forma de predestinação condicional. A teologia do liberalismo moderno não se interessa pela doutrina da predestinação, visto que é fundamentalmente antropológica. Na “teologia da crise” ela volta a ser reconhecida, mas numa forma que não é escriturística, nem histórica. A despeito de recorre aos Reformadores, afasta-se largamente da doutrina da predestinação ensinada por Lutero e Calvino. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 93)

Nomes Bíblicos para os Decretos Divinos

Das obras puramente divinas de Deus (opera ad intra) devemos distinguir as que redundam diretamente nas criaturas (opera ad extra). Para evitarem mal-entendidos, alguns teólogos preferem falar em opera immanentia e opera exeuntia, e subdividem a primeira categoria em duas classes, opera immanentia per se, que são as opera personalia (geração, filiação, espiração), e as opera immanentia donec exeunt, que são as opera essentialia, isto é, as obras do Deus triúno, em distinção das obras de qualquer das pessoas da Divindade, mas imanentes em Deus até se concretizarem nas obras da criação, da providencia e da redenção. Os decretos divinos constituem esta classe de obras divinas. Não são descritas abstratamente na Escritura, mas são colocadas diante de nós em sua concretização histórica. A Escritura emprega diversos termos para o eterno decreto de Deus. 1. TERMOS DO VELHO TESTAMENTO. Há alguns termos que acentuam o elemento intelectual do decreto, como ’etsah, de ’ya’ats, aconselhar, dar aviso, Jó 38.2; Is 14.26; 46.11; sod, de yasad, sentar-se junto para deliberação (nifal), Jr 23.18, 22; e mezimmah, de zamam, meditar, ter em mente, propor-se a, Jr 4.28; 51.12; Pv 30.32. Além destes, há termos que salientam o elemento volitivo, como chaphets, inclinação, vontade, beneplácito, Is 53.10; e ratson, agradar, deleitar-se, e, assim, denotar deleite, beneplácito, ou vontade soberana, Sl 51.19; Is 49.8. 2. TERMOS DO NOVO TESTAMENTO. O Novo Testamento também contem certo número de vocábulos significativos. A palavra mais geral é boule, que designa o decreto em geral, indicando também o fato de que o propósito de Deus se baseia num conselho e deliberação, At 2.23; 4.28; Hb 6.17. Outra palavra um tanto geral é thelema que, quando aplicada ao conselho de Deus, dá ênfase ao elemento volitivo, e não ao elemento deliberativo, Ef 1.11. O vocábulo eudokia acentua mais particularmente a liberdade do propósito de Deus, e o prazer de que vem acompanhada, embora nem sempre esta idéia esteja presente, Mt 11.26; Lc 2.14; Ef 1.5, 9. Outras palavras são empregadas mais especificamente para designar aquela parte do decreto divino que pertence num sentido muito especial às criaturas morais de Deus, e é conhecida como predestinação. Estes termos serão considerados em conexão com a discussão desse assunto. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 94)

A Natureza dos Decretos Divinos

Pode-se definir o decreto de Deus, com o Breve Catecismo de Westminster, como “o Seu eterno propósito, segundo o conselho da Sua vontade, pelo qual, para a Sua própria glória, Ele predestinou tudo o que acontece”. 1. O DECRETO DIVINO É SOMENTE UM. Apesar de muitas vezes falarmos dos decretos de Deus no plural, em sua própria natureza o decreto é somente um único ato de Deus. Já o segure o fato de que a Bíblia fala dele como prothesis, um propósito ou conselho. Isto se segue também da natureza mesma de Deus. O Seu conhecimento é de todo imediato e simultâneo, e não sucessivo como o nosso, e a Sua compreensão desse conhecimento é sempre completa. E o decreto que nele se funda é também um ato absolutamente compreensivo e simultâneo. Como decreto eterno e imutável não poderia ser doutro modo. Não existe, pois, uma série de decretos de Deus, mas somente um plano compreensivo, que abrange tudo o que se passa. Contudo, a nossa compreensão limitada força-nos a fazer distinções, e isto explica por que muitas vezes falamos dos decretos de Deus no plural. Esta maneira de falar é perfeitamente legítima, desde que não percamos de vista a unidade do decreto divino, e da inseparável ligação entre os vários decretos como os concebemos. 2. A RELAÇÃO DO DECRETO COM O CONHECIMENTO DE DEUS. O decreto de Deus tem a mais estreita relação com o conhecimento divino.Há em Deus,como vimos, um conhecimento necessário, que inclui todas as causas e resultados possíveis. Este conhecimento fornece o material para o decreto; é a fonte perfeita da qual Deus extraiu os pensamentos que Ele desejava objetivar. Deste conhecimento de todas as coisas possíveis, Ele escolheu, por um ato da Sua vontade perfeita, levado por sábias considerações, o que desejava levar à realização, e assim formulou o Seu propósito eterno. O decreto de Deus é, por sua vez, o fundamento do Seu livre conhecimento, ou scientia libera. É o conhecimento das coisas conforme se realizam no curso da história. Enquanto que o conhecimento necessário de Deus precede logicamente ao decreto, o Seu conhecimento livre segue-se logicamente a ele. Deve-se sustentar isto contra todos os que crêem numa predestinação condicional (como os semipelagianos e os arminianos), desde que eles tornam as predeterminações de Deus dependentes da Sua presciência. Algumas das palavras utilizadas para denotar o decreto divino indicam um elemento de deliberação do propósito de Deus. Seria um erro inferir disto, porém, que o plano de Deus resulta de alguma deliberação que implica falta de perspicácia ou hesitação, pois é simplesmente uma indicação do fato de que não há decreto cego de Deus, mas somente propósito inteligente e deliberado. 3. O DECRETO SE RELACIONA TANTO COM DEUS COMO COM O HOMEM. O decreto se refere primeiramente às obras de Deus. Limita-se, porém, às opera ad extra de Deus, ou a Seus atos transitivos, e não pertence ao Ser essencial de Deus, nem às atividades imanentes dentro do Ser Divino que resultam nas distinções trinitárias. Deus não decretou ser santo e justo, nem existir como três pessoas numa essência, nem gerar o Filho. Estas coisas são como são necessariamente, e não dependem da vontade optativa de Deus. Aquilo que é essencial ao Ser interno de Deus não pode fazer parte do conteúdo do decreto. Este inclui somente as opera ad extra ou exeuntia. Mas, conquanto o decreto pertença primariamente aos atos realizados pessoalmente por Deus, não se limita a estes, mas abrange também as ações das Suas criaturas livres. E o fato de estarem incluídas no decreto as torna absolutamente certas, conquanto não sejam efetuadas todas da mesma maneira. No caso de algumas coisas, Deus decidiu, não meramente que viessem a acontecer, mas que Ele as faria acontecer, quer imediatamente, como na obra da criação, quer por intermédio de causas secundárias, continuadamente vitalizadas e fortalecidas pelo Seu poder. Ele mesmo assume a responsabilidade da realização delas. Há, porém, outras coisas que Deus inclui no Seu decreto e pelo qual tornou certas, mas que não decidiu efetuar pessoalmente, como os atos pecaminosos das Suas criaturas racionais. O decreto, no que se refere a estes atos, é geralmente denominado decreto permissivo. Este nome não implica que a futurição destes atos não é certa para Deus, mas simplesmente que Ele permite que aconteçam pela livre ação das Suas criaturas racionais. Deus não assume a responsabilidade por estes atos, sejam quais forem. 4. O DECRETO PARA AGIR NÃO É O ATO PROPRIAMENTE DITO. Os decretos são uma manifestação e um exercício internos dos atributos divinos que se tornam certa a futurição das coisas, mas não se deve confundir este exercício da inteligente volição de Deus com a realização dos seus objetivos na criação, na providência e na redenção. O decreto para criar não é a criação mesma, nem o decreto para justificar é a justificação propriamente dita. Deve-se fazer uma distinção entre o decreto e a sua execução. Ordenar Deus de tal modo o universo, que o homem seguirá certo curso de ação, também,é uma coisa bem diferente de ordenar-lhe Ele que aja desse modo. Os decretos não são dirigidos ao homem, e não são da natureza de uma lei estatutária; tampouco impõem compulsão ou obrigação às vontades dos homens. (Louis Berkhof – Teologia Sistemática. Pg. 95)

As Características do Decreto Divino

1. TEM SEU FUNDAMENTO NA SABEDORIA DIVINA. A palavra “conselho”, um dos termos com os quais é designado o decreto, sugere cuidadosa consulta e deliberação. Pode conter a sugestão de uma intercomunhão entre as três pessoas da Divindade. Falando da revelação que Deus fez do mistério anteriormente oculto nele, Paulo declara que foi assim “para que, pela igreja,a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida agora dos principados e potestades nos lugares celestiais, segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus nosso Senhor”, Ef 3.10, 11. Também se depreende a sabedoria do decreto da sabedoria demonstrada na realização do propósito eterno de Deus. O poeta canta no Sl 104.24, “Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste”. A mesma idéia é expressa em Pv 3.19, “O Senhor com sabedoria fundou a terra, com inteligência estabeleceu os céus”. Cf. também Jr 10.12; 51.15. A sabedoria do conselho do Senhor também pode ser inferida do fato de que ele dura para sempre, Sl 33.11; Pv. 19.21. No decreto pode haver muita coisa que ultrapasse o entendimento e que seja inexplicável para a mente finita, mas não contem nada que seja irracional ou arbitrário. Deus compôs a Sua determinação com sábio discernimento e conhecimento. 2. É ETERNO. O decreto divino é eterno no sentido de que esta internamente na eternidade. Num certo sentido, pode-se dizer que todos os atos de Deus são eternos, desde que não há sucessão de momentos no Ser divino. Mas alguns deles terminam no tempo, como, por exemplo, a criação e a justificação. Daí, não podemos chamar-lhes atos eternos de Deus, mas, sim, temporais. Contudo, embora o decreto se relacione com coisas externas a Deus, continua sendo em si mesmo um ato dentro do ser Divino e portanto, é eterno no sentido mais estrito da palavra. Daí, ele participa também da simultaneidade e da ausência de sucessão do eterno, At 15.18; Ef 1.4; 2 Tm 1.9. A eternidade do decreto implica também que a ordem em que se acham os diferentes elementos, uns para com os outros, não pode ser considerada temporal, mas somente lógica. Há uma ordem realmente cronológica nos eventos quando efetuados, não porem no decreto concernente a eles. 3. É EFICAZ. Não significa que Deus determinou fazer que acontecessem, por uma direta aplicação do Seu poder, todas as coisas incluídas em Seu decreto, mas somente que aquilo que Ele decretou certamente sucedera; que nada pode frustrar o Seu propósito. Diz o dr. A. A. Hodge: “O decreto providencia em cada caso que o evento será efetuado por causas que agirão de maneira perfeitamente coerente com a natureza do evento em questão. Assim, no caso de todo ato livre de um agente moral, o decreto provê ao mesmo tempo – (a) Que o agente seria um agente livre. (b) Que os seus antecedentes e todos os antecedentes do ato em questão seriam o que são. (c) Que todas as presentes condições do ato seriam o que são. (d) Que o ato seria perfeitamente espontâneo e livre, da parte do agente. (e) Que certamente seria um ato futuro. Sl 33.11; Pv 19.21; Is 46.10”. 4. É IMUTÁVEL. O homem pode alterar, e muitas vezes altera os seus planos, por varias razões. Pode acontecer que, ao fazer o seu plano, lhe tenha faltado seriedade quanto ao propósito, que não tenha realizado plenamente o que o plano envolvia, ou que lhe tenha faltado poder para levá-lo a cabo. Mas em Deus coisa nenhuma desse tipo é concebível. Ele não tem deficiência em conhecimento, veracidade e poder. Portanto, não tem necessidade de mudar o Seu decreto devido a algum engano ou à ignorância, nem por falta de capacidade de executa-lo. E não o mudará, porque Ele é o Deus imutável e porque é fiel e verdadeiro. Jó 23.13, 14; Sl 33.11; Is 46.10; Lc 22.22; At 2.23. 5. É INCONDICIONAL OU ABSOLUTO. Quer dizer que o decreto não depende, em nenhuma das suas particularidades, de nada que não esteja nele. A execução do plano pode exigir meios ou depender de certas condições, mas, nesse caso, estes meios ou condições também foram determinados no decreto. Deus não decretou simplesmente salvar os pecadores sem determinar os meios para efetuar o decreto. Os meios conducentes ao fim predeterminado também foram decretados, At 2.23; Ef 2.8; 1 Pe 1.2. O caráter absoluto do decreto segue-se da sua eternidade, sua imutabilidade e sua exclusiva dependência do beneplácito de Deus. Isto é negado por todos os semipelagianos e arminianos. 6. É UNIVERSAL OU TOTALMENTE ABRANGENTE. O decreto inclui tudo que se passa no mundo, quer na esfera do físico ou na do moral, quer seja bom ou mau, Ef 1.11. Ele inclui: (a) as boas ações dos homens, Ef 2.10; (b) seus atos iníquos, Pv 16.4; At 2.23; 4.27, 28; (c) eventos contingentes, Gn 45.8; 50.20; Pv 16.33; (d) os meios bem como o respectivo fim, Sl 119.89-91; 2 Ts 2.13; Ef 1.4; (e) a duração da vida do homem. Jó 14.5; Sl 39.4, e o lugar da sua habitação, At 17.26. 7. COM REFERÊNCIA AO PECADO, O DECRETO É PERMISSIVO. É costume dizer que o decreto de Deus, no respeitante ao mal moral, é permissivo. Por Seu decreto, Deus tornou as ações pecaminosas do homem infalivelmente certas de acontecerem, sem decidir efetuá-las agindo imediatamente sobre a vontade finita e nela. Quer dizer que Deus não opera positivamente no homem “tanto o querer como o realizar”, quando o homem vai contra a Sua vontade revelada. Deve-se observar cuidadosamente, porem, que este decreto permissivo não implica uma permissão passiva de algo que não está sob o controle da vontade divina. É um decreto que garante com absoluta certeza a realização do ato pecaminoso futuro, em que Deus determina (a) não impedir a autodeterminação pecaminosa da vontade finita; e (b) regular e controlar o resultado dessa autodeterminação pecaminosa. Sl 78.29; 106.15; At 14.16; 17.30. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 97)

