terça-feira, 30 de julho de 2013

A Natureza do Homem

O Capitulo anterior é de natureza mais ou menos introdutória e, estritamente falando, não é parte integrante da apresentação sistemática da doutrina do homem na dogmática. Isto explica por que muitos tratados de teologia sistemática deixam da dedicar separadamente um capitulo à origem do homem. Contudo, pareceu-nos desejável inseri-lo aqui, desde que propicia um adequado cenário de fundo para o que se segue. Sob o presente titulo teceremos considerações sobre os elementos constitucionais essenciais da natureza humana, e sobre a questão da origem da alma nos indivíduos que constituem a raça. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 182)

Os Elementos Constitutivos da Natureza Humana

1. AS DIFERENTES OPINIÕES QUE FORAM COMUNS NA HISTÓRIA: DICOTOMIA E TRICOTOMIA. É costume. Especialmente nos círculos cristãos, entender que o homem consiste de duas partes distintas, e de duas somente, a saber, corpo e alma. Esta concepção é tecnicamente denominada dicotomia. Ao lado dela, porém, apareceu outra, segundo a qual a natureza humana consiste de três partes, corpo, alma e espírito. É designada pelo termo tricotomia. O conceito do homem tripartido originou-se na filosofia grega, que entendia a relação mútua entre o corpo e o espírito do homem segundo a analogia da mútua relação entre o universo material de Deus. Pensava-se que, justamente como estes só podiam ter comunhão um com o outro por meio de uma terceira substância ou de um ser intermediário, assim aqueles só podiam entrar em relações mútuas vitais por meio de um terceiro elemento, ou de um elemento intermediário, a saber, a alma. Por um lado, a alma era considerada como imaterial e, por outro, como adaptada ao corpo. Na medida em que se adapta ao nous ou ao pneuma, era tida como imortal, mas Ana medida em que se relaciona com o corpo, como carnal e mortal. A mais conhecida, e também a mais crua forma de tricotomia, é a que toma o corpo como a parte material da natureza humana, a alma como o princípio da vida animal, e o espírito como o elemento humano racional, imortal e relacionado com Deus. A concepção tricotômica do homem recebeu considerável apoio dos “pais” da igreja grega ou Alexandrina dos primeiros séculos da era cristã. Encontra-se, embora nem sempre exatamente da mesma forma, em Clemente de Alexandria, Orígenes e Gregório de Nissa. Mas, depois que Apolinário a empregou de maneira ofensiva à perfeita humanidade de Jesus, foi ficando gradativamente desacreditada. Alguns dos “pais” gregos ainda aderiam a ela, apesar de explicitamente repudiada pro Atanásio e Teodoreto. Na igreja latina, os principais teólogos apoiavam, diversamente, a dupla divisão da natureza humana. Foi especificamente a psicologia de Agostinho que deu proeminência a este modo de ver. Durante a Idade Média, tornou-se objeto de crença comum. A Reforma não trouxe mudança alguma, quanto a isso, conquanto uns poucos luminares menores defendessem a teoria tricotômica. A Igreja Católica Romana aderiu ao veredicto do escolasticismo, mas nos círculos do protestantismo ouviram-se outras vozes. Durante o século dezenove a tricotomia foi revivida numa ou noutra forma por certos teólogos alemães e ingleses, como Roos, Olshausen, Beck, Delitzsch, Auberlen, Oehler, White e Heard; mas não encontrou muito apoio no mundo teológico. Os recentes advogados dessa teoria não concordam quanto à natureza da psyque, nem quanto à sua relação com os outros elementos da natureza humana. Delitzsch a concebe como uma exaltação do pneuma, enquanto que Beck, Oehler e Heard a consideram como o ponto de união entre o corpo e o espírito. Delitzsch não é bem coerente e ocasionalmente parece oscilar, e Beck e Oehler admitem que a descrição bíblica do homem é fundamentalmente dicotômica. Dificilmente se pode dizer que a sua defesa de uma tricotomia implica a existência de três elementos distintos no homem. Além dessas duas concepções teológicas, houve também, principalmente no último século e meio, os conceitos filosóficos do materialismo absoluto e do idealismo absoluto, aquele sacrificando a alma em favor do corpo, e este, o corpo em favor da alma. 2. OS ENSINAMENTOS DA ESCRITURA SOBRE OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA NATUREZA HUMANA. A exposição geral da natureza do homem na Escritura é claramente dicotômica. De um lado, a Bíblia nos ensina a ver a natureza do homem como uma unidade, e não como uma dualidade consistente de dois elementos diferentes, cada um dos quais movendo-se ao longo de linhas paralelas em realmente unir-se para formar um organismo único. A idéia de um simples paralelismo entre os dois elementos da natureza humana, encontrada na filosofia grega e também nas obras de alguns filósofos posteriores, é inteiramente alheia à Escritura. Embora reconhecendo a complexa natureza humana, ela nunca a expõe como redundando num duplo sujeito no homem. Cada ato do homem é visto como um ato do homem todo. Não é a alma, e sim, o homem, corpo e alma, que é redimido em Cristo. Esta unidade já acha expressão na passagem clássica do Velho Testamento – a primeira passagem a indicar a complexa natureza do homem – a saber, Gn 2.7: “Então formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”. A passagem toda trata do homem: “Formou o Senhor Deus ao homem... e o homem passou a ser alma vivente”. Esta obra realizada por Deus não deve ser interpretada como um processo mecânico, como se Ele tivesse formado primeiro o corpo do homem e depois tivesse posto nele uma alma. Quando Deus formou o corpo, formou-o d modo que, pelo sopro do Seu Espírito Santo, o homem se tornou imediatamente alma vivente, Jó 33.4; 32.8. A palavra “alma”, em Gn 2.7, não tem o sentido que geralmente lhe atribuímos – sentido deveras alheio ao Velho Testamento – mas denota um ser vivo, e é a descrição do homem completo. Exatamente a mesma expressão hebraica, nephesh hayyah (alma ou ser vivente) é aplicada também aos animais em Gn 1.21, 24, 30. Assim, esta passagem, embora indicando que há dois elementos no homem, dá ênfase, porém, a unidade orgânica do homem. Ao mesmo tempo, ela contém igualmente provas da composição dual da natureza. Contudo, devemos acautelar-nos quanto a esperar ver no Velho Testamento a distinção posterior entre o corpo, como o elemento material, e a alma, como o elemento espiritual da natureza humana. Esta distinção entrou em uso mais tarde, sob a influência da filosofia grega. A antítese – alma e corpo – mesmo em seu sentido neotestamentário, não se acha no velho testamento. De fato, o hebraico não tem uma palavra para o corpo como organismo. A distinção veterotestamentária dos dois elementos da natureza humana é de diferente espécie. Em sua obra sobre A Doutrina Bíblica do Homem, diz Laidlaw: “Vê-se com clareza que a antítese é entre o inferior e o superior, o terreno e o celeste, o animal e o divino. Não se trata tanto de dois elementos, mas de dois fatores que se unem, com uma resultante única e harmoniosa – ‘o homem passou a ser alma vivente’”. É evidente que é essa a distinção presente em Gn 2.7. Cf.também Jó 27.3; 32.8; 33.4; Ec 12.7. Várias palavras são empregadas no Velho Testamento para indicar o elemento inferior do homem ou partes dele, como “carne”, “pó”, “ossos”, “entranha”, “rins”, e também a expressão metafórica de Jó 4.19, “casas de barro”. Há também diversas palavras que indicam o elemento superior, como “espírito”, “alma”, “coração” e “mente”. Tão logo passamos do Velho para o Novo testamento, encontramos as expressões antitéticas com que estamos mais familiarizados, como “corpo e alma”, “carne e espírito”. As palavras gregas correspondentes foram, sem dúvida, moldadas pelo pensamento filosófico grego, mas passaram para o Novo testamento por intermédio da Septuaginta e, portanto, retiveram a sua ênfase veterotestamentária. Ao mesmo tempo, a idéia antitética do material e o imaterial atualmente se liga a elas. Os tricotomistas procuram suporte no fato de que a Bíblia, como eles a vêem, reconhece duas partes constitutivas da