Objeções à Doutrina dos Decretos

Como foi dito acima, somente a teologia reformada (calvinista) faz plena justiça à doutrina dos decretos. Em regra, os teólogos luteranos não a elaboram teologicamente, mas, sim, soteriologicamente, com o propósito de mostrar como os crentes podem auferir consolação dela. Os pelagianos e os socinianos a rejeitam, alegando que é antibíblica; os semipelagianos e os arminianos não mostram para com ela quase nenhum favor: uns a ignoram totalmente; outros a expõem somente para combatê-la; e ainda outros defendem apenas um decreto condicionado pela presciência de Deus. As objeções levantadas são, no essencial, sempre as mesmas. 1. É INCOERENTE COM A LIBERDADE MORAL DO HOMEM. O homem é um agente livre, com capacidade de autodeterminação racional. Ele pode refletir sobre uma inteligente escolha de certos fins, e também pode determinar sua ação com respeito a eles. Contudo, o decreto leva necessidade consigo. Deus decretou realizar todas as coisas, ou, se não as decretou, ao menos determinou que isso viesse a acontecer. Ele decidiu qual o curso da vida do homem por meio disso. Em resposta a esta objeção, pode-se dizer que a Bíblia certamente não parte da suposição de que o decreto divino é incoerente com a livre ação de homem. Ela revela claramente que Deus decretou os atos livres do homem, mas também que os seus fatores não são menos livres e, portanto, responsáveis por seus atos, Gn 50.19, 20; At 2.23; 4.27, 28. Foi determinado que os judeus levassem a efeito a crucificação de Jesus; todavia, foram perfeitamente livres em seu procedimento, e foram responsabilizados por este crime. Não há nem uma só indicação na Escritura de que os escritores vêem alguma contradição quanto a esses pontos. Eles jamais procuram harmonizar ambos. Isto bem poderia levar-nos a conter-nos, não supondo uma contradição aqui, mesmo que não consigamos conciliar as duas verdades. Além disso, deve-se em mente que Deus não decretou realizar por Sua ação pessoal e direta o que quer que venha a acontecer. O decreto divino só dá certeza aos eventos, mas não implica que Deus os realizará ativamente, de modo que a questão se reduz a isto: se a certeza prévia se coaduna com a livre ação. Ora, a experiência nos ensina que podemos estar razoavelmente certos quanto ao curso de ação que alguém que conhecemos seguira, sem infringir em nada a sua liberdade. O profeta Jeremias predisse que os caldeus tomariam Jerusalém. Para ele, o evento por vir era uma certeza e, contudo, os caldeus seguiram livremente os seus desejos ao cumprirem a predição. Essa certeza é, na verdade, incoerente com a liberdade da indiferença, no conceito pelagiano, segundo o qual a vontade do homem não é determinada de modo algum, mas é inteiramente indeterminada, de sorte que, em cada volição, ela pode decidir, não somente face a toda indução externa, mas também a todos os desejos, inclinações, julgamentos e considerações internos, e mesmo a todo o caráter e estado interior do homem. Mas agora se reconhece em geral que tal liberdade da vontade é uma ficção psicológica. Todavia, o decreto não é necessariamente incoerente com a liberdade humana no sentido de autodeterminação racional, segundo a qual o homem age livremente em harmonia com os seus pensamentos e julgamentos anteriores, suas inclinações e desejos, e com todo o seu caráter. Esta liberdade também tem suas leis, e quanto mais familiarizados estivermos com elas, mais seguros poderemos estar do que um agente livre fará em certas circunstâncias. Foi Deus que estabeleceu essas leis. Naturalmente, devemos precaver-nos contra todo determinismo - materialista, panteísta e racionalista – em nossa concepção da liberdade no sentido de autodeterminação racional. O decreto não é mais incoerente com a livre ação que a presciência e, contudo, os seus oponentes, que geralmente são dos tipos semipelagiano e arminiano, professam a fé na presciência divina. Por Sua presciência Deus conhece desde toda a eternidade a futurição certa de todos os eventos. Ela está baseada em Sua predeterminação, pela qual Deus determinou a certeza futura deles. Naturalmente, o arminiano dirá que não acredita numa presciência baseada num decreto que torna certas todas as coisas, mas numa presciência de fatos e eventos contingentes, que dependem do livre arbítrio do homem e, portanto, são indeterminados. Pois bem, tal presciência das livres ações do homem é possível, se o homem, mesmo com a sua liberdade, age em harmonia com as leis divinamente estabelecidas, o que de novo introduz o elemento de certeza; mas, ao que parece, é impossível conhecer antecipadamente eventos que dependem por completo da decisão casual de uma vontade alheia a principio que podem em qualquer ocasião, independentemente do estado de espírito, das condições existentes, e dos motivos que se apresentam à mente, seguir diferentes direções. Eventos dessa natureza só podem ser conhecidos previamente como puras possibilidades. 2. O DECRETO ELIMINA TODOS OS MOTIVOS PARA ESFORÇO. Esta objeção tem que ver com aquelas pessoas que dizem com naturalidade que, se todas as coisas têm que acontecer como Deus as determinou, elas não necessitam preocupar-se com o futuro e não precisam fazer nenhum esforço para obter a salvação. Mas isso não está certo. No caso das pessoas que falam desse modo, geralmente a coisa não passa de mera desculpa para indolência e desobediência. Os decretos divinos não são dirigidos aos homens como uma regra de ação, e não podem constituir uma regra assim, visto que o conteúdo deles só se torna conhecido pela sua concretização, e depois desta. Há, porem, uma regra de ação incorporada na Lei e no Evangelho, e essa regra dá aos homens a obrigação de empregar os meios que Deus ordenou. Esta objeção também ignora a relação lógica, determinada pelo decreto de Deus, entre os meios e o fim a ser obtido. O decreto inclui não somente os diversos fatos da vida humana, mas também as livres ações humanas, logicamente anteriores aos resultados e destinadas a produzi-los. Era absolutamente certo que os que estavam no navio com Paulo (At 27) seriam salvos,mas era igualmente certo que, para assegurar este fim, os marinheiros tinham que permanecer a bordo. E desde que o decreto estabeleceu uma interrelação entre os meios e os fins, os fins são decretados somente como resultados dos meios, o decreto incentiva esforço, em vez de desestimula-lo. A firme crença no fato de que, segundo o decreto divino, o sucesso será a recompensa do labor, estimula esforços corajosos e perseverantes. Com base direta no decreto, a Escritura nos concita a utilizar diligentemente os meios designados, Fp 2.13; Ef 2.10. 3. O DECRETO FAZ DE DEUS O AUTOR DO PECADO. Esta, se fosse verdadeira, seria naturalmente uma objeção insuperável, pois Deus não pode ser o autor do pecado. Isto se infere igualmente na Escritura, Sl 92.15; Ec 7.29; Tg 1.13; 1 Jo 1.5, da lei de Deus que proíbe todo pecado, e da santidade de Deus. Mas a acusação não é verdadeira; o decreto simplesmente faz de Deus o Autor de seres morais livres, eles próprios os autores do pecado. Deus decreta sustentar a livre agencia deles, regular as circunstâncias da sua vida, e permitir que a livre agencia seja exercida numa multidão de atos, dos quais alguns são pecaminosos. Por boas e santas razões, Ele dá certeza ao acontecimento desses atos, mas não decreta acionar efetivamente esses maus desejos ou más escolhas no homem. O decreto concernente ao pecado não é um decreto efetivo mas permissivo, ou seja, um decreto para permitir o pecado, em distinção de um decreto para produzir o pecado sendo Deus a sua causa eficiente. Não há dificuldade ligada ao decreto que não se ligue a uma simples permissão passiva daquilo que Ele poderia muito bem impedir, como os arminianos, que geralmente levantam essa objeção, supõem. O problema da relação de Deus com o pecado continua sendo um mistério para nos, mistério que não somos capazes de resolver. Pode-se dizer, porem, que o Seu decreto para permitir o pecado, embora as segure a entrada do pecado no mundo, não significa que Ele tem prazer nele; significa somente que Ele considerou sábio, com o propósito da Sua auto-revelação, permitir o mal moral, por mais detestável que seja à Sua natureza. (Teologia Sistemática - Louis Berkhof. Pg. 100)

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Predestinação

Passando da discussão do decreto divino à da predestinação, continuamos tratando do mesmo assunto, mas passando do geral para o particular. A Palavra “predestinação” nem sempre é utilizada no mesmo sentido. Às vezes é empregada simplesmente como sinônimo respeite a todas as Suas criaturas morais. Mais freqüentemente, porem, denota “o conselho de Deus concernente aos homens decaídos, incluindo a eleição soberana de uns e a justa reprovação dos restantes”. Na presente discussão, o termo é utilizado primariamente no ultimo sentido acima, embora sem excluir totalmente o segundo sentido. A. A Doutrina da Predestinação na História. A predestinação não constituiu um importante assunto de discussão na história até o tempo de Agostinho. Os primeiros pais da igreja, assim chamados, aludem a ela, mas em termos que fazem pensar que não tinham ainda uma clara concepção do assunto. Em geral a consideravam como a presciência de Deus com referencia aos atos humanos, baseado na qual Ele determina o seu destino futuro. Daí, foi possível a Pelágio recorrer a alguns daqueles primeiros pais. “Segundo Pelágio”,diz Wiggers, “a predeterminação da salvação ou condenação, funda-se na presciência. Conseqüentemente, ele não admitia uma ‘predestinação absoluta’, mas, em todos os aspectos, uma ‘predestinação condicional’.” A princípio, o próprio Agostinho estava inclinado a esta maneira de ver, mas uma profunda reflexão sobre o caráter soberano do beneplácito de Deus levou-o a ver que a predestinação não dependia de modo algum da presciência divina das ações humanas, mas, antes, era a base da presciência de Deus. A sua apresentação da reprovação não é tão livre de ambigüidade como devia. Algumas das suas declarações fazem supor que na predestinação Deus conhece previamente o que Ele mesmo fará, conquanto também possa pré-conhecer o que Ele não fará – como no caso de todos os pecados; e fala dos eleitos como objetos da predestinação, e dos reprovados como objetos da presciência divina. Contudo, noutras passagens, ele fala também dos reprovados da predestinação, de sorte que não pode haver duvidas de que ele ensinava a dupla predestinação. Entretanto, ele reconhecia a diferença que existe entre ambas, diferença que consiste em que Deus não predestinou uns para a condenação e os meios para esta do mesmo modo como predestinou outros para a salvação, e em que a predestinação para a vida é um ato puramente soberano, ao passo que a predestinação para a morte eterna é também judicial e leva em conta o pecado do homem. O conceito de Agostinho encontrou muita oposição, particularmente na França, onde os semipelagianos, embora admitindo a necessidade da graça divina para a salvação, reafirmavam a doutrina de uma predestinação baseada na presciência. E os que se incumbiam da defesa de Agostinho sentiam-se constrangidos a ceder nalguns pontos importantes. Não faziam justiça à doutrina da dupla predestinação. Somente Gottschalk e alguns dos seus amigos a sustentavam, mas a sua voz foi logo silenciada, e o semipelagianismo passou a dominar, pelo menos entre os lideres da igreja. Nos fins da Idade Media, ficou bem evidente que a Igreja Católica Romana admitiria ampla latitude quanto à doutrina da predestinação. Conquanto os seus mestres sustentassem que Deus queria a salvação de todos os homens, e não apenas dos eleitos, podiam igualmente, com Tomaz de Aquino, mover-se na direção do agostinianismo, quanto à predestinação, ou, com Molina, seguir o curso do semipelagianismo, como melhor lhes parecesse. Significa que, mesmo no caso daqueles que, como Tomaz de Aquino, criam na dupla e absoluta predestinação, esta doutrina não podia ser desenvolvida coerentemente e não podia ser posta como fator determinativo do restante da sua teologia. Todos os reformadores do século dezesseis defenderam a mais estrita doutrina da predestinação. Esta afirmação é verdadeira mesmo quanto a Melanchton, em seu período inicial. Lutero aceitava a doutrina da predestinação, se bem que a convicção de que Deus queria que todos os homens fossem salvos o levou a enfraquecer um tanto a doutrina da predestinação nos últimos tempos da sua existência. Ela foi desaparecendo gradativamente da teologia luterana, que agora a considera, total ou parcialmente (reprovação), como condicional. Calvino sustentou firmemente a doutrina agostiniana da predestinação dupla e absoluta. Ao mesmo tempo, em sua defesa da doutrina contra Pighius, deu ênfase ao fato de que o decreto concernente à entrada do pecado no mundo foi um decreto permissivo, e que o decreto de reprovação deve ter sido elaborado de maneira que Deus não fosse o autor do pecado, nem responsável por este, de modo nenhum. As confissões reformadas (calvinistas) são notavelmente coesas na incorporação desta doutrina, conquanto não a apresentem todas com igual plenitude e precisão. Em conseqüência da investida arminiana contra a doutrina, os Cânones de Dort contem uma minuciosa exposição dela. Nas igrejas do tipo arminiano, a doutrina da predestinação foi suplantada pela doutrina da predestinação condicional. A partir da época de Schleiermacher, a doutrina da predestinação recebeu formação inteiramente diversa. A religião foi considerada como um sentimento de dependência absoluta, um Hinneigung zum Weltall, uma consciência de completa dependência da causalidade própria da ordem natural, com suas leis invariáveis e suas causas secundárias, que predetermina todas as resoluções e ações humanas. E a predestinação foi identificada com esta predeterminação feita pela natureza ou pela conexão causal universal que há no mundo. Não há severidade exagerada na fulminante acusação feita por Otto a esse conceito: “Não pode haver um produto mais espúrio da especulação teológica do que este, nem uma falsificação mais fundamental das concepções religiosas do que esta; e certamente não é contra esse modo de ver que o racionalista se sente em antagonismo, pois ele próprio é uma peça de sólido racionalismo, mas constitui, ao mesmo tempo, um completo abandono da verdadeira idéia religiosa de ‘predestinação’.” Na teologia modernista, a doutrina da predestinação não encontra apoio real. Ou é rejeitada ou sofre tal mudança que fica irreconhecível. G. B. Foster a rotula de determinismo; Macintosh a apresenta como uma predestinação de todos os homens a se conformarem à imagem de Jesus Cristo; e outros a reduzem a uma predestinação a certos ofícios ou privilégios.* Em nossos dias, Barth voltou a dirigir a atenção à doutrina da predestinação, mas sua elaboração dela nem de longe se relaciona com a de Agostinho e Calvino. Com os reformadores ele sustenta que esta doutrina acentua a soberana liberdade de Deus em Sua eleição, revelação, vocação, e assim por diante. Ao mesmo tempo, não vê na predestinação uma predeterminada separação feita entre os homens, e não entende a eleição como uma eleição particular, como a entendia Calvino. Dá prova disso o que ele diz na página 332 da sua Roemerbrief. Daí dizer Camfield, em seu Essay in Barthian Theology (Ensaio Sobre a Teologia Bartiana), intitulado: Revelation and the Holy Spirit (A Revelação e o Espírito Santo): “É preciso salientar que a predestinação não significa a seleção de certo número de pessoas par a salvação e das restantes para a condenação, segundo a determinação de uma vontade desconhecida e incognoscível. Essa idéia não pertence à predestinação própria mente dita”. A predestinação leva o homem a uma crise, no momento da revelação e da decisão. Ela o condena na relação em que, por natureza, ele se acha com Deus, como pecador, e nessa relação o rejeita, mas o escolhe na relação à qual ele é chamado em Cristo, e para a qual ele foi destinado na criação. Se o homem reage positivamente à revelação de Deus, pela fé, ele é o que Deus tencionava que fosse: um eleito; mas se reage negativamente, continua sendo um reprovado. Mas, desde que o homem está sempre em crise, o perdão incondicional e a rejeição completa continuam a aplicar-se simultaneamente a cada um. Esaú pode tornar-se Jacó, mas Jacó pode tornar a ser Esaú. Diz McConnachie: “para Barth e, como ele acredita, para Paulo, o indivíduo não é objeto de eleição ou reprovação, mas é, antes, a arena da eleição ou da reprovação. As duas decisões encontram-se dentro do mesmo indivíduo, mas, de modo tal que, visto do lado humano, o homem é sempre reprovado, mas, visto do lado divino, é sempre eleito… A base da eleição é a fé. A base da reprovação é a falta de fé. Mas, quem Crê? E quem não crê? A fé e a descrença estão fundadas em Deus. Estamos às portas do mistério”. (Teologia Sistemática de Louis Berkhof. 103)

Termos Bíblicos para a Predestinação

Os seguintes termos serão considerados aqui: 1. A PALAVRA HEBRAICA yada’ E AS PALAVRAS GREGAS ginoskein, proginoskein, e prognosis. A palavra yada’ pode significar simplesmente “conhecer” ou “tomar conhecimento” de alguém ou de alguma coisa, mas também pode ser empregada no sentido mais denso de “tomar conhecimento de alguém com amoroso cuidado”, ou “fazer de alguém objeto de amoroso cuidado ou de amor eletivo”. Neste sentido se presta para expressar a idéia de eleição, Gn 18.19; Am 3.2; Os 13.5. O sentido das palavras proginoskein e prognosis no Novo Testamento não é determinado pelo uso que delas é feito no grego clássico, mas pelo sentido especial de yada’. Elas não indicam simples previsão ou presciência intelectual, a mera obtenção de conhecimento de alguma coisa de antemão, mas, sim, um conhecimento seletivo que toma em consideração alguém favorecendo-o, e o faz objeto de amor, e, assim, aproxima-se da idéia de predeterminação, At 2.23 (comp. 4.28); Rm 8.29; 11.2; 1 Pe 1.2. Estas passagens simplesmente perderão o seu significado, se as palavras forem entendidas apenas no sentido de conhecer alguém antecipadamente, pois nesse sentido Deus conhece previamente todos os homens. Até os arminianos se sentem constrangidos a dar às palavras um sentido mais determinativo, a saber, conhecer previamente alguém com absoluta segurança, num certo estado ou condição. Este conhecimento prévio inclui a certeza absoluta desse estado futuro e, por essa mesma razão, chega bem perto da idéia de predestinação. E não somente as duas palavras acima referidas, mas até mesmo o simples verbo ginoskein tem esse significado específico em alguns casos, 1 Co 8.3; Gl 4.9; 2 Tm 2.19. 2. A PALAVRA HEBRAICA bachar E AS PALAVRAS GREGA Seklegethai e ekloge. A ênfase destas palavras recai no elemento de escolha ou seleção do decreto de Deus concernente ao destino eterno dos pecadores, escolha acompanhada por beneplácito. Elas servem para indicar o fato de que Deus escolhe certo número de membros da raça humana e os coloca numa relação especial Consigo mesmo. Às vezes incluem a idéia de um chamamento para a salvação; mas é um erro pensar, como o fazem alguns, que isto esgota o seu sentido. É mais que evidente que geralmente se referem a uma eleição anterior e eterna, Rm 9.11; 11.5; Ef 1.4; 2 Ts 2.13. 3. AS PALAVRAS GREGAS proorizein e proorismos. Estas palavras sempre se referem à predestinação absoluta. Diversamente das outras, estas exigem complemento. Naturalmente surge a questão: Predeterminados para quê? Estas palavras sempre se referem à predeterminação do homem para certo fim, e pela Bíblia fica evidente que o fim pode ser bom ou mau, At 4.28; Ef 1.5. Contudo, o fim a que se referem não é necessariamente o fim último, mas, e com freqüência, é algum fim dentro do tempo, o qual por sua vez, é um meio para o fim último, At 4.28; Rm 8.29; 1 Co 2.7; Ef 1.5, 11. 4. AS PALAVRAS GREGAS protithenai e prothesis. Nestes vocábulos a atenção é dirigida ao fato de que Deus põe diante de Si um plano definido ao qual se apega firmemente. Referem-se claramente ao propósito de Deus, de predestinar certos homens para a salvação, Rm 8.29; 9.11; Ef 1.9, 11; 2 Tm 1.9. (Teologia Sistemática de Louis Berkhof. Pg. 105)