natureza humana em acréscimo ao elemento inferior ou material, a saber, a alma (hebraico, nephesh; grego, psyque) e o espírito (hebraico, ruah; grego, pneuma ). Mas o fato de serem empregados esses termos com grande freqüência na escritura não dá base para a conclusão de que designam partes componentes, em vez de aspectos diferentes da natureza humana. Um cuidadoso estudo da Escritura mostra claramente que ela emprega as palavras umas pelas outras, em permuta recíproca. Ambos os termos indicam o elemento superior ou espiritual do homem, vendo-o, porém, de diferentes pontos de vista. Contudo, é preciso mostrar logo de início que a distinção que a Escritura faz entre os dois não concorda com o que é mais comum na filosofia, de que a alma é o elemento espiritual do homem, conforme se relaciona com o mundo animal, enquanto que o espírito é aquele mesmo elemento em sua relação com o mundo espiritual superior, e com Deus. Os seguintes fatos militam contra essa distinção filosófica: Ruah-pneuma, bem como nephesh-psyque, são empregados com referência à criação animal inferior, Ec 3.21; Ap 16.3. A palavra psyque é empregada até com referencia a Jeová, Is 42.1; Jr 9.9; Am 6.8 (texto hebraico); Hb 10.38. Os mortos desencarnados são chamados psyqai,Ap 6.9; 20.4. Os mais elevados exercícios da religião são atribuídos à psyque, Mc 12.30; Lc 1.46; Hb 6.18, 19; Tg 1.21. Perder a psyque é perder tudo. É mais que evidente que a Bíblia emprega as duas palavras uma pela outra, permutando-as reciprocamente. Observa-se o paralelismo em Lc 1.46, 47: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador”. A fórmula escriturística para designar o homem é, nalgumas passagens, “corpo e alma”, Mt 6.25;* 10.28; e noutras, “corpo e espírito”,** Ec 12.7; 1 Co 5.3, 5. Às vezes a morte é descrita como a entrega da alma, Gn 35.18; 1 Rs 17.21; At 15.26;*** e também como a entrega do espírito, Sl 31.5; Lc 23.46; At 7.59. Além disso, tanto “alma” como “espírito”são empregados para designar o elemento imaterial do homem, 1 Pe 3.19; Hb 12.23; Ap 6.9; 20.4. A principal distinção feita pela Escritura é como segue: a palavra “espírito”designa o elemento espiritual do homem como o princípio de vida e ação que domina e dirige o corpo; ao passo que a palavra “alma” denomina o mesmo elemento como o sujeito da ação no homem e, portanto, muitas vezes é empregada em lugar do pronome pessoal no Velho Testamento, Sl 10.1, 2; 104.1; 146.1; Is 42.1; cf, também Lc 12.19. Em diversos casos, designa mais especificamente a vida interior como a sede dos sentimentos. Isso tudo está em completa harmonia com Gn 2.7, “o Senhor Deus...lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”. Assim, pode dizer que o homem tem espírito, mas é alma. Portanto, a Bíblia indica dois, e somente dois, elementos constitutivos da natureza humana, a saber, corpo e espírito ou alma. Esta descrição escriturística harmoniza-se também com a consciência própria do homem. Enquanto que o homem tem consciência do fato de que consiste de um elemento material e de um elemento espiritual, nenhum homem tem consciência de possuir alma em distinção do espírito. Há, porém, duas passagens que parecem estar em conflito com a usual descrição dicotômica da escritura, a saber, 1 Ts 5.23, “O mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”; e Hb 4.12, “porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas e apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração”. Deve-se notar, porém, que: (a) É boa regra de exegese que as afirmações excepcionais sejam interpretadas à luz da analogia Scripturae, ou seja, da apresentação usual da Escritura. Em vista deste fato, alguns dos defensores da tricotomia admitem que essas passagens não provam necessariamente a posição deles. (b) A simples menção dos termos espírito e alma um ao lado do outro não prova que, segundo a escritura, são duas substâncias distintas, como também Mt 22.37 não prova que Jesus Considerava o coração, a alma e o entendimento como três substâncias distintas. (c) Em 1 Ts 5.23 o apóstolo deseja simplesmente fortalecer a afirmação: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo”, com uma declaração epizegética,**** na qual se resumem os diferentes aspectos da existência do homem, e na qual o apóstolo se sente perfeitamente livre para mencionar os termos alma e espírito um ao lado do outro, porque a Bíblia distingue entre ambos. Ele não poderia ter pensado na alma e no corpo como duas substâncias diferentes, porquanto noutros lugares da Escritura diz ele que o homem consiste de duas partes, Rm 8.10; 1 Co 5.5; 7.34; 2 Co 7.1; Ef 2.3; Cl 2.5. (d) Hb 4.12 não deve ser entendido no sentido de que a palavra de Deus, penetrando no íntimo do homem, faz separação entre a sua alma e o seu espírito, o que naturalmente implicaria que são dias substâncias diferentes; mas simplesmente no sentido de uma declaração de que ela produz uma separação entre os pensamentos e as intenções do coração. 3. RELAÇÃO MÚTUA DO CORPO E DA ALMA. A exata relação mútua do corpo e da alma tem sido exposta de várias maneiras, mas em grande medida continua sendo um mistério. As seguintes são as teorias mais importantes relativas a este ponto: a. Teorias monistas. São as que partem do pressuposto de que o corpo e a alma são da mesma substância primitiva. De acordo com o materialismo, essa substância primitiva é a matéria, e o espírito é um produto da matéria. E de acordo com o idealismo absoluto e com o espiritualismo, a substância primitiva é o espírito, e este se torna objetivo para si mesmo no que se chama matéria. A matéria é um produto do espírito. A objeção a esse conceito monista é que coisas tão diferentes como o corpo e a alma não podem ser extraídas uma da outra. b. Teoria dualistas. Algumas teorias partem do pressuposto de que existe uma dualidade essencial de matéria e espírito, e apresentam as suas relações mútuas de várias maneiras: (1) Ocasionalismo. Segundo esta teoria, sugerida por Cartésio, a matéria e o espírito operam cada um de acordo com leis peculiares a cada qual, e essas leis são tão diferentes que não há possibilidade de ação conjunta. O que se parece com isso só pode ser explicado com base no princípio de que, por ocasião da ação de um desses elementos, Deus, por Sua atividade direta, produz uma ação correspondente no outro. (2) Paralelismo. Leibnitz propôs a teoria da harmonia pré-estabelecida. Isto baseia-se também na pressuposição de que não há direta interação entre o material e o espiritual, mas não presume que Deus produz, o que é evidente, ações conjuntas mediante interferência contínua. Em vez disso, a teoria sustenta que Deus fez o corpo e a alma de modo tal, que um corresponde perfeitamente ao outro. Quando se dá um movimento no corpo, há um movimento correspondente na alma, de acordo com certa lei da harmonia pré-estabelecida. (3) Dualismo realista. Os fatos simples aos quais temos sempre que retornar e que estão incorporados na teoria do dualismo realista, são os seguintes: O corpo e a alma são substancias distintas, que de fato interagem, embora o seu modo de interação escape ao exame humano e continue sendo um mistério para nós. A união entre os dois elementos pode ser chamada união de vida: os dois se relacionam organicamente, a alma agindo sobre o corpo e o corpo sobre a alma. Algumas das ações do corpo são dependentes da operação consciente da alma, enquanto que outras não. As operações da alma estão ligadas ao corpo, como seu instrumento na vida presente; mas, a julgar pela continuidade da existência e da atividade conscientes da alma, pode-se concluir que ela pode agir sem o corpo. Este modo de ver certamente está em harmonia com as exposições bíblicas sobre este ponto. Grande parte da psicologia dos dias atuais está se movendo decididamente rumo ao materialismo. Sua modalidade mais extremista vê-se no behaviorismo, com a sua negação da alma, da mente e até mesmo da consciência. Tudo que essa corrente deixa como objeto de estudo é o comportamento humano. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 187)