O Autor e os Objetos da Predestinação

1. O AUTOR. Indubitavelmente, o decreto da predestinação é, em todas as suas parte, um ato concomitante das três pessoas da Trindade, que são uma só em Seu conselho e em Sua vontade. Mas, na economia da salvação, como nos é revelada na Escritura, o ato soberano de predestinação é atribuído mais particularmente ao Pai, Jo 17.6, 9; Rm 8.29; Ef 1.4; 1 Pe 1.2. 2. OS OBJETOS DA PREDESTINAÇÃO. Em distinção do decreto geral de Deus, a predestinação só diz respeito às criaturas racionais de Deus. Mais freqüentemente se refere aos homens decaídos. Todavia, o termo é empregado num sentido mais amplo, e aqui o utilizamos no sentido mais abrangente, para incluir todos os objetos da predestinação. Esta inclui as criaturas racionais, isto é: a. Todos os homens, bons ou maus. Não meramente como grupos, mas como indivíduos, At 4.28; Rm 8.29, 30; 9.11-13; Ef 1.5, 11. b. Os anjos, bons e maus. A Bíblia fala não somente de anjos santos, Mc 8.38; Lc 9.26, e de anjos ímpios, que não conservaram o seu estado original, 2 Pe 2.4; Jd 6; mas também faz explícita menção de anjos eleitos, 1 Tm 5.21, implicando com isso que também há anjos não eleitos.Surge naturalmente a questão: Como podemos conceber a predestinação dos anjos? Para alguns, significa simplesmente que Deus determinou de modo geral que os anjos que permanecessem santos seriam confirmados num estado de bem-aventurança, ao passo que os demais estariam perdidos. Mas isto de modo nenhum se harmoniza com a idéia bíblica de predestinação. Esta na verdade significa que Deus, por razões para Ele suficientes, decretou dar a um certo número de anjos, em acréscimo à graça de que foram dotados pela criação e que incluía grande capacidade para permanecerem santos, a graça especial da perseverança; e privar desta os demais. Há pontos de diferença entre predestinação dos homens e a dos anjos: (1) Enquanto se pode pensar na predestinação dos homens como infralapsária, a dos anjos só pode ser entendida como supralapsária. Deus não escolheu certo número de anjos dentre uma multidão de anjos decaídos. (2) Os anjos não foram eleitos ou predestinados em Cristo como Mediador, mas, sim, como Chefe, isto é, para estarem em relação ministerial (de serviço) com Ele. c. Cristo como Mediador. Cristo foi objeto da predestinação no sentido de que: (1) um amor especial do pai, distinto do Seu usual amor ao Filho, estava sobre Ele, desde toda eternidade, 1 Pe 1.20; 2.4: (2) em Sua qualidade de mediador, Ele era objeto do beneplácito de Deus. 1 Pe 2.4 (3) como Mediador, Ele foi adornado com a imagem especial de Deus, `a qual os crentes devem conformar-se, Rm 8.29; e (4) o Reino, com toda a sua glória, e os meios conducentes `a sua posse, foram ordenados para Ele, para que Ele os passasse aos crentes, Lc 22.29 (Teologia Sistemática de Louis Berkhof. Pg. 106)