A Origem da Alma no Indivíduo

1. CONCEITOS HISTÓRICOS SOBRE S ORIGEM DA ALMA. A filosofia grega dedicou considerável atenção ao problema da alma humana e não deixou de fazer sentir a sua influencia na teologia cristã. A natureza, a origem e a existência permanente da alma eram objetos de consideração. Platão cria na preexistência e na transmigração da alma. Na Igreja primitiva a doutrina da preexistência da alma limitava-se praticamente à escola Alexandrina. Orígenes foi o principal representante dessa idéia e a combinava com a noção de uma queda pré-temporal. Logo apareceram dois outros conceitos e se provaram muito mais populares nos círculos cristãos: o criacionismo e o traducionismo. A teoria do criacionismo sustenta que Deus cria uma nova alma por ocasião do nascimento de cada indivíduo. Foi a teoria dominante na igreja oriental, e também encontrou alguns defensores no Ocidente. Jerônimo e Hilário de Pictávio foram os seus representantes mais proeminentes. Na igreja ocidental o traducionismo aos poucos foi ganhando terreno. De acordo com este conceito, a alma do homem, como o corpo, origina-se mediante reprodução. Geralmente se funde com a teoria realista de que a natureza humana, em sua inteireza, foi criada por Deus e crescentemente se individualiza, à medida que a raça humana se multiplica. Tertuliano foi o primeiro a expor a teoria do traducionismo e esta, sob a influência dele, continuou a obter apoio nas igrejas norte-africana e ocidental. Parecia adequar-se melhor à doutrina da transmissão do pecado que era comum naqueles círculos. Para Leão, o Grande, ela constituía o ensino da fé católica. No Oriente não foi bem acolhida. Agostinho hesitou entre as duas teorias.* Alguns dos escolásticos mais antigos mostravam-se um tanto indecisos, embora considerassem o criacionismo a mais provável das duas; mas com o correr do tempo, tornou-se consenso de opinião entre os teólogos que as almas individuais são criadas. Diz Pedro Lombardo: “A igreja ensina que as almas são criadas quando de sua infusão no corpo”. E Tomaz de Aquino foi mais longe, ao dizer: “É heresia dizer que a alma intelectual é transmitida por meio de geração”. Este ficou sendo o conceito dominante na Igreja Católica Romana. Desde os dias da Reforma, há diferença de opinião entre os protestantes. Lutero expressou-se em favor do traducionismo, e este tornou a opinião dominante na Igreja Luterana. Calvino, por outro lado, apoiou decididamente o criacionismo. Diz ele, em seu comentário de Gn 3.16: “Tampouco é necessário lançar mão da antiga ficção de certos escritores, de que as almas são derivadas por descendência dos nossos primeiros pais”. Desde a época da reforma, tem sido sempre esta opinião comum nos círculos reformados (calvinistas). Não significa que não há exceções à regra. Jonathan Edwards e Hopkins, na teologia da Nova Inglaterra, favoreciam o traducionismo. Júlio Mueller, em sua obra sobre A Doutrina Cristã do pecado (The Christian Doctrine of Sin), exibe um argumento em favor da preexistência da alma, ligado ao da queda pré-temporal, a fim de explicar a origem do pecado. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 188)

PREEXISTENCIALISMO

Alguns teólogos especulativos, dentre os quais Orígenes, Scotus Erígena e Júlio Mueller são os mais importantes, defendiam a teoria de que as almas dos homens existiam num estado anterior, e que certas ocorrências naquele primeiro estado explicam a condição em que essas almas se acham agora. Orígenes vê a atual existência material do homem, com todas as suas desigualdades e irregularidades morais e físicas, como um castigo pelos pecados cometidos numa existência anterior. Scotus Erígena também sustenta que o pecado deu entrada no mundo da humanidade no estado pré-temporal, e que, portanto, o homem começa a sua carreira na terra como pecador. E Júlio Mueller recorre à teoria, com o fim de conciliar as doutrinas da universalidade do pecado e da culpa individual. Segundo ele, cada pessoa necessariamente deve ter cometido pecado voluntário naquela existência anterior. Essa teoria expõe-se a várias objeções: (a) É absolutamente vazia de bases bíblicas e filosóficas e, pelo menos nalgumas de suas formas, baseia-se no dualismo de matéria e espírito como ensinado na filosofia pagã, fazendo da ligação da alma com o corpo uma punição para a alma. (b) Faz realmente do corpo uma coisa acidental. A alma estava inicialmente sem o corpo, recebendo-o posteriormente. O homem era completo sem o corpo. Isto elimina virtualmente a distinção entre o homem e os anjos. (c) Destrói a unidade da raça humana, pois presume que todas as almas individuais existiam muito antes de entrarem na vida presente. Elas não constituem uma raça. (d) Não acha suporte na consciência do homem. O homem absolutamente não tem consciência de uma tal existência anterior; tampouco sente que o corpo é uma prisão ou um lugar de punição para a alma. De fato, ele teme a separação de corpo e alma como uma coisa antinatural. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 188)

TRADUCIONISMO

De acordo com o traducionismo, as almas dos homens são reproduzidas juntamente com os corpos pela geração natural e, portanto, são transmitidas pelos pais aos filhos. Na Igreja primitiva Tertuliano, Rufino, Apolinário e Gregório de Nissa eram traducionistas. Desde os dias de Lutero o traducionismo tem sido o conceito geralmente aceito pela Igreja Luterana. Entre os reformados (calvinistas), tem o apoio de H.B. Smith e Shedd. A. H. Strong também tem preferência por ele. a. Argumentos em favor do traducionismo. Vários argumentos são aduzidos em favor dessa teoria. (1) Alega-se que é favorecida pela descrição bíblica segundo a qual (a) Deus uma única vez soprou nas narinas no homem o fôlego de vida, e depois deixou que o homem reproduzisse a espécie, Gn 1.28; 2.7; (b) a criação da alma de Eva estava incluída na de Adão, desde que se diz que ela foi feita “do homem” (1 Co 11.8), e nada se diz acerca da criação da sua alma, Gn 2.23; (c) Deus cessou a obra de criação depois de haver feito o homem, Gn 2.2; e (d) afirma-se que os descendentes estão nos lombos* dos seus pais, Gn 46.26; Hb 7.9,10. Cf. também passagens como Jô 3.6; 1.13; Rm 1.3; At 17.26. (2) tem o apoio da analogia da vida vegetal e animal, em que o aumento numérico é assegurado, não por um número continuadamente crescente de criações imediatas, diretas, mas pela derivação natural de novos indivíduos de um tronco paterno. Cf., porém, Sl 104.30. (3) A teoria procura também apoio na herança de peculiaridades mentais e tipos familiais, tantas vezes tão notórios e notáveis como semelhanças físicas, que não podem ser explicados pela educação ou pelo exemplo, desde que se evidenciam mesmo quando seus pais não vivem para criar os seus filhos. (4) Finalmente, ela parece oferecer a melhor base par a explicação da herança da depravação moral e espiritual, que é assunto da alma, e não do corpo. É muito comum combinar o traducionismo com a teoria realista para explicar o pecado original. b. Objeções ao traducionismo. Diversas objeções podem ser levantadas contra essa teoria. (1) É contrária à doutrina filosófica da simplicidade da alma. A alma é uma substância puramente espiritual que não admite divisão. A reprodução da alma pareceria implicar que a alma do filho se separa de algum modo da alma dos pais. Além disso, levanta-se a questão se ela se origina da alma do pai ou da mãe. Ou provém de ambos? Sendo assim, não é um composto? (2) para evitar a dificuldade recém-mencionada, esse conceito tem que recorrer a uma destas três teorias: (a) que a alma da criança teve uma existência anterior, uma espécie de preexistência; (b) que a alma está potencialmente presente na semente do homem ou da mulher ou de ambos, o que é materialismo; ou (c) que a alma é produzida, isto é, criada de algum modo pelos pais, o que faz deles criadores, em certo sentido. (3) O traducionismo parte do pressuposto de que, depois da criação original, deus só age mediatamente. Depois dos seis dias da criação a Sua obra criadora cessou. A contínua criação de almas, diz Delitzsch, é incoerente com a relação de Deus com o mundo. Pode-se, porém, levantar a questão: Que será, então, da doutrina da regeneração, que não é efetuada por causas secundárias? (4) Geralmente se alia à teoria do realismo, uma vez que é o único modo pelo qual pode explicar a culpa original. Fazendo isso, afirma a unidade numérica da substância de todas as almas humanas, posição insustentável; e também deixa de dar uma resposta satisfatória à questão, por que os homens são responsabilizados somente pelo primeiro pecado de Adão, e não pelos seus pecados subseqüentes, nem pelos pecados dos seus outros antepassados. (5) Finalmente, na forma imediatamente acima indicada, a teoria leva a dificuldades insuperáveis na cristologia. Se em Adão a natureza humana pecou globalmente, e esse pecado foi, portanto, o verdadeiro pecado de cada parte dessa natureza humana, não se pode fugir à conclusão de que a natureza humana de Cristo também foi pecadora e culpada, porque teria pecado de fato em Adão. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 190)