As Partes da Predestinação

A predestinação inclui duas partes, a saber, eleição e reprovação, a predeterminação tanto dos bons como dos maus para o seu fim definitivo, e para certos fins próximos, que servem de instrumentos par o cumprimento do seu destino final. 1. ELEIÇÃO a. A idéia bíblica da eleição. A Bíblia fala de eleição em mais de um sentido. Há (1) a eleição de Israel como povo, para privilégios especiais e serviço especial, Dt 4.37; 7.6-8; 10.15; Os 13.5. (2) A eleição de indivíduos para algum ofício, ou para a realização de algum serviço especial, como Moisés Ex 3, os sacerdotes, Dt 18.5, os reis, 1 Sm 10.24; Sl 78.70, os profetas, Jr 1.5, e os apóstolos, Jo 6.70; At 9.15. (3) A eleição de indivíduos para serem filhos de Deus e herdeiros da glória eterna, Mt 22.14; Rm 11.5; 1 Co 1.27, 28; Ef 1.4; 1 Ts 1.4; 1 Pe 1.2; 2 Pe 1.10. Esta última é a eleição aqui considerada como parte da predestinação. Pode-se definir como o ato eterno de Deus pelo qual Ele, em Seu soberano beneplácito, e sem levar em conta nenhum mérito previsto nos homens, escolhe um certo número deles para receberem a graça especial e a salvação eterna. Mais resumidamente, pode-se dizer que a eleição é o propósito de Deus, de salvar certos membros da raça humana, em Jesus Cristo e por meio dele. b. Características da eleição. As características da eleição e as dos decretos em geral são idênticas. O decreto da eleição é: (1) Uma expressão da vontade soberana de Deus, do beneplácito divino. Significa, entre outras coisas, que Cristo como Mediador não é a causa impulsora, motriz ou meritória da eleição, como alguns têm asseverado.Pode-se-lhe chamar causa mediata da concretização da eleição, e causa meritória da salvação para a qual os crentes foram eleitos, mas Ele não é a causa motriz ou meritória da eleição propriamente dita. Isso é impossível, visto que Ele mesmo é objeto da predestinação e eleição, e porque, quando se incumbiu da Sua obra mediatória no Conselho de redenção, já fora fixado o número dos que Lhe foram dados. A eleição precede logicamente ao Conselho de paz. O amor eletivo de Deus precede ao envio do Seu filho, Jo 3.16; Rm 5.8; 2 Tm 1.9; 1 Jo 4.9. Ao dizer-se que o decreto da eleição se origina no beneplácito divino, exclui-se também a idéia de que ela é determinada por alguma coisa existente no homem, como a fé ou as boas obras previstas, Rm 9.11; 2 Tm 1.9. (2) É imutável e, portanto, torna segura e certa a salvação dos eleitos. Deus executa o decreto da eleição coma sua própria eficiência, pela obra salvadora que realiza em Jesus Cristo. É Seu propósito que certos indivíduos creiam e perseverem até o fim, e Ele assegura este resultado pela obra objetiva de Cristo e pelas operações subjetivas do Espírito Santo, Rm 8.29, 30; 11.29; 2 Tm 2.19. É o firme fundamento de Deus que permanece, “tendo este selo: o Senhor conhece os que lhe pertencem”. E, como tal, é fonte de abundante consolação para os crentes. Sua salvação não depende da sua obediência incerta, mas tem a garantia do propósito imutável de Deus. (3) É eterna, isto é, desde toda a eternidade. Esta eleição divina jamais deve ser identificada com alguma seleção temporal, seja para o gozo da graça especial de Deus nesta vida, seja para privilégios especiais e serviços de responsabilidade, seja para a herança da glória por vir, mas, antes, deve ser considerada eterna, Rm 8.29, 30; Ef 1.4, 5. (4) É incondicional. A eleição não depende de modo algum da fé ou das boas obras humanas previstas, como ensinam os arminianos, mas exclusivamente do soberano beneplácito de Deus, que é também o originador da fé e das obras, Rm 9.11; At 13.48; 2 Tm 1.9; 1 Pe 1.2. Desde que todos os homens são pecadores e perderam o direito às bênçãos de Deus, não há base para essa distinção neles; e desde que até a fé e as obras dos crentes são fruto da graça de Deus, Ef 2.8, 10; 2 Tm 2.21, mesmo estas, como previstas por Deus, não podem fornecer a referida base. (5) É irresistível. Não significa que o homem não possa opor-se à sua execução até certo ponto, mas significa, sim, que a sua oposição não prevalecerá. Tampouco significa que Deus, na execução do Seu decreto, subjuga de tal modo a vontade humana que seja incoerente com a liberdade da ação humana. Significa, porém, que Deus pode exercer e exerce tal influência sobre o espírito humano que o leva a querer o que Deus quer, Sl 110.3; Fp 2.13. (6) Não merece a acusação de injustiça. O fato de que Deus favorece alguns e passa por alto outros, não dá direito à acusação de que sobre Ele pesa a culpa de agir com injustiça. Só podemos falar de injustiça quando uma parte pode reivindicar algo de outra. Se Deus devesse o perdão do pecado e a vida eterna a todos os homens seria injustiça se Ele salvasse apenas um número limitado deles. Mas o pecador não tem, absolutamente, nenhum direito ou alegação que possa apresentar quanto às bênçãos decorrentes da eleição divina. De fato, ele perdeu o direito a essas bênçãos. Não somente não tem direito de pedir contas a Deus por eleger uns e omitir outros, como também devemos admitir que Ele seria perfeitamente justo, se não salvasse ninguém, Mt 20.14, 15; Rm 9.14, 15. c. O propósito da eleição. I propósito desta eleição eterna é duplo: (1) O propósito próximo é a salvação dos eleitos. A palavra de Deus ensina claramente que o homem é escolhido ou eleito para a salvação, Rm 11.7-11; 2 Ts 2.13. (2) O objetivo final é a glória de Deus. Mesmo a salvação dos homens está subordinada a esta finalidade. Em Ef 1.6, 12,14 dá-se muita ênfase ao fato de que a glória de Deus é o supremo propósito da graça da eleição. O evangelho social dos dias atuais gosta de salientar que o homem é eleito para servir. Na medida em que isto vise negar que a eleição do homem é para a sua salvação e para a glória de Deus, é claramente contrário à Escritura. Entretanto, entendida pelo que ela é em si mesma, sem segundas intenções, a idéia de que os eleitos foram predestinados para servir ou para as boas obras, é inteiramente escriturística, Ef 2.10; 2 Tm 2.21; mas esta finalidade é subserviente às finalidades já indicadas. 2. REPROVAÇÃO. Os nossos padrões confessionais não falam somente de eleição, mas também de reprovação. * Agostinho ensinou a doutrina da reprovação, bem como a da eleição, mas essa “dura doutrina” enfrentou muitíssima oposição. Em geral os católicos romanos, e a grande maioria dos luteranos, arminianos e metodistas, rejeitam esta doutrina em sua forma absoluta. Se ainda falam de reprovação, é somente de uma reprovação baseada na presciência. É mais que evidente que Calvino tinha consciência da seriedade desta doutrina, pois fala dela como um “decretum horribile” (decreto terrível). Não obstante, não se sentiu com liberdade para negar o que ele considerava uma importante verdade da Escritura. Em nossos dias, alguns eruditos que se arrogam filiação à fé reformada, calvinista, levantam obstáculos a esta doutrina. Barth ensina uma reprovação que depende da rejeição humana da revelação de Deus em Cristo. Brunner parece ter um conceito mais bíblico da eleição que Barth, mas rejeita inteiramente a doutrina da reprovação. Admite que ela se reduz logicamente da doutrina da eleição, mas adverte contra a direção da lógica humana neste caso, desde que a doutrina da reprovação não é ensinada na Escritura. a. Exposição da doutrina. Pode-se definir a reprovação como o decreto eterno de Deus pelo qual Ele determinou deixar de aplicar a um certo número de homens as operações da Sua graça especial, e puni-los por seus pecados, para a manifestação da Sua justiça. Os seguintes pontos merecem ênfase especial: (1) Há dois elementos na reprovação. Segundo a descrição mais comum na teologia reformada (calvinista), o decreto da reprovação compreende dois elementos, a saber, a predestinação, ou determinação de deixar de lado alguns homens; e a condenação (às vezes chamada pré-condenação) ou determinação de punir os que são deixados de lado – puni-los por seus pecados. Como tal, o decreto incorpora um dúplice propósito: (a) deixar de lado alguns na dádiva da graça regeneradora e salvadora; e (b) destina-los à desonra e à ira de Deus pelos seus pecados. A Confissão Belga só menciona o primeiro propósito, mas os Cânones de Dort mencionam dois. Alguns teólogos reformados gostariam de omiti o segundo elemento do decreto da reprovação. Dabney prefere considerar a condenação dos ímpios como prevista e como intencional resultado da sua preterição, privado, assim, a reprovação do seu caráter positivo; e Dick é de opinião que o decreto para condenar deve ser considerado como um decreto à parte, e não como parte e não como parte integrante do decreto da reprovação. Parece-nos, porem, que não temos base para excluir o segundo elemento do decreto da reprovação, nem para considera-lo um decreto diferente. O lado positivo da reprovação é ensinado com tanta clareza na Escritura como o oposto da eleição, que não podemos considerá-las como algo puramente negativo, Rm 9.21, 22; Jd 4. Contudo, devemos notar diversos pontos de distinção entre os dois elementos do decreto da reprovação: (a) A predestinação é um ato soberano de Deus, um ato dos Seu puro e simples beneplácito, em que os deméritos do homem não entram em consideração, ao passo que a pré-condenação é um ato judicial, que impõe castigo. Ate os supralapsários se dispõem a admitir que na condenação o pecado é levado em conta. (b) O motivo da predestinação é desconhecido para o homem. O pecado não pode ser, pois todos os homens são pecadores. Podemos dizer apenas que Deus passou por alto alguns por sabias e boas razões, suficientes para Ele. Por outro lado, o motivo da condenação é conhecido: é o pecado. (c) A preterição é puramente passiva, um simples deixar de lado, sem nenhuma ação exercida sobre o homem, mas a condenação é eficiente e positiva. Os são deixados de lado são condenados por causa do seu pecado. (2) Devemos, porem, estar vigilantes contra a idéia de que, como a eleição e a reprovação determinam com certeza absoluta o fim para qual o homem é predestinado e os meios pelos quais esse fim é atingido, também implica que, tanto no caso da reprovação como no da eleição, Deus faz acontecer, por Sua eficiência pessoal e direta, tudo quanto Ele decretou. Significa que, conquanto se possa dizer que Deus é o Autor da regeneração, da vocação eficaz, da fé, da justificação e da santificação dos eleitos e, portanto, mediante Sua ação direta sobre eles, leva a eleição deles à realização concreta, não se pode dizer que Ele é também o autor da Queda, da condição iníqua e dos atos pecaminosos dos reprovados, agindo diretamente sobre eles e, portanto, sendo o responsável direto por isso tudo, efetuando a concretização da reprovação deles. Sem duvida nenhuma, o decreto de Deus deu certeza à entrada do pecado no mundo, mas Ele não predestinou alguns para o pecado, como predestinou outros para a santidade. E, como o santo Deus que é, Ele não pode ser o autor do pecado. A posição que Calvino toma sobre este ponto é claramente indicada nos seguintes pronunciamentos, que se acham nos Calvin’s Articles on Predestination (Artigos de Calvino sobre a Predestinação): “Embora a vontade de Deus seja a suprema e a primeira causa de todas as coisas, e Deus mantenha o diabo e todos os ímpios sujeitos à Sua vontade, não obstante, Deus não pode ser denominado causa do pecado, nem autor do mal, e nem esta exposto a nenhuma culpa”. “Embora o diabo e os reprovados sejam servos e instrumentos de Deus para a execução das Suas decisões secretas, não obstante, de maneira incompreensível, Deus de tal modo age neles e por meio deles que não contrai nenhuma mancha da perversão deles, porque utiliza a malicia deles de maneira justa e reta, para um bom fim, apesar de muitas vezes estar oculta aos nossos olhos essa maneira”. “Agem com ignorância e calunia os que dizem que, se todas as coisas sucedem pela vontade e ordenação de Deus, Ele é o autor do pecado; porque não fazem distinção entre a depravação dos homens e os desígnios ocultos de Deus”. (3) Deve-se notar que aquilo com que Deus decidiu deixar de lado alguns homens, não é a Sua graça comum, mas a Sua graça regeneradora, que transforma pecadores em santos. É um erro pensar que, nesta vida, os reprovados estão inteiramente destituídos do favor de Deus. Deus não limita a distribuição dos dons naturais por causa da eleição. Nem sequer permite que a eleição e a reprovação determinem a medida desses dons. Muitas vezes os reprovados gozam maior medida das bênçãos naturais da vida que os eleitos. O que efetivamente distingue estes daqueles é que estes são objeto da graça regeneradora e salvadora de Deus. b. Prova da doutrina da reprovação. A doutrina da reprovação decorre naturalmente da lógica da situação. O decreto da eleição implica inevitavelmente o decreto da reprovação. Se o Deus de toda a sabedoria, de posse de conhecimento infinito, se propôs eternamente a salvar alguns, então, ipso facto, também se propôs eternamente a deixar de salvar outros. Se Ele escolheu ou elegeu alguns, então, por esse mesmo fato, rejeitou outros. Brunner se precavém contra este argumento, desde que a Bíblia não diz uma só palavra com vistas a ensinar uma predestinação divina para a rejeição. Mas nos parece que a Bíblia não contradiz, antes justifica a lógica em questão. Visto que a Bíblia é, primordialmente, uma revelação da redenção, naturalmente não tem tanto que dizer da reprovação como o tem da eleição. Mas o que ela diz é deveras suficiente, cf. Mt 11.25, 26; Rm 9.13, 17, 18, 21, 22; 11.7; Jd 4; 1 Pe 2.8. E. Supra e Infralapsarianismo. A doutrina da predestinação não tem sido apresentada sempre da mesma forma. Principalmente desde os dias da Reforma, emergiam gradativamente duas diferentes concepções que, durante a controvérsia arminiana, foram designadas como Infra e Supralapsarianismo. Diferenças já existentes foram definidas mais agudamente e foram acentuadas mais enfaticamente como resultado das discussões teológicas daquele tempo. De acordo com o dr. Dijik, os dois conceitos em foco eram, na sua forma original, apenas uma diferença de opinião sobre se a queda do homem também foi incluída no decreto divino. O primeiro pecado do homem, que constitui sua queda, foi predestinado, ou foi meramente objeto da presciência divina? Em sua forma original, o supralapsarianismo sustentava a primeira posição acima, e o infralapsarianismo, a segunda. Neste sentido da palavra, Calvino evidentemente era supralapsário. O desenvolvimento posterior da diferença entre ambos os conceitos começou com Beza, o sucessor de Calvino em Genebra. Nesse desenvolvimento, o ponto original em discussão retira-se aos poucos para os fundos, e outras diferenças são levadas para o primeiro plano, sendo que algumas delas não passam de diferenças de ênfase. Infralapsários posteriores, como Rivet, Walaus, Mastricht, Turretino, à Mark e de Moor, admitem que a queda do homem foi incluída no decreto; e dos supralapsários posteriores, como Beza, Gomarus, Pedro Mártir, Zanchius, Ursinus, Perkins, Twisse, Trigland, Voetius, Burmannus, Wiotsius e Comrie, ao menos alguns estão prontos a admitir que, no decreto da reprovação, de algum modo Deus levou em consideração o pecado. O nosso interesse no momento é pelo supralapsarianismo em sua forma desenvolvida. 1. O PONTO EXATO EM QUESTÃO. É absolutamente essencial ter uma noção correta do ponto ou dos pontos exatos em questão entre ambos os conceitos. a. Negativamente, a diferença não está: (1) Nas opiniões divergentes sobre a ordem cronológica dos decretos divinos. Por todo lado se admite que o decreto de Deus é somente um e igualmente eterno em todas as suas partes, de modo que é impossível atribuir qualquer sucessão temporal aos vários elementos que ele inclui. (2) Nalguma diferença essencial sobre se a queda do homem foi decretada ou se apenas foi o objeto da presciência divina. Este pode ter sido o ponto de diferença original, como diz o dr. Dijik; mas, certamente, de quem afirma que a Queda não foi decretada, mas somente prevista por Deus, agora se diria que está seguindo a linha arminiana, e não a reformada ou calvinista. Tanto os supralapsários admitem que a Queda está incluída no decreto divino, e que a preterição é um ato da vontade soberana de Deus. (3) Nalguma diferença essencial sobre ser o decreto relativo ao pecado é permissivo. Há uma diferença de ênfase sobre o adjetivo qualificativo. Os supralapsários (com poucas exceções) se dispõem a admitir que o decreto relativo ao pecado é permissivo, mas se apressam a acrescentar que, não obstante, ele dá certeza da entrada do pecado no mundo. E os infralapsários (com poucas exceções) admitem que o pecado está incluído no decreto de Deus, mas se apressam a acrescentar que, naquilo em que o decreto se refere ao pecado, ele é mais permissivo que positivo. Os primeiros ocasionalmente exageram na ênfase ao elemento positivo do decreto concernente ao pecado, e assim se expõem à acusação de que fazem de Deus o autor do pecado. E os últimos às vezes exageram na ênfase ao caráter permissivo do decreto, reduzindo-o a uma permissão pura e simples, e assim se expõe à acusação de arminianismo. De maneira geral, porém, os supralapsários repudiam enfaticamente toda interpretação do decreto que faça de Deus o autor do pecado; e os infralapsários cuidam de indicar explicitamente que o decreto permissivo de Deus, relativo ao pecado, dá certeza à ocorrência futura do pecado. (4) Nalguma diferença essencial sobre se o decreto da reprovação leva em conta o pecado. Às vezes o assunto é apresentado como se Deus destinasse alguns homens para a destruição eterna por um simples ato da Sua vontade soberana, sem levar em conta os seus pecados; como se, como um tirano, Ele simplesmente decidisse destruir grande número de Suas criaturas racionais, apenas para a manifestação das Suas gloriosas virtudes. Mas os supralapsários detestam a idéia de um Deus tirano, e pelo menos alguns deles afirmam expressamente que, enquanto que a preterição é um ato da soberana vontade de Deus, o segundo elemento da reprovação, a saber, a condenação, é um ato de justiça e, certamente, leva em conta o pecado. Isto procede da suposição de que a preterição precede logicamente ao decreto de criar e permitir a Queda, ao passo que a condenação vem depois desta. A lógica desta posição pode ser questionada, mas ao menos mostra que os supralapsários, que a assumem, ensinam que Deus leva em conta o pecado no decreto da reprovação. b. Positivamente, a diferença tem que ver com: (1) A extensão da predestinação. Os supralapsários incluem o decreto para criar e permitir a Queda no decreto da predestinação, ao passo que os infralapsários o associam ao decreto de Deus em geral, e o excluem do decreto especifico da predestinação. Conforme os primeiros, o homem aparece no decreto da predestinação, não como criado e decaído, mas como certo de ser criado e cair; enquanto que, conforme os últimos, o homem aparece no decreto como já criado e decaído. (2) A ordem lógica dos decretos. A questão é se os decretos para criar e permitir a Queda foram meios para o decreto da redenção. Os supralapsário partem do pressuposto de que, ao fazer planos, a mente racional passa do fim para os meios, num movimento retroativo, de sorte que, aquilo que vem primeiro no designo, vem por ultimo na realização. Daí, estabelecem a seguinte ordem: (a) O decreto de Deus de glorificar-se e, particular-mente, de engrandecer Sua graça e Sua justiça na salvação de algumas de Suas criaturas racionais e na perdição de outras, existentes ainda na mente divina somente como possibilidades. (b) O decreto para criar os assim eleitos e reprovados. (c) O decreto para permitir-lhes cair. (d) O decreto para justificar os eleitos e condenar os não eleitos. De outro lado, os infralapsários sugerem uma ordem mais histórica: (a) O decreto para criar o homem em santidade e bem-aventurança. (b) O decreto para permitir ao homem cair pela autodeterminação da sua própria vontade. (c) O decreto para salvar certo número de membros deste conglomerado culposo. (d) O decreto para deixar os restantes em sua autodeterminação no pecado, e submete-los à justa punição que o seu pecado merece. (3) A extensão do elemento pessoal da predestinação aos decretos para criar e para permitir a Queda. Segundo os supralapsários, mesmo no decreto para criar e permitir a Queda, Deus tinha os olhos postos em Seus eleitos individualmente, de modo que não houve um único momento, no decreto divino, em que eles não estivessem numa relação especial com Deus como Seus bem-amados. Os infralapsários, por outro lado, sustentam que este elemento pessoal não apareceu no decreto senão depois do decreto para criar e permitir a Queda. Nestes mesmos decretos, os eleitos estão simplesmente incluídos no conjunto geral da humanidade, e não aparecem como objetos especiais do amor de Deus. ( Teologia Sistemática de Louis Berkhof. Pg. 112)

A POSIÇÃO SUPRALAPSÁRIA

a. Argumentos em seu favor: (1) Ela recorre a todas aquelas passagens da Escritura que salientam a absoluta soberania de Deus, e, mais particularmente, a Sua soberania com relação ao pecado, como Sl 115.3; Pv 16.4: Is 10.15; 45.9; Jr 18.6; Mt 11.25, 26; 20.15; Rm 9.17, 19-21. Dá-se ênfase especial à figura do oleiro, que se acha em mais de uma dessas passagens. Diz-se que esta figura não expressa meramente a soberania de Deus em geral, mas, de modo mais específico, a Sua soberania na determinação da qualidade dos vasos na criação. Quer dizer que, em Rm 9, Paulo fala de uma perspectiva anterior à criação, idéia favorecida (a) pelo fato de que o trabalho do oleiro é usado várias vezes na Escritura como figura da criação: e (b) pelo fato de que o oleiro destina cada vaso a um determinado uso e lhe dá uma qualidade correspondente, o que poderia levar a perguntar, embora sem nenhum direito: Por que me fizeste assim? (2) Chama-se a atenção para o fato de que algumas passagens da Escritura dão a entender que a obra da natureza ou da criação em geral foi ordenada de molde a conter já ilustrações da obra da redenção. Muitas vezes Jesus deriva da natureza as Suas ilustrações, usadas para a elucidação de questões espirituais, e em Mt 13.35 se nos diz que isso era para cumpriras palavras do Profeta: “publicarei cousas ocultas desde a criação do mundo”. Comp. Sl 78.2. Entende-se que essas coisas estavam ocultas na natureza, mas foram trazidas à luz pelos ensinamentos parabólicos de Jesus. Efésios 3.9 é considerada também uma expressão da idéias de que o desígnio de Deus na criação do mundo tinha em mira a manifestação da Sua sabedoria, que se projetaria ma obra redentora neotestamentária. Mas, recorrer a esta passagem parece muito duvidoso, para dizer o mínimo. (3) A ordem dos decretos aceita pelos supralapsários é considerada como ideal, e como a mais lógica e a mais uma das duas. Ela exibe com clareza a ordem racional que existe entre o fim último e os meios intermediários. Portanto, os supralapsários podem, e os infralapsários não podem dar uma reposta específica à questão – por que Deus decretou criar o mundo e permitir a Queda. Eles fazem plena justiça à soberania de Deus e evitam todas as fúteis tentativas de justificar Deus aos olhos dos homens, ao passo que os infralapsários hesitam, procuram provar a justiça do procedimento de Deus e, todavia, chegam por fim à mesma conclusão dos supralapsários, a saber, que, em última análise, o decreto para permitir a Queda soe encontra explicação no soberano beneplácito de Deus. A analogia da predestinação dos anjos parece favorecer a posição supralapsária, pois só se pode compreender em termos supralapsários. Deus decretou, por motivos suficientes para Ele, conceder a alguns anjos a graça da perseverança e privar desta os demais: e, com justiça, ligar a isto a confirmação dos primeiros num estado de glória, e a perdição eterna dos últimos. Significa, pois que o decreto concernente à queda dos anjos faz parte da predestinação deles. E parece impossível conceber este ponto doutro modo. b. Objeções: Apesar das suas pretensões aparentes, não soluciona o problema do pecado. Fá-lo-ia, se ousasse dizer que Deus decretou introduzir o pecado no mundo por Sua eficiência pessoal e direta. É verdade que alguns supralapsários apresentam o decreto como a causa eficiente do pecado, mas, não obstante, não querem que se interprete isso de um modo que faça de Deus o autor do pecado. A maioria deles não interessa em ir além da declaração de que Deus quis permitir o pecado. Agora, esta objeção não atinge só os supralapsários, em distinção dos infralapsários, pois nem estes nem aqueles resolvem o problema. A única diferença é que os primeiros têm maiores pretensões que os últimos quanto a esta matéria. (2) Segundo as suas descrições, o homem aparece no decreto divino primeiramente como creabilis et labilis (havendo certeza do ser criado e de cair). Os objetivos do decreto são, antes de tudo mais, os homens, considerados como simples possibilidades, como entidades não existentes. Mas, necessariamente, esse decreto tem um caráter provisório apenas, e tem que vir acompanhado doutro decreto. Após a eleição e a reprovação desses possíveis homens, segue-se o decreto para cria-los e permitir-lhes a Queda, e a isto deve seguir-se outro decreto, concernente a esses homens, cuja criação e queda foram agora determinadas definidamente, a saber, o decreto para eleger uns e reprovar os restantes dos que agora aparecem no propósito divino como homens reais. Os supralapsários alegam que esta objeção não é insuperável porque, embora seja verdade, segundo a sua posição, que a existência dos homens não está ainda determinada quando eles são eleitos e reprovados, eles existem no pensamento divino. (3) Diz-se que o supralapsarianismo faz do castigo eterno dos reprovados um objeto da vontade divina no mesmo sentido e da mesma forma que a salvação dos eleitos: e que faz do pecado, que leva à destruição eterna, um meio para esse fim, da mesma forma e no mesmo sentido em que a redenção em Cristo é o meio para a salvação. Se levar isso adiante, de modo coerente, fará de Deus o autor do pecado. Deve-se notar, porém, que, como regra geral, o supralapsário não apresenta o decreto desse modo, e afirma explicitamente que o decreto não pode ser interpretado de maneira a fazer de Deus o autor do pecado. Ele fala de uma predestinação para a graça de Deus em Jesus Cristo, mas não de uma predestinação para pecar. (4) Objeta-se ainda que o supralapsarianismo torna o decreto da reprovação tão absoluto como o decreto da eleição. Noutras palavras, que considera a reprovação, como a eleição, como puro e simples ato do soberano beneplácito de Deus, e não como um ato de justiça punitiva. Segundo a sua representação, o pecado não entra em consideração no decreto da reprovação. Mas isso não está bem certo, embora possa ver a verdade com respeito a alguns supralapsários. Contudo, pode-se dizer em geral que, conquanto considerem a preterição como um ato do soberano beneplácito de Deus, usualmente consideram a pré-condenação como um ato da justiça divina que de fato leva em consideração o pecado. E o próprio infralapsário não pode sustentar a idéia de que a reprovação seja um ato de justiça pura e simples, contingente do pecado do homem. Em última análise, ele também terá que declarar que a reprovação é um ato do soberano beneplácito de Deus, se quiser evitar a área arminiana. (5) Finalmente, dizem os oponentes que não é possível elaborar uma aproveitável doutrina da aliança da graça e do mediador com base no esquema supralapsário. Tanto a aliança como o Mediador só podem ser entendidos em termos infralapsários. Alguns supralapsários admitem isso francamente. Logicamente, o Mediador só aparece no decreto divino depois da entrada do pecado; e este é o único ponto de vista do qual se pode elaborar a aliança da graça. Naturalmente, isso tem importante relação com o ministério da palavra. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 114)

A POSIÇÃO INFRALAPSÁRIA

a. Argumentos em seu favor: (1) Os infralapsários recorrem mais particularmente às passagens da Escritura nas quais os objetos da eleição aparecem numa condição de pecado, em estreita relação com Cristo e como objetos da misericórdia e da graça de Deus, como Mt 11.25, 26; Jo 15.19; Rm 8.28, 30; 9.15, 16; Ef 1.4-12; 2 Tm 1.9. Estas passagens parecem implicar que, no pensamento de Deus, a queda do homem precedeu à eleição de alguns para a salvação. (2) Eles chamam também a atenção para o fato de que, em sua representação, a ordem dos decretos divinos é menos filosófica e mais natural que a proposta pelos supralapsários. Está em harmonia com a ordem histórica da execução dos decretos, que parece refletir a ordem seguida no conselho eterno de Deus. Exatamente como na execução, assim há uma ordem causal no decreto. Há mais modéstia em ficar com esta ordem, justamente porque ela reflete a ordem histórica na Escritura e não pretende solucionar o problema da relação de Deus com o pecado. É considerada menos ofensiva em sua apresentação da matéria e em muito maior harmonia com as exigências da vida pratica. (3) Apesar de alegarem os supralapsários que a sua elaboração da doutrina dos decretos é a mais lógica das duas, os infralapsários reivindicam a mesma coisa para a sua posição. Diz Dabney: “O (esquema) supralapsário, com a pretensão de maiôs simetria, é na realidade o mais ilógico dos dois”. Demonstra-se que o esquema supralapsário é ilógico e que faz o decreto da eleição e da preterição referir-se a não-entidades, isto é, a homens inexistentes, exceto como simples possibilidades, mesmo na mente de Deus; inexistente ainda no decreto divino e, portanto, não vistos como criados, mas somente como criáveis. Ademais se diz que a elaboração supralapsário é ilógica em que necessariamente separa os dois elementos da reprovação, colocando a preterição antes da Queda, e a condenação depois. (4) Finalmente, também se chama a atenção para o fato de que as igrejas reformadas (calvinistas) sempre têm adotado a posição infralapsária em seus padrões oficiais, embora nunca tenham condenado, e, sim tenham tolerado sempre a outra posição. Entre os membros do Sínodo de Dort e da Assembléia de Westminster, havia diversos supralapsários que foram mantidos em alta honra (sendo que, em ambos os casos, o oficial presidente estava entre eles), mas, tanto nos Cânones de Dort como na Confissão de Westminster, está expresso o conceito infralapsário. b.Objeções. Eis algumas das mais importantes objeções levantadas contra o infralapsarianismo: (1) Ele não dá, nem diz que dá solução ao problema do pecado. Mas esta afirmação é igualmente verdadeira quanto à outra conceituação, de modo que, numa comparação de ambas as posições, isto não pode ser bem considerado como uma real objeção, embora às vezes levanta como tal. O problema da relação de Deus com o pecado é comprovadamente insolúvel para uma, bem como para outra. (2) Embora o infralapsarianismo possa ser movido pelo louvável desejo de guardar-se da possibilidade de acusar Deus de ser o autor do pecado, ao fazê-lo corre sempre o perigo de errar e ultrapassar o alvo, e alguns dos seus representantes têm cometido este erro. Eles são adversos à declaração de que Deus quis o pecado, e a substituem pela asserção de que Ele o permitiu. Mas então surge a questão quando ao sentido exato dessa afirmação. Significa que Deus meramente toou conhecimento da entrada do pecado, sem impedi-lo de modo algum, de maneira que a Queda foi, na realidade, uma frustração do Seu plano? No momento em que o infralapsário responder afirmativamente essa pergunta, estará entrando nas fileiras dos arminianos. Embora haja alguns que tomaram essa atitude, na maioria os infralapsários vêem que não podem assumir coerentemente essa posição, mas devem incorporar a Queda no decreto divino. Eles falam do decreto concernente ao pecado como um decreto permissivo, mas com o definido entendimento de que este decreto tornou certa a entrada do pecado no mundo. E se for levantada a questão sobre se Deus decretou permitir o pecado e assim deu a certeza à sua ocorrência, eles só podem indicar o beneplácito divino como resposta, e assim concordam perfeitamente com os supralapsários. (3) A mesma tendência de defender Deus se revela doutro modo e expõe o interessado a um perigo semelhante. O infralapsarianismo realmente quer explicar a reprovação como um ato da justiça de Deus. Inclina-se a negar explícita ou implicitamente que se trata de um ato do simples beneplácito de Deus. Isto realmente faz do decreto da reprovação um decreto condicional, e leva ao redil arminiano. Mas em geral os infralapsários não querem ensinar um decreto condicional, e se expressam reservadamente sobre esta matéria. Alguns deles admitem que é um engano considerar a reprovação pura e simplesmente como um ato da justiça divina. E isso está perfeitamente correto. O pecado não é a causa última da reprovação, como tampouco a fé e as boas obras são a causa da eleição, pois todos os homens estão, por natureza, mortos em pecados e delitos. Quando confrontados com o problema da reprovação, os infralapsários também só podem achar resposta no beneplácito de Deus. Sua Linguagem pode parecer mais delicada que a dos supralapsários, mas também está mais sujeita a ser mal entendida, e de toda maneira acaba transmitindo a mesma idéia. (4) A posição infralapsária não faz justiça à unidade do decreto divino, apresentado os seus diferentes membros componentes como partes exageradamente desconexas. Primeiro Deus decretou criar o mundo para a glória do Seu nome, o que significa, entre outras coisas, que Ele determinou que as Suas criaturas racionais vivessem de acordo com alei divina implantada em seus corações e louvassem o seu Criador. Depois decretou permitir a Queda, pela qual o pecado entrou no mundo. Isto parece constituir uma frustração do plano divino original, ou pelo menos uma importante modificação dele, visto que Deus não mais decreta glorificar-se pela obediência voluntária de todas as Suas criaturas racionais. Finalmente, seguem-se os decretos da eleição e da reprovação, que representam apenas uma execução parcial do plano original. 4. Do que foi dito parece seguir-se que não podemos considerar o supra e o infralapsarianismo como absolutamente antitéticos. Eles tecem considerações sobre o mesmo mistério, partindo de pontos de vista diferentes, um fixando a atenção na ordem ideal ou teleológica dos decretos: o outro, na ordem histórica. Até certo ponto eles podem e devem andar juntos. Ambos acham suporte na Escritura. O supralapsarianismo, nas passagens que acentuam a soberania de Deus, e o infralapsarianismo, nas que salientam a misericórdia e a justiça de Deus, em conexão com a eleição e a reprovação. Cada um deles tem algo em seu favor: o primeiro, que não intenta justificar a Deus, mas simplesmente descansa no soberano e santo beneplácito de Deus; e o último, que é mais modesto e delicado, e leva em conta as necessidades e exigências da vida prática. Ambos são necessariamente incoerentes: o primeiro, porque não considera o pecado como uma progressão, mas tem que considera-lo como um distúrbio da criação e fala de um decreto permissivo, que dá certeza ao surgimento do pecado. Mas cada um deles também dá ênfase a um elemento verdadeiro do supralapsarianismo acha-se em sua ênfase ao seguinte: que o decreto de Deus é uma unidade: que Deus tem um único objetivo final em vista; que em certo sentido Ele quis o pecado; e que a obra da criação foi imediatamente adaptada à atividade recriadora de Deus. E o elemento verdadeiro do infralapsarianismo consiste que há uma certa diversidade nos decretos de Deus; que a criação e a Queda não podem ser consideradas apenas como meios para um fim, mas também tinham grande significação independente; e que o pecado não pode ser considerado como um elemento de perturbação do mundo. Com relação ao estudo deste tema profundo, devemos ver que o nosso entendimento é limitado, e dar-nos conta de que captamos somente fragmentos da verdade. Os nossos padrões confessionais incorporam a posição infralapsária, mas não condenam o supralapsarianismo. Percebeu-se que esta conceituação não é necessariamente incoerente com a teologia reformada (calvinista). E as conclusões de Utrecht, adotadas em 1908 por nossa igreja, declaram que, conquanto não seja permissível apresentar o conceito supralapsário como doutrina das igrejas reformadas da Holanda, tampouco é permissível molestar a quem quer que pessoalmente lhe dê agasalho. QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA. 1. É possível uma presciência divina dos eventos que não esteja baseada no decreto de Deus? 2. Qual o resultado inevitável de basear o decreto de Deus em Sua presciência, em vez do contrário, Sua presciência no decreto? 3. Como a doutrina dos decretos difere do fatalismo e do determinismo? 4. O decreto da predestinação exclui necessariamente a possibilidade de uma oferta universal da salvação? 5. Os decretos da eleição e da reprovação são igualmente absolutos e incondicionais, ou não? 6. São eles semelhantes como as causas das quais as ações humanas procedem como efeitos? 7. Como a doutrina da predestinação se relaciona com a doutrina da soberania divina: - com a doutrina da depravação total; - coma doutrina da expiação; - com a doutrina da perseverança dos santos? 8. Os reformados (calvinistas) ensinam que há uma predestinação para pecar? BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA. Geref. Dogm. II, p. 347-425; Kuyper, Dict. Dogm., De Deo III, p. 80-258; Vos, Geref. Dogm. I, p.81-170; Hodge, Syst, Theol. I, p. 535-549; II, p. 313-321; Shedd, Dogm. Theol. I 393-492; Mastricht, Godgeleerdheit I, p. 670-757; Comrie, em Holtius, Examen van het Ontwerp van Tolerantie, Samenspraken VI e VII; Turretino, Opera I, p. 279-382; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 211-246; Miley, Syst. Theol, II, p. 245-266; Cunningham, Hist, Theol. II, p.416-489; Wiggers, Augustinianism and Pelagianism, p. 237-254; Girardeau, Calvinism and Evangelical Arminianism, p. 14-412; ibid., The Will in its Theological Relations; Warfield, Biblical Doctrines, p. 3-67; ibid., Studies in Theology, p. 117-231; Cole, Calvin’s Calvinism, p. 25-206; Calvino, Institutes III. Chap. XXI-XXIV; Dijik, De Strijd over Infra-en Supralapsarisme in de Gereformeerde Kerken van Nederland; ibid, Om’t Eeuwig Welbehagen; Fernhout, De Leer der Uitverkiezing; Polman, De Praedestinatieleeer van Augustinus, Thomas van Aquino en Calvijn. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 118)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Criação em Geral