CRIACIONISMO

Para este modo de ver, cada alma individual deve ser considerada como uma imediata criação de deus, devendo a sua origem a um ato criador direto, cuja ocasião não se pode determinar com precisão. A alma é, supostamente, uma criatura pura, mas unida a um corpo depravado. Não significa necessariamente que a alma é criada primeiro. Separadamente do corpo, corrompendo-se depois pelo contato com o corpo, o que pareceria pressupor que o pecado é algo físico. Pode simplesmente significar que a alma, conquanto chamada à existência por um ato criador de deus, é, contudo, pré-formada na vida física do feto, isto é, na vida dos pais e, assim, adquire a sua vida não acima e fora daquela complexidade de pecado que pesa sobre toda a humanidade, mas debaixo dessa complexidade e nela. a. Argumentos em favor do criacionismo. São as seguintes, as mais importantes considerações em favor dessa teoria: (1) É mais coerente com as descrições gerais da Escritura, que o traducionismo. O relato original da criação indica marcante distinção entre a criação do corpo e a da alma. Aquele é tomado da terra, ao passo que esta vem diretamente de Deus. Esta distinção se mantém através de toda a Bíblia, onde o corpo e a alma não somente são apresentados como substâncias diferentes, mas também como tendo origens diferentes, Ec 12.7; Is 42.5; Zc 12.1; Hb 12.9. Cf. Nm 16.22. Da passagem de Hebreus, mesmo Delitzch, apesar de traducionista, diz: “Dificilmente poderá haver um texto-prova mais clássico em favor do criacionismo”. (2) É claramente mais coerente com a natureza da alma humana, que o traducionismo. A natureza imaterial e espiritual e, portanto indivisível, da alma do homem, geralmente admitida por todos os cristãos, é expressamente reconhecida pelo criacionismo. Por outro lado, o traducionismo defende uma derivação da essência que, como geralmente se admite, necessariamente implica separação ou divisão da essência. (3) Evita os perigos latentes que corre o traducionismo na área da cristologia, e faz maior justiça à descrição escriturística da pessoa de Cristo. Ele foi verdadeiro homem, possuindo verdadeira natureza humana, corpo real e alma racional, nasceu de mulher, fez-se semelhante a nós em todos os pontos – e, todavia, sem pecado. Diversamente de todos os outros homens, Ele não participou da culpa e corrupção da transgressão de Adão. Isso foi possível porque Ele não compartiu a mesma essência numérica que pecou em Adão. b. Objeções ao criacionismo. O criacionismo expõe-se às seguintes objeções: (1) A objeção mais séria é exposta por Strong com as seguintes palavras: “Se essa teoria admite que a alma era possuída originalmente de tendências depravadas, faz de Deus o autor direto do mal moral; se ela sustenta que a alma foi criada pura, faz de Deus indiretamente o autor do mal moral, ensinando que Ele introduz essa alma pura num corpo que inevitavelmente a corromperia”. Esta é, indubitavelmente, uma séria dificuldade, e geralmente é considerada como o argumento decisivo contra o criacionismo. Agostinho já tinha chamado a atenção para o fato de que o criacionista devia procurar evitar este risco. Deve-se ter em mente, porém, que, ao contrário do traducionista, o criacionista não considera o pecado original inteiramente como matéria de herança. Os descendentes de Adão são pecadores, não como resultado de serem postos em contato com um corpo pecaminoso, mas em virtude do fato de que Deus lhes imputa a desobediência original de Adão. E é por essa razão que Deus retira deles a justiça original, seguindo-se naturalmente a corrupção do pecado. (2) O criacionismo considera que o pai terreno gera somente o corpo do seu filho – certamente não a parte mais importante da criança – e, portanto, não explica o reaparecimento das características morais e mentais dos pais nos filhos. Além disso, por tomar esta posição, ele atribui aos animais irracionais poderes de reprodução mais nobres que ao homem, pois o animal se multiplica segundo sua espécie. A última consideração não tem muita importância. E no concernente às semelhanças morais e mentais de pais e filhos, não é preciso supor necessariamente que essas semelhanças só podem ser explicadas com base na hereditariedade. Nosso conhecimento da alma ainda é muito deficiente, para falarmos com absoluta segurança sobre este ponto. Mas essas semelhanças podem achar explicação, em parte no exemplo dos pais, em parte na influência do corpo, sobre a alma, e em parte no fato de que Deus não cria todas as almas igualmente, mas em cada caso particular cria uma alma adaptada ao corpo ao qual se unirá, e ao complexo relacionamento em que será introduzida. (3) O criacionismo não está em harmonia com a relação atual de Deus com o mundo e com a Sua maneira de agir nele, visto ensinar uma atividade criadora direta de Deus, e assim ignora o fato de que Deus presentemente age por meio de causas secundárias e cessou Sua obra criadora. Esta objeção não é muito grave para os que não têm uma concepção deísta do mundo. É uma pressuposição gratuita, dizer que Deus cessou a Sua atividade criadora no mundo. 5. OBSERVAÇÕES FINAIS. a. Requer-se cautela ao falar sobre este assunto. Deve-se admitir que os argumentos de ambos os lados são muito equilibrados, apresentando peso igual. Em vista deste fato, não é surpreendente que Agostinho tenha achado difícil fazer uma escolha entre os dois. A Bíblia não faz nenhuma afirmação direta a respeito da origem da alma do homem, exceto no caso de Adão. As poucas passagens da Escritura aduzidas em favor de uma teoria ou da outra, dificilmente podem ser chamadas conclusivas num ou noutro caso. E, uma vez que não temos claro ensino da Escritura sobre o ponto em questão, é necessário falar com cautela sobre o assunto. Não pretendamos sabedoria acima daquilo que está escrito. Vários teólogos são de opinião que há um elemento de verdade nestas duas teorias, que se deve reconhecer. Dorner mesmo sugere a idéia de que cada uma das três teorias discutidas representa um aspecto da verdade completa: “O traducionismo, consciência genérica; o preexistencialismo, consciência própria, ou o interesse da personalidade como um pensamento divino, eterno e separado; o criacionismo, consciência de Deus”. b. Alguma forma de criacionismo merece preferência. Parece-nos que o criacionismo merece preferência porque (1) não encontra a insuperável dificuldade filosófica que pesa sobre o traducionismo; (2) evita os erros cristológicos que o traducionismo envolve; e (3) harmoniza-se mais com a nossa idéia de aliança. Ao mesmo tempo, estamos convencidos de que a atividade criadora de Deus originando almas humanas deve ser entendida como estando mais estreitamente ligada ao processo natural da geração de novos indivíduos. O criacionismo não tem a pretensão de poder eliminar todas as dificuldades, mas, ao mesmo tempo, serve de advertência contra os seguintes erros: (1) que a alma é divisível; (2) que todos os homens são numericamente da mesma substância; e (3) que Cristo assumiu a mesma natureza numérica que caiu em Adão. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 192)