O estudo dos decretos leva naturalmente à consideração da sua execução, e esta começa com a obra da criação. É a primeira, não somente na ordem cronológica, mas também como prioridade lógica. É o começo e a base de toda a revelação divina e, conseqüentemente, é também o fundamento de toda a vida ética e religiosa. A doutrina da criação não é exposta na Escritura como uma solução filosófica do problema do mundo, mas, sim, em seu significado ético e religioso, como uma revelação de relação do homem com seu Deus. Ela salienta o fato de que Deus é a origem de todas as coisas, e de que todas as coisas Lhe pertencem e Lhe estão sujeitas. O conhecimento desta doutrina só se aufere da Escritura e se aceita pela fé (Hb 11.3), embora os católicos romanos sustentem que também pode ser colhido da natureza. A. A doutrina da Criação na História. Enquanto a filosofia grega procurava a explicação do mundo num dualismo que envolve a eternidade da matéria, ou num processo de emanação que faz do mundo a manifestação eterna de Deus, a igreja cristã dede o começo ensinava a doutrina da criação ex nihilo e como um ato livre de Deus. Esta doutrina foi aceita com singular unanimidade desde o início. Acha-se em Justino Mártir, Irineu, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes, e outros. Teófilo foi o primeiro “pai da igreja” a salientar o fato de que os dias da criação foram dias literais. Esta parece ter sido a opinião de Irineu e Tertuliano também e, com toda a probabilidade, era a opinião comum da igreja. Clemente e Orígenes achavam que a criação tinha sido realizada num momento único e indivisível, e entendiam sua descrição como obra de vários dias como um simples recurso literário para descrever a origem das coisas na ordem do seu valor ou da sua conexão lógica. A idéia de uma criação eterna, como ensinava Orígenes, geralmente era rejeitada. Ao mesmo tempo, alguns dos chamados pais da igreja expressaram a idéia de que Deus sempre foi Criador, embora o universo criado tenha começa do no tempo. Durante a controvérsia trinitária, alguns deles acentuaram o fato de que, em distinção da geração do Filho, que foi um ato necessário do Pai, a criação do mundo foi um ato livre do Deus triúno. Agostinho tratou da obra da criação mais minuciosamente que os outros. Ele argumentava que esteve eternamente na vontade de Deus e, portanto, não produziu mudança nele. Antes da criação o tempo não existia, dado que o mundo foi trazido à existência juntamente com o tempo, antes que no tempo. A pergunta sobre o que fazia Deus nas muitas eras antes da criação baseia-se num falso conceito da eternidade. Enquanto a igreja em geral parece que ainda sustentava que o mundo foi criado em seis dias comuns, Agostinho sugeriu uma conceituação um tanto diferente. Ele defendia vigorosamente a doutrina da creatio ex nihilo, mas distinguia dois momentos da criação: a produção da matéria e dos espíritos do nada, e a organização do universo material. Achava difícil dizer de que espécie eram os dias de Gênesis, mas evidentemente estava inclinado a pensar que Deus criou todas as coisas num momento de tempo, e que a idéia de dias foi simplesmente introduzida para auxiliar a inteligência finita. Os escolásticos discutiram bastante sobre a possibilidade da criação eterna: Alguns, como Alexandre de Hales, Boaventura, Alberto Magno, Henrique de Ghent, e a grande maioria dos escolásticos negando-a; e outros como Tomaz de Aquino, Duns Scotus, Durandus, Biel, e outros, afirmando-a. Todavia, a doutrina da criação com o tempo ou nele levou a palma. Erígena e Eckhart constituíram exceções, ensinando que o mundo foi originado por emanação. Ao que parece, os dias da criação eram considerados como dias comuns, apesar de Anselmo opinar que talvez fosse necessário concebe-los como diferentes sos nossos dias atuais. Os reformadores defendiam firmemente a doutrina da criação do nada, por um livre ato de Deus, no tempo ou com ele, e consideravam os dias da criação como seis dias literais. Esta concepção também foi mantida em geral na literatura do pós-Reforma, dos séculos dezesseis e dezessete, embora alguns teólogos (como Maresius, por exemplo) tenham falado ocasionalmente em criação contínua. No século dezoito, porém, sob a influência dominadora do panteísmo e do materialismo, a ciência vestiu contra a doutrina da criação esposada pela igreja. Substituiu a idéia da absoluta originação por um fiat divino pela evolução ou desenvolvimento. Muitas vezes o mundo era apresentado como uma manifestação necessária do Absoluto. Sua origem foi empurrada para trás, milhares e até milhões de anos, rumo a um passado desconhecido. E houve teólogos que logo se engajaram em diversas tentativas da harmonizar a doutrina da criação com ensinos da ciência e da filosofia. Alguns sugeriram que os primeiros capítulos de Gênesis fossem interpretados alegórica ou miticamente; outros, que transcorreu um longo período de tempo entre a criação primária de Gn 1.1,2 e a criação secundária dos versículos subseqüentes; e ainda outros, que os dias da criação foram de fato longos períodos de tempo. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 120)

Prova Bíblica da Doutrina da Criação

Não se acha a prova bíblica da doutrina da criação numa única e restrita porção da Bíblia, mas em todas as partes da palavra de Deus. Não consiste de umas poucas e esparsas passagens de duvidosa interpretação, mas sim, de um grande número de claras e inequívocas afirmações que falam da criação do mundo como um fato histórico. Temos primeiramente a extensa narrativa da criação nos dois primeiros capítulos de Gênesis, que será discutida mais pormenorizadamente quando for considerada a criação do universo material. Estes capítulos certamente parecem ao leitor despreconcebido uma narrativa histórica e o registro de um fato histórico. E as muitas referências espalhadas pela Bíblia toda não a consideram diferentemente. Todas elas se referem à criação como um fato da história. As diversas passagens em que se acham essas referências podem ser classificadas como segue: (1) Passagens que salientam a onipotência de Deus na obra da criação, Is 40.26, 28; Am 4.13. (2) Passagens que indicam Sua exaltação acima da natureza como Deus grandioso e infinito, Sl 90.2; 102.26, 27; At 17.24. (3) Passagens que se referem a sabedoria de Deus na obra da criação, Is 40.12-14; Jr 10.12-16; Jo 1.3. (4) passagens que vêem a criação do ponto de vista da soberania e do propósito de Deus na criação, Is 43.7; Rm 1.25. (5) passagens que falam da criação como a obra fundamental de Deus. Ne 9.6: “Só tu és o Senhor, tu fizeste o céu, o céu dos céus, e todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto há neles; e tu os preservas a todos com vida, e o exército dos céus te adora”. Esta passagem é típica de várias outras passagens menos extensas que se acham na Bíblia e que dão ênfase ao fato de que Jeová é o criador do universo, Is 42.5; 45.18; Cl 1.16; Ap 4.11; 10.6. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 121)