O Homem Como a Imagem de Deus

A. Conceitos Históricos da Imagem de Deus no Homem. De acordo com a Escritura, o homem foi criado à imagem de Deus e, portanto, tem relação com Deus. Traços desta verdade acham-se na literatura pagã. Paulo assinalou aos atenienses que alguns dos seus poetas falam do homem como geração de Deus, At 17.28. Os primeiros “pais da igreja” concordavam plenamente que a imagem de Deus, nos homens consistia primordialmente de características racionais e morais do homem, e em sua capacidade para a santidade; mas alguns se inclinavam a incluir também as características corporais. Irineu e Tertuliano traçaram uma distinção entre a “imagem” e a “semelhança” de Deus, vendo a primeira nas características corporais, e a última na natureza espiritual do homem. Clemente de Alexandria e Orígenes, porém, rejeitaram a idéia de qualquer analogia corporal e sustentavam que a palavra “imagem” indica as características do homem como tal, e a palavra “semelhança”, qualidades não essenciais do homem, mas que podem ser cultivadas ou perdidas. Esta idéia encontra-se também em Atanásio, Hilário, Ambrósio, Agostinho e João de Damasco. Segundo Pelágio e seus seguidores, a imagem consistia apenas em que o homem foi dotado de razão, para que pudesse conhecer a Deus; de livre arbítrio, para que fosse capaz de escolher o bem e praticá-lo; e do necessário poder governar a criação inferior. A distinção já feita por alguns dos primeiros “pais da igreja” entre a imagem e a semelhança da Deus foi mantida pelos escolásticos, embora nem sempre expressa do mesmo modo. Concebia-se que a imagem incluía as faculdades intelectuais da razão e da liberdade, e que a semelhança consistia da justiça original. A isto acrescentou-se outro ponto de distinção, a saber, a distinção entre a imagem de Deus como dom natural ao homem, algo pertencente à própria natureza do homem como tal, e a semelhança de Deus, ou a justiça original como dom sobrenatural, que servia de controle da natureza inferior do homem. Havia uma diferença de opinião quanto a se o homem foi dotado dessa justiça original logo na criação, ou se a recebeu mais tarde como recompensa por sua obediência temporária. Era essa justiça original que capacitava o homem a merecer a vida eterna. Os reformadores rejeitaram a distinção entre a imagem e a semelhança, e consideravam a justiça original como incluída na imagem de Deus e como pertencem à própria natureza do homem em sua condição originaria. Contudo, havia uma diferença de opinião entre Lutero e Calvino. Aquele não buscava a imagem de Deus em nenhum dos dons naturais do homem, tais como as suas faculdades racionais e morais, mas, sim, exclusivamente na justiça original e, portanto, considerava a imagem como inteiramente perdida devido ao pecado. Calvino, por outro lado, expressa-se como segue, após afirma que a imagem de Deus abrange tudo aquilo em que a natureza do homem sobrepuja a de todas as outras espécies de animais: ‘Por conseguinte, com esta expressão (‘imagem de Deus’) indica-se a integridade de que Adão foi dotado quando o seu intelecto era límpido, as suas emoções estavam subordinadas à razão, todos os seus sentidos eram regulados devidamente, e quando ele verdadeiramente atribuía toda a sua excelência aos admiráveis dons do seu Criador. E conquanto a sede primaria da imagem divina estivesse na mente e no coração, ou na alma e suas faculdades, não havia parte nenhuma, mesmo no corpo, em que não fulgissem alguns raios de glória”. Ela incluía tanto os dotes naturais como aquelas qualidades espirituais designadas como justiça original, isto é, real conhecimento, justiça e santidade. A imagem foi contaminada pelo pecado, mas somente essas qualidades espirituais foram totalmente perdidas. Os socinianos e alguns dos arminianos mais antigos ensinavam que a imagem de Deus consistia somente do domínio do homem sobre a criação inferior. Schleiermacher rejeitou a idéia de um estado original de integridade e de justiça original como uma doutrina necessária. Desde que, como ele o vê, a perfeição moral ou a justiça e santidade só podem ser resultado de desenvolvimento, considera uma contradição de termos falar do homem como criado num estado de justiça e santidade. Dai, a imagem de Deus no homem só pode ser uma certa receptividade para com o divino, uma capacidade de responder ao ideal divino e de crescer rumo à semelhança de Deus. Teólogos modernos ha que, como Martensen e Kaftan, seguem essa linha de pensamento. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 194)

Dados Bíblicos a Respeito da Imagem de Deus no Homem

Os ensinamentos da Escritura a respeito da imagem de Deus no homem dão base para as seguintes afirmações: 1. As palavras “imagem” e “semelhança” são empregadas como sinônimos e uma pela outra e, portanto, não se referem a duas coisas diferentes. Em Gn 1.26 são empregadas as duas palavras, mas no versículo 27, somente a primeira delas. É evidente que esta é considerada suficiente para expressar a idéia completa. Em Gn 5.1 só ocorre a palavra “semelhança”, mas no versículo 3 desse capitulo acham-se de novo ambos os termos. Gn 9.6 contem somente a palavra “imagem” como uma expressão completa da idéia. Volvendo ao Novo Testamento, vemos as palavras “imagem” e “glória” empregadas em 1 Co 11.7, somente “imagem” em Cl 3.10, e só “semelhança” em Tg 3.9 Evidentemente, os dois termos são empregados um pelo outro na Escritura. Naturalmente, isto implica que o homem foi deveras criado também à semelhança de Deus, e que esta semelhança não é algo de que ele foi revestido mais tarde. A opinião geral é que a palavra “semelhança” foi acrescentada à palavra “imagem” para expressar a idéia de que a imagem era uma imagem muito semelhante, perfeita. A idéia é que, pela criação, aquilo que é arquetípico em Deus tornou-se ectípico no homem. Deus é o original do qual o homem foi feito uma cópia. Isto significa, é claro, que o homem não só leva a imagem de Deus, mas é Sua própria imagem. Isso é dito com clareza em 1 Co 11.7, mas não significa que não se pode dizer também que ele leva a imagem de Deus, cf. 1 Co 15.49. Alguns há que têm considerado a mudança de preposições em Gn 1.26 “á nossa imagem, conforme a nossa semelhança”, como significativa. O próprio Böhl baseou nisso a idéia de que criados à imagem como uma esfera, mas isso não tem fundamento algum. Enquanto que o primeiro sentido da preposição hebraica be (traduzida aqui por “à”) é indubitavelmente “em”, evidentemente pode ter também o mesmo sentido da preposição le (aqui traduzida por “conforme”), e é evidente que tem esse sentido aqui. Observe-se que se diz que somos renovados ou refeitos “segundo a imagem” de Deus, em Cl 3.10; e também que as preposições empregadas em Gn 1.26 ao invertidas em Gn 5.3. 2. A imagem de Deus segundo a qual o homem foi criado, certamente inclui o que geralmente se denomina “justiça original”, ou mais especificamente, verdadeiro conhecimento, justiça a santidade. Diz-nos a Bíblia que Deus fez o homem muito bem, Gn 1.31 (“muito bom”) e “reto”, Ec 7.29. O Novo Testamento indica muito especificamente a natureza da condição original do homem onde fala do homem sendo refeito em Cristo, isto é, como sendo levado de volta a uma condição anterior. É evidente que a condição à qual ele é restaurado em Cristo não é de neutralidade, nem boa nem má, na qual a vontade esta num estado de perfeito equilíbrio, mas, sim, um estado de verdadeiro conhecimento, Cl 3.10, justiça e santidade, Ef 4.24. Estes três elementos constituem a justiça original perdida por causa do pecado, mas reconquista em Cristo. Pode-se-lhe chamar imagem moral de Deus, ou imagem de Deus no sentido mais restrito da palavra. A criação do homem segundo esta imagem moral implica que a condição original do homem era de santidade positiva, e não um estado de inocência ou de neutralidade moral. 3. Mas não se deve restringir a imagem de Deus ao conhecimento, à justiça e à santidade originais, perdidos devido ao pecado; ela inclui também elementos que pertencem à constituição natural do homem. São elementos que pertencem ao homem como tal, como as faculdades intelectuais, os sentimentos naturais e a liberdade moral. Como um ser cria do à imagem de Deus, o homem tem uma natureza racional e moral, que não perdeu com o pecado e que não poderia perder sem deixar de ser o homem. Esta parte da imagem de Deus de fato foi corrompida pelo pecado, mas ainda permanece no homem, mesmo depois de sua queda no pecado. Note-se que o homem, mesmo após a queda, independentemente da sua condição espiritual, é apresentado como imagem de Deus, Gn 9.6; 1 Co 11.7; Tg 3.9. Deve-se a atrocidade do crime de homicídio ao fato de que é uma agressão à imagem de Deus. À luz destas passagens da Escritura, não há base para dizer que o homem perdeu completamente a imagem de Deus. 4. Outro elemento freqüentemente incluído na imagem de Deus é o da espiritualidade. Deus é espírito, e é simplesmente natural esperar que este elemento de espiritualidade também ache expressão no homem como imagem de Deus. E que é assim, já vem indicado na narrativa da criação do homem. Deus “lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”, Gn 2.7. O “fôlego de vida” (ou “sopro de vida”) é o principio da sua vida, e a “alma vivente” é a própria existência do homem, o seu ser. A alma está unida e adaptada a um corpo, mas também pode, se necessário, existir sem o corpo. Em vista disso, podemos falar do homem como ser espiritual e também, nesse sentido, como imagem de Deus. Neste contexto, pode-se levantar a questão se o corpo do homem também constitui uma parte da imagem. E, ao que parece, está questão deve ser respondida afirmativamente. Diz a Bíblia que o homem – não apenas a alma do homem – foi criado à imagem de Deus, e o homem, a “alma vivente”, não é completo sem o corpo. Alem disso, a Bíblia apresenta o assassínio como destruição do corpo, Mt 10.28, e também como destruição da imagem de Deus no homem, Gn 9.6. Não precisamos procurar a imagem na substância material do corpo; acha-se ela, antes, no corpo visto como o instrumento próprio para auto-expressão da alma. Mesmo o corpo está destinado a tornar-se no fim um corpo espiritual, isto é, um corpo totalmente dominado pelo espírito, um instrumento perfeito da alma. 5. Outro elemento da imagem de Deus ainda, é a imortalidade. Diz a Bíblia que só Deus tem imortalidade, 1 Tm 6.16, e isto pareceria excluir a idéia da imoralidade humana. Mas é mais que evidente, pela Escritura, que o homem também é imortal, nalgum sentido da palavra. O sentido é que somente Deus tem imortalidade como uma qualidade essencial, tem-na em Si e de Si próprio, ao passo que a imortalidade do homem é uma dádiva, é derivada de Deus. O homem foi criado imortal ano apenas no sentido de que sua alma foi dotada de uma existência interminável, mas também no sentido de que ele não levava dentro de si as sementes da morte física, e em sua condição não estava sujeito à lei da morte. Foi feita a ameaça da morte como punição do pecado, Gn 2.17, e que isso incluía a morte corporal ou física, está patente em Gn 3.9. Paulo nos fala que o pecado trouxe a morte ao mundo, Rm 5.12; 1 Co 15.20, 21, e que morte deve ser considerada como o salário do pecado, Rm 6.23. 6. Há considerável diferença de opinião quanto a se o domínio do homem sobre a criação inferior também fazia parte da imagem de Deus. Não é de admira, em vista do fato de que a Escritura não se expressa explicitamente sobre este ponto. Alguns consideram o domínio em foco simplesmente como um ofício conferido ao homem, e não como parte integrante da imagem. Note-se, porem, que Deus menciona a criação do homem à imagem divina e o seu domínio sobre a criação inferior no mesmo compasso, Gn 1.26. Isto indica a glória e a honra com que o homem é coroado, Sl 8.5, 6. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 196)

O Homem Como a Imagem de Deus

De acordo com a Escritura, a essência do homem consiste em ser ele a imagem de Deus. Como tal, ele se distingue de todas as demais criaturas e se ergue supremo como a cabeça e coroa da criação inteira. A Escritura assevera que o homem foi criado à imagem e conforme a semelhança de Deus, Gn 1.26, 27; 9.6; Tg 3.9, e fala do homem como um ser que é e leva a imagem de Deus, 1 Co 11.7; 15.49. Os termos “imagem” e “semelhança” tem sido distinguido de varias maneiras. Alguns eram de opinião que o termo “imagem” referia-se ao corpo, e o termo “semelhança”, à alma. A gostinho sustentava que o primeiro se referia às faculdades intelectuais da alma, e o ultimo, às faculdades morais. Belarmino considerava a palavra “imagem” como um designativo dos dons naturais do homem, e a palavra “semelhança” como uma descrição daquilo que foi acrescentado sobrenaturalmente ao homem. Ainda outros afirmavam que “imagem” indica a conformidade inata com Deus, e “semelhança”, a adquirida. É muito mais provável, porem, como foi exposto na seção anterior, que ambas as palavras expressem a mesma idéia, e que “semelhança” seja apenas um acréscimo epizegético para designar a imagem como sumamente parecida ou muito semelhante. A idéia expressa pelas duas palavras é a da própria imagem de Deus. A doutrina da imagem de Deus no homem é da maior importância na teologia, pois essa imagem é a expressão daquilo que é mais distinto no homem e em sua relação com Deus. O fato de ser o homem imagem de Deus distingue-o dos animais e de todas as outras criaturas. Quando podemos saber da Escritura, até mesmo os anjos não compartem com os homens essa honra, embora às vezes o assunto seja apresentado como se compartissem. Calvino chega a dizer que “não se pode negar que os anjos também foram criados à semelhança de Deus visto que, como Cristo declara (Mt 22.30), a nossa perfeição suprema consiste em sermos semelhantes a eles”. Mas nessa declaração o grande reformador não leva devidamente em conta o ponto especifico da comparação presente na afirmação de Jesus. Em muitos casos, a suposição de que os anjos também foram criados à imagem de Deus resulta de uma concepção da imagem que a limita às nossas qualidades morais e intelectuais. Mas a imagem inclui também o corpo do homem e seu domínio sobre a criação inferior. Os anjos jamais são apresentados como da criação, mas como espíritos ministradores enviados para servir aos herdeiros da salvação. As mais importantes concepções da imagem de Deus no homem são as que damos a seguir. 1. A CONCEPÇÃO REFORMADA (CALVINISTA). As igrejas reformadas, seguindo as pegadas de Calvino, têm uma concepção da imagem de Deus muito mais compreensiva que as dos luteranos e dos católicos romanos. Entretanto, mesmo eles não concordam quanto ao seu conteúdo exato. Dabney, por exemplo, sustenta que este não consiste de coisa alguma que seja absolutamente essencial à natureza humana pois, neste caso, a perda teria redundado na destruição da natureza do homem; mas, que consiste apenas de algum accidens. Por outro lado, McPherson afirma que ela pertence à natureza essencial do homem, e diz: “A teologia protestante teria evitado muita confusão e muitos requintes doutrinários desnecessários e nada convincentes, se não tivesse ficado embaraçada com a idéia de que tinha a obrigação de definir o pecado como a perda da imagem, ou de algo pertencente à imagem”. Ao que parece, então, os dois teólogos cotados estão em posições irremediavelmente divergentes. Também há outras diferenças em evidência na teologia reformada (calvinista). Alguns limitam a imagem às qualidades morais da justiça e da santidade com as quais o homem foi criado, enquanto outros incluem toda a natureza moral e racional do homem, e ainda outros acrescentam o corpo. Diz Calvino que a verdadeira sede da imagem de Deus está na alma, embora alguns raios da sua glória brilhem também no corpo. Acha ele que a imagem consistia especialmente naquela integridade original da natureza do homem, perdida por causa do pecado, integridade que se revela no verdadeiro conhecimento, justiça e santidade. Ao mesmo tempo ele acrescenta “que a imagem de Deus abrange tudo que na natureza do homem sobrepuja a de todas as outras espécies de animais”. Esta concepção mais ampla da imagem de Deus veio a ser a predominante na teologia reformada (calvinista). Daí dizer Witsius: “A imagem de Deus consistia antecedenter, na natureza espiritual e imortal do homem; formaliter, em sua santidade; consequenter, em seu domínio”. Opinião muito semelhante é expressa por Turretino. Em resumo, pode-se dizer que a imagem de Deus consiste (a) Da alma ou do espírito do homem, isto é, das qualidades de simplicidade, espiritualidade, invisibilidade e imortalidade. (b) Dos poderes ou faculdades psíquicas do homem como um ser racional e moral, a saber, o intelecto e a vontade com as suas funções. (c) Da integridade moral e intelectual da natureza do homem, que se revela no verdadeiro conhecimento, justiça e santidade, Ef 4.24; Cl 3.10. (d) Do corpo, não como substância material, mas como o apto órgão da alma, e que participa da imortalidade desta; e como o instrumento por meio do qual o homem pode exercer domínio sobre a criação inferior. (e) Do domínio do homem sobre a terra. Contrariamente aos socianinos, alguns eruditos reformados foram longe demais na direção oposta, quando consideraram esse domínio com uma coisa não pertencente de modo algum à imagem, mas sim, como o resultado de uma concessão especial de Deus. Em conexão com a questão, se a imagem de Deus pertence à essência do homem propriamente dita, a teologia reformada não hesitou em dizer que ela constitui a essência do homem. Todavia, ela distingue entre os elementos da imagem de Deus que o homem não pode perder sem deixar de ser homem, elementos que consistem das qualidades e poderes da alma humana, e aqueles elementos que o homem pode perder e continuar sendo homem, a saber, as boas qualidades éticas da alma e seus poderes. Neste sentido restrito, a imagem de Deus é idêntica ao que se chama justiça original. É a perfeição moral da imagem que podia ser perdida por causa do pecado, e foi. 2. A CONCEPÇÃO LUTERANA. A concepção da imagem de Deus predominante entre os luteranos difere substancialmente da dos reformados ou calvinistas. Pessoalmente, Lutero às vezes falava como se tivesse uma ampla concepção da imagem, mas, na realidade, seu conceito a respeito era restrito. Conquanto houvesse durante o século dezessete, e ainda hoje os haja, alguns teólogos luteranos com mais ampla concepção da imagem de Deus, a grande maioria deles a restringem às qualidades espirituais das quais o homem foi dotado originariamente, isto é, a chamada justiça original. Agindo assim, eles não reconhecem suficientemente a natureza essencial do homem como distinta da dos anjos, por um lado, e da dos animais, por outro. De posse dessa imagem, os homens são como os anjos, que também a possuem; e em comparação com o que ambos têm em comum, sua diferença é de pequena importância. Por meio do pecado, o homem perdeu inteiramente a imagem de Deus, e o que agora o distingue dos animais tem muito pouca significação religiosa ou teológica. A grande diferença entre aquele e estes está na imagem de Deus, e esta o homem perdeu inteiramente. Em vista disso, também é natural que os luteranos adotem o traducionismo, e assim ensinem que a alma do homem origina-se como a dos animais, isto é, pela procriação. Isso também explica o fato de que os luteranos dificilmente reconhecem a unidade moral da raça humana, mas acentuam enfaticamente a sua unidade física, e a reprodução exclusivamente física do pecado. Barth aproxima-se mais da posição luterana que a da reformada quando busca a imagem de Deus num “ponto de contato” entre Deus e o homem, numa certa conformidade com Deus, e depois afirma que isto não somente foi arruinado, mas até mesmo aniquilado pelo pecado. 3. O CONCEITO CATÓLICO ROMANO. Os católicos romanos não concordam totalmente em sua concepção da imagem de Deus. Limitamo-nos aqui a uma exposição do conceito predominante entre eles. Eles sustentam que, quando da criação, Deus dotou o homem de certos dons naturais, como a espiritualidade da alma, a liberdade da vontade e a imortalidade do corpo. A espiritualidade, a liberdade e a imortalidade são dos naturais e, como tais, constituem a imagem natural de Deus. Além disso, Deus “temperou” (ajustou) os poderes naturais uns junto aos outros, colocando os inferiores na devida subordinação aos superiores. A harmonia assim estabelecida é chamada justitia – justiça natural. Mas, mesmo assim, permaneceu no homem a tendência natural dos apetites e paixões inferiores de rebelar-se contra a autoridade dos poderes superiores da razão e da consciência. Essa tendência, chamada concupiscência, não é pecado em si mesma, mas passa a ser pecado quando recebe o consentimento da vontade e passa à ação voluntária. A fim de capacitar o homem a manter sob controle a sua natureza inferior, Deus acrescenta aos dons naturais (dona naturalia) certos dons sobrenaturais (dona supernaturalia). Estes incluíam o dom acrescentado (donum superadditum) da justiça original (a sobrenatural semelhança com Deus), dado por acréscimo como um dom alheio à constituição original do homem, seja imediatamente ao tempo da criação, ou nalgum ponto posterior, como recompensa pelo uso apropriado dos poderes naturais. Estes dons sobrenaturais, o donum superadditum da justiça original inclusive, foram perdidos devido ao pecado, mas a sua perda não rompeu a natureza essencial do homem. 4. OUTROS CONCEITOS DA IMAGEM DE DEUS. Segundo os socinianos e alguns dos mais antigos arminianos, a imagem de Deus consiste do domínio do homem sobre a criação inferior, e nisto somente. Os anabatistas sustentavam que o primeiro homem, como criatura finita e terrena, ainda não era imagem de Deus, mas só podia tornar-se tal pela regeneração. Os pelagianos e muitos arminianos e racionalistas viam, com poucas variações, a imagem de Deus somente na livre personalidade do homem em seu caráter racional, em sua disposição ético-religiosa e em seu destino, que é viver em comunhão com Deus. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 200)