A Idéia da Criação

A crença da igreja na criação do mundo vem expressa já no primeiro artigo da Confissão de Fé Apostólica (Credo Apostólico): “Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador dos céus e da terra”. Esta é uma expressão de fé mantida pela Igreja Primitiva de que Deus, por Seu poder absoluto, produziu do nada o universo. As palavras “Criador dos céus e da terra” não constavam de forma originária do Credo, mas representam um acréscimo posterior. Eles atribuem ao pai, isto é, à primeira pessoa da Trindade, a originação de todas as coisas. Isso está em harmonia com a descrição do Novo Testamento de que todas as coisas são do pai, mediante o Filho, e no Espírito Santo. A palavra “Criador” traduz o termo grego poieten, que se acha na forma grega da Confissão Apostólica, através do vocábulo creatorem, presente na forma latina. A Igreja primitiva entendia o verbo criar no sentido estrito de “produzir do nada alguma coisa”. Deve-se notar nem sempre a Escritura usa a palavra hebraica bara’ e o termo grego ktizein naquele sentido absoluto. Também emprega esses termos para denotar uma criação secundária, na qual Deus fez uso de material já existente, mas que não podia causar por si mesmo o resultado indicado, Gn 1.21, 27; 5.1; Is 45.7,12; 54.16; Am 4.13; 1 Co 11.9; Ap 10.6. Utiliza-os até mesmo para designar algo que vem à existência sob a direção providencial de Deus, Sl 104.30: Is 45.7, 8: 65.18; 1 Tm 4.4. Dois outros termos são utilizados como sinônimos do termo “criar”, a saber, “fazer” (hebraico, ‘asah; grego, poiein) e “formar” (hebraico, yatsar; grego, plasso). O primeiro é claramente usado em todos os três sentidos indicados acima: de criação primária, Gn 2.4; Pv 16.4; At 17.24; mais freqüentemente, de criação secundária, Gn 1.7, 16, 26; 2.22; Sl 89.47; e de obras da providência, Sl 74.17. O outro é usado semelhantemente com referência à criação primária, Sl 90.2 (talvez o único exemplo deste uso); à criação secundária, Gn 2.7, 19; Sl 104.26; Am 4.13; Zc 12.1: e à obra da previdência, Dt 32.18; Is 43.1, 7, 21; 45.7. As três palavras acham-se juntas em Is 45.7. A criação, no sentido estrito da palavra, pode ser definida como o livre ato de Deus pelo qual Ele, segundo a Sua vontade soberana e para a Sua própria glória, produziu no princípio todo o universo, visível e invisível, sem uso de material preexistente, e assim lhe deu uma existência distinta da Sua própria e, ainda assim, dele dependente. Tendo em vista os dados escriturísticos indicados acima, é evidente, porém, que essa definição se aplica àquilo que é geralmente conhecido como criação primária ou imediata, isto é, a criação descrita em Gn 1.1. Mas a Bíblia evidentemente usa a palavra “criar” também em casos em que Deus fez uso de materiais preexistentes, como na criação do sol, da lua, das estrelas, dos animais e do homem. Daí muitos teólogos acrescentam um elemento à definição da criação. Assim, Wollebius define: “A criação é o ato pelo qual Deus produz o mundo e tudo que nele há, em parte do nada e em parte de material que por sua própria natureza é inepto, para a manifestação da glória do Seu poder, sabedoria e bondade”. Entretanto, mesmo assim, a definição não cobre aqueles casos, também designados na Escritura como obra criadora, em que Deus trabalha mediante causa secundárias, Sl 104.30; Is 45.7, 8; Jr 31.22; Am 4.13, e produz resultados que só Ele pode produzir. A definição dada inclui vários elementos que pedem mais ampla consideração. 1. A CRIAÇÃO É UM ATO DO TRINO DEUS. A Escritura nos ensina que o trino Deus é o Autor da criação, Gn 1.1; Is 40.12; 44.24; 45.12, e isto O distingue dos ídolos. Sl 96.5; Is 37.16; Jr 10.11, 12. Embora o pai esteja em primeiro plano na obra da criação, 1 Co 8.6, esta é também claramente reconhecida como obra do Filho e do Espírito Santo. A participação do Filho nela é indicada em Jo 1.3; 1 Co 8.6; Cl 1.15-17, e a atividade do Espírito nessa obra acha expressão em Gn 1.2; Jó 26.13; 33.4; Sl 104.30; Is 40.12, 13. A segunda e a terceira pessoa não são poderes dependentes ou meros intermediários, mas sim, Autores independentes, juntamente com o pai. A obra da criação não foi dividida entre as três pessoas, mas a obra completa, embora em diferentes aspectos, é atribuída toda a cada uma das pessoas. Todas as coisas são, de uma só vez, oriundas do Pai, por meio do Filho, e no Espírito Santo. Pode-se dizer em geral que o ser provém do Pai, o pensamento ou idéia provém do Filho, e a vida provém do Espírito Santo. Desde que o Pai toma a iniciativa na obra da criação, muitas vezes esta é atribuída a Ele, em termos da economia da Trindade. 2. A CRIAÇÃO É UM ATO LIVRE DE DEUS. Às vezes a criação é descrita como um ato necessário de Deus, e não como um ato livre e determinado por Sua soberana vontade. As velhas teorias da emanação e suas réplicas modernas, as teorias panteístas, naturalmente fazem do mundo apenas um momento do processo da evolução divina (Spinoza, Hegel) e, portanto, vêem o mundo como um ato necessário de Deus. E a necessidade que eles têm em mente não é uma necessidade relativa, resultante do decreto divino, mas uma necessidade absoluta que decorre da própria natureza de Deus, da Sua onipotência (Orígenes) ou do Seu amor (Rothe). Todavia, esta posição não é bíblica. As únicas obras que são inerentemente necessárias, como uma necessidade resultante da própria natureza de Deus, são as opera ad intra, as obras das pessoas do Ser Divino, separadamente consideradas: geração, filiação e processão. Dizer que a criação é um ato necessário de Deus é declarar também que ela é tão eterna como as obras imanentes de Deus. Se algum tipo de necessidade deve ser atribuída às opera ad extra de Deus, é uma necessidade condicionada pelo decreto divino e pela resultante constituição das coisas. É uma necessidade dependente da soberana vontade de Deus, e, portanto, não é necessidade no sentido absoluto da palavra. A Bíblia nos ensina que Deus criou todas as coisas segundo o conselho da Sua vontade, Ef 1.11; Ap 4.11; e que Ele é auto-suficiente e não depende de Suas criaturas, de modo nenhum, Jó 22.2, 3; At 17.25. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. 122)

A CRIAÇÃO É UM ATO TEMPORAL DE DEUS

a. O ensino da Escritura sobre este ponto. A Bíblia começa com a singela declaração: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. Gn 1.1. Sendo dirigida a todas as classes de pessoas, ela emprega a linguagem comum da vida diária, e não a linguagem técnica da filosofia. O termo hebraico bereshith (literalmente, “no princípio”) é indefinido e, naturalmente, dá surgimento à questão: No princípio do quê? Parece melhor tomar a expressão no sentido absoluto, como uma indicação do início de todas as coisas temporais e do próprio tempo: Keil, porém, é de opinião que se refere ao princípio da obra da criação. Tecnicamente falando, não é correto presumir que já existia o tempo quando Deus criou o mundo, e que Ele, em certo ponto desse tempo existente, deu “princípio” à produção do universo. O tempo é apenas uma das formas de toda a existência criada e, portanto, não poderia existir antes da criação. Por essa razão Agostinho achava mais correto dizer que o mundo foi criado cum tempore (juntamente com o tempo), que afirmar que foi criado in tempore (no tempo). A Escritura fala desse começo noutros lugares também. Mt 19.4, 8; Mc 10.6; Jo 1.1, 2; Hb 1.10. Também está claramente implícito que o mundo teve começo em passagens como Sl 90.2, “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu é Deus”: e Sl 102.25, “Em tempos remotos lançaste os fundamentos da terra: e os céus são obras das tuas mãos”. b. Dificuldades que pesam sobre esta doutrina. Antes do princípio mencionado em Gn 1.1, devemos postular uma eternidade sem princípio, durante a qual somente Deus existia. Como havemos de preencher estas eras supostamente vazias da vida eterna de Deus? O que será que Deus fazia antes da criação do mundo? É tão impossível pensar nele como um Deus otiosus (um Deus inativo), que geralmente Ele é entendido como actus purus (pura ação). A escritura sempre O descreve trabalhando, Jo 5.17. Então como dizer que Ele passou de um estado de inatividade para um estado de ação? Além disso, como se pode conciliar a transição de um estado não criador para um estado criador, com Sua imutabilidade? E se Ele tinha o propósito eterno de criar, por que não o fez imediatamente? Por que deixou passar toda uma eternidade, antes de pôr em ação o Seu plano? Ademais, por que Ele terá escolhido aquele momento particular para a Sua obra criadora? c. Soluções sugeridas. (1) Teoria da criação eterna. Conforme alguns, como Orígenes, Scotus Erígena, Rothe, Dorner e Pfleiderer. Deus tem estado criando desde toda a eternidade, de sorte que o mundo, apesar de ser uma criatura e de ser dependente, é tão eterno como o próprio Deus. Tem-se fundamentado isso na onipotência, na atemporalidade, na imutabilidade e no amor de Deus: mas nenhuma destas qualidades implica ou envolve necessariamente a criação eterna. Essa teoria não somente é contestada pela Escritura, mas também é contrária à razão, pois (a) uma criação desde a eternidade é uma contradição de termos: e (b) a idéia de criação eterna, aplicada ao presente mundo, sendo este sujeito à lei do tempo como é, baseia-se numa identificação do tempo e a eternidade, quando estes são essencialmente diferentes. (2) Teoria da subjetividade do tempo e da eternidade. Alguns filósofos especulativos, como Spinoza, Hegel e Green, alegam que a distinção de tempo e eternidade é puramente subjetiva e se deve à nossa condição finita. Daí, eles gostariam que nos elevássemos a um lugar estratégico mais alto e considerássemos as coisas sub specie aeternitatis (do ponto de vista da eternidade). O que existe para a nossa consciência como desenvolvimento no tempo, par a consciência divina existe simplesmente como um conjunto eternamente completo. Mas essa teoria é refutada pela escritura, como a anterior. Gn 1.1; Sl 90.2; 102.25; Jo 1.3. Além disso, torna as realidades objetivas em formas subjetivas de consciência, e reduz toda a história a uma ilusão. Afinal de contas, o desenvolvimento no tempo é uma realidade; há uma sucessão temporal em nossa vida consciente e na vida da natureza ao nosso redor. As coisas que aconteceram ontem não são as que estão acontecendo hoje. d. Direção na qual se deve procurar a solução. Em relação com o problema em foco, diz corretamente o dr. Orr: “A solução só pode estar em obter-se uma idéia apropriada da relação da eternidade com o tempo”. Acrescenta ele que, quando pode ver, isso ainda não foi realizado satisfatoriamente. Grande parte da dificuldade encontrada aqui, deve-se sem dúvida ao fato de que pensamos na eternidade como se fosse uma indefinida extensão de tempo, como, por exemplo, quando falamos das eras da relativa inatividade de Deus antes da criação do mundo. A eternidade de Deus não é um período de tempo indefinidamente prolongado, mas antes, uma coisa essencialmente diferente, que somos incapazes de conceber. Sua existência é uma existência atemporal, uma presença eterna. O remoto passado e o mais distante futuro estão ambos presentes para Ele. Ele age em todas as Suas obras, e, portanto, também na criação, como O Eterno, e não temos direito de retratar a criação como um ato de Deus na esfera temporal. Em certo sentido, pode ser chamado ato eterno, mas só no sentido em que os atos de Deus são eternos. Como atos de Deus, todos eles são obras realizadas na eternidade. Contudo, não é eterno no mesmo sentido em que a geração do Filho é eterna, pois esta constitui um ato imanente de Deus no sentido absoluto da palavra, enquanto que a criação redunda numa existência temporal e, assim, termina no tempo. Geralmente os teólogos distinguem entre criação ativa e passiva, a primeira indicando a criação como um ato de Deus, e a última, seu resultado, o mundo criado. A primeira não é caracterizada por sucessão temporal reflete a ordem determinada no decreto de Deus. Quanto à objeção de que uma criação no tempo implica mudança em Deus. Wollebius observa que “a criação é uma passagem, não do Criador, mas da criatura, da potencialidade para a realização concreta.” (Tologia Sistemática – Louis Berlhof. Pg. 124)