A Condição Original do Homem como a Imagem de Deus

É muito estreita a conexão existente entre a imagem de Deus e o estado original do homem e, por isso ambos são geralmente considerados juntos. Uma vez mais teremos que distinguir entre diferentes conceitos históricos da condição original do homem. 1. O CONCEITO PROTESTANTE. Os protestantes ensinam que o homem foi criado num estado de relativa perfeição, um estado de justiça e santidade. Não significa que ele já tinha alcançado o mais elevado estado de excelência de que era suscetível. Geralmente se admite que ele estava destinado a alcançar um grau mais elevado de perfeição pela obediência. Um tanto semelhante a uma criança, era perfeito em suas partes, não porém em grau. Sua condição era preliminar e temporária, podendo levar a maior perfeição e glória ou acabar numa queda. Foi por natureza dotado daquela justiça original que é a glória máxima da imagem de Deus e, conseqüentemente, vivia num estado de santidade positiva. A perda daquela justiça significaria a perda de uma coisa que pertencia à própria natureza do homem em seu estado ideal. O homem podia perdê-la e ainda continuar sendo homem, mas podia não perdê-la e continuar sendo o homem no sentido ideal da palavra. Noutras palavras, sua perda significaria realmente uma deterioração e um enfraquecimento da natureza humana. Além disso, o homem foi criado imortal. Isto se aplica não à alma somente, mas a toda a pessoa do homem; e, portanto, não significa apenas que a alma estava destinada a ter existência permanente. Tampouco significa que o homem foi elevado acima da possibilidade de ser presa de morte; isto só se pode afirmar sobre os anjos e os santos que estão no céu. Significa, porém, que o homem, como criado por Deus, não levava dentro de si as sementes da morte e não teria morrido necessariamente em virtude da constituição original da sua natureza. Embora não estivesse excluída a possibilidade de vir a ser vítima da morte, não estava sujeito à morte, enquanto não pecasse. Deve-se ter em mente que a imortalidade original do homem não era uma coisa puramente negativa e física, mas era também uma coisa positiva e espiritual. Significava vida em comunhão com Deus e o gozo do favor do Altíssimo. Esta é a concepção fundamental da vida, segundo a Escritura, assim como a morte é primariamente a separação de Deus e a sujeição à Sua ira. A perda dessa vida espiritual daria lugar à morte, e redundaria também na morte física. 2. O CONCEITO CATÓLICO ROMANO. Naturalmente, os católicos romanos têm uma idéia um tanto diversa da condição original do homem. Segundo eles, a justiça original não pertencia à natureza humana em sua integridade, mas era algo que foi acrescentado sobrenaturalmente. Em virtude da sua criação, o homem foi simplesmente revestido de todos os pecados e faculdades naturais da natureza humana como tal e, pela justitia naturalis, esses poderes foram muito bem ajustados uns aos outros. Ele estava sem pecado e vivia num estado de inocência perfeita. Pela própria natureza das coisas, porém, havia uma tendência dos apetites e paixões inferiores para rebelar-se contra os poderes superiores da razão e da consciência. Essa tendência, denominada concupiscência, não era pecado em si mesma, porém facilmente podia vir a ser ocasião e combustível para o pecado. (Mas, cf. Rm 7.8; Cl 3.5; 1 Ts 4.5, authorized Version; Almeida, Edição Rev. e Corr.). Então, o homem. Como originariamente constituído, por natureza estava sem santidade positiva, mas também sem pecado, embora levando o fardo de uma tendência que facilmente poderia redundar em pecado. Mas agora Deus acrescentou à constituição natural do homem o dom sobrenatural da justiça original pela qual ele foi habilitado a manter na devida sujeição as propensões e os desejos inferiores. Quando o homem caiu, perdeu aquela justiça original, mas a constituição original da natureza humana permaneceu intacta. O homem natural está agora exatamente onde Adão estava antes de ser dotado da justiça original, embora com uma inclinação um tanto mais forte para o mal. 3. CONCEITOS DE ÊNFASE RACIONALIZANTE. Os pelagianos, os socinianos, os arminianos, os racionalistas e os evolucionistas lançam em total descrédito a idéia de um estado primitivo de santidade. Os quatro primeiros grupos concordam que o homem foi criado num estado de inocência, ou seja, de neutralidade moral e religiosa, mas foi dotado de livre arbítrio, de modo que podia seguir esta ou aquela direção. Os evolucionistas afirmam que o homem começou a sua carreira num estado de barbárie, no qual ele estava apenas ligeiramente afastado dos animais irracionais. Os racionalistas de todos os tipos acreditam que uma co-criada justiça e santidade é uma contradição de termos. O homem determina o seu caráter por sua própria e livre escolha, e a santidade só pode resultar de uma vitoriosa luta contra o mal. Pela própria natureza do caso, pois, Adão não pode ter sido criado num estado de santidade. Além disso, os pelagianos, os socinianos e os racionalistas sustentam que o homem foi criado mortal. A morte não resultou da entrada do pecado no mundo, mas era simplesmente o término natural da natureza humana como esta foi constituída. Adão teria morrido [sem a Queda], em virtude da constituição original da sua natureza. QUESTIONÁRIO: 1. Qual a precisa distinção feita por Delitzsch entre a alma e o espírito do homem? 2. Como Heard fez uso da concepção tripartida do homem na interpretação do pecado original, da conversão e da santificação? 3. O que explica o fato de que os luteranos são predominantemente traducionistas e os reformados (calvinistas) são predominantemente criacionistas? 4. Que dizer da objeção que afirma que o criacionismo virtualmente destrói a unidade da raça humana? 5. Que objeções há contra o realismo, com a sua suposição da unidade numérica da natureza humana? 6. Que crítica você faria à idéia de Dorner, de que as teorias do preexistencialismo, do traducionismo e do criacionismo são simplesmente três aspectos da verdade completa referente à origem da alma? 7.Como os católicos romanos distinguem geralmente entre a “imagem” e a “semelhança” de Deus? 8. Eles crêem ou não que o homem perdeu sua justitia ou justiça natural com a Queda? 9. Como é que aqueles luteranos que restringem a imagem de Deus à justiça original do homem explicam Gn 9.6 e Tg 3.9? BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. II p. 566 – 635; Kuyper, Dict. Dogm., De Creaturis C., p. 3-131; Vos, Geref. Dogm. II, p. 1-21; Hodge, Syst. Theol. II, p. 42-116; Dabney, Syst. And Polemic Theol., p. 292-302; Shedd, Dogm. Theol. II, p. 4-114; Litton, Introd. To Dogm. Theol., 107-122; Dorner, Syst. Of Chr. Doctr. II, p. 68-96; Schmidt. Doct. Theol. Of the Ev. Luth. Church, p. 225-238; Martensen, Chr. Dogm., p. 136-148; Pieper, Chr. Dogm. I, p. 617-630; Valentine, Chr. Theol. I, p. 383-415; Pope, Chr. Theol. I, p. 421-436; Raymond, Syst. Theol. II, p. 7-49; Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 219-233; Orr, God’s Image in Man, p. 3-193; A. Kuyper, Jr., Het Beeld Gods, p. 8-143; Talma, De Anthropologie van Calvijn, p. 29-68; Heard, The Tri-partite Nature of Man; Dickson, St. Paul’s Use of the Terms Flesh and Spirit, capítulos V-XI; Delitzsch, Syst. Of Bibl. Psych., p. 103-144; Laidlaw, the Bibl. Doct. Of Man, p. 49-108; H. W. Robinson, The Chr. Doct. Of Man, p. 4-150. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 202)

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O Homem na Aliança das Obras

A discussão do estado original do homem, status integritatis, não estaria completa sem se considerar a mútua relação entre Deus e o homem, e principalmente a origem e natureza da vida religiosa do homem. Essa vida tinha suas raízes numa aliança, exatamente como acontece com a vida cristã hoje, e aquela aliança é variadamente conhecida como aliança da natureza, aliança da vida, aliança edênica e aliança das obras. O primeiro nome, no início muito comum, aos poucos foi abandonado, visto que estava sujeito a dar a impressão de que essa aliança era apenas uma parte da relação natural do homem com Deus. O segundo e o terceiro nomes não são suficientemente específicos, dado que ambos poderiam ser aplicados também à aliança da graça que, sem dúvida, é uma aliança de vida e também se originou no Éden, Gn 3.15. Conseqüentemente, o nome “aliança das obras” merece preferência. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 204)

A Doutrina da Aliança das Obras na História

A história da doutrina da aliança das obras é relativamente curta. Nos mais antigos “pais da igreja” raramente se acha a idéia da aliança, embora sejam mencionados os elementos que ela envolve, a saber, o mandamento probatório, a liberdade de escolha e a possibilidade do pecado e da morte. Em sua obra, De Civitate Dei (Da Cidade de Deus), Agostinho fala da relação que originariamente Adão mantinha com Deus como uma aliança (testamentum, pactum), enquanto que alguns outros inferiam o relacionamento pactual original da bem conhecida passagem de Os 6.7. Também na literatura escolástica e nos escritos dos reformadores todos os elementos que mais tarde entrariam na elaboração da doutrina da aliança das obras já estavam presentes, mas a doutrina ainda não se desenvolvera. Embora contendo algumas expressões que apontam para a imputação do pecado de Adão aos seus descendentes, vê-se claramente que, de modo geral, entendia-se a transmissão do pecado de maneira realista, e não federativa. Em sua análise das Institutas de Calvino, diz Thornwell: “A representação federal não foi apreendida como devia, mas, em seu lugar, certo realismo místico”. O desenvolvimento da doutrina da aliança da graça precedeu ao da doutrina da aliança das obras e lhe preparou o caminho. Quando se viu com clareza que a Escritura apresenta o caminho da salvação na forma de uma aliança, o paralelo que Paulo traça em Rm 5, entre Adão e Cristo, logo deu ocasião para se pensar também no estado de integridade em termos de uma aliança. De acordo com Heppe, a primeira obra a conter a descrição federal do meio de salvação foi a de Bullinger, Compendium of the Christian Religion (Compêndio da Religião Cristã); e Oleviano foi o verdadeiro fundador de uma teologia federal* em que o conceito de aliança foi, pela primeira vez, o princípio determinante do sistema todo. Das igrejas reformadas da Suíça e da Alemanha, a teologia federal passou para a Holanda e para as Ilhas Britânicas, principalmente para a Escócia. Seus mais antigos representantes na Holanda foram Gomarus, Trelcatius, Ravensperger e principalmente Cloppenburg. Este é considerado o precursor de Coceio (Coccejus), muitas vezes chamado equivocadamente “o pai da teologia federal”. A real distinção de Coceio está, pelo menos em parte, no fato de que ele procurou substituir o método escolástico habitual de estudar teologia, muito comum em sua época, por um método que ele considerava mais bíblico. Neste aspecto, ele foi seguido por Burmannus e Witsius. Coceio e seus seguidores não foram os únicos a abraçar a doutrina da aliança das obras. Outros o fizeram, como Voetius, Mastricht, à Marck e De Moor. Ypij e Dermount assinalam que, naqueles dias, era heresia negar a aliança das obras. Os socinianos rejeitaram totalmente esta doutrina, visto não crerem na imputação do pecado de Adão aos seus descendentes; e alguns dos arminianos, como Episcopius, Limborgh, venema e J. Alting, que diziam tratar-se de uma doutrina humana, deram seguimento ao processo condenatório. Em meados do século dezoito, quando a doutrina da aliança das obras caíra em quase completo olvido, Comrie e Holtius, em sua co-produção intitulada Examen van Het Ontwerp van Tolerantie, trouxeram-na mais uma vez à atenção da igreja. Na Escócia, várias obras importantes foram escritas sobre as alianças, a aliança das obras inclusive, como as de Fisher (Marrow of Modern Divinity, A Medula da Teologia Moderna), Ball, Blake, Gib e Boston. Diz Walker: “Pode-se descrever a velha teologia da Escócia como teologia da aliança”. A doutrina encontrou reconhecimento oficial na Confissão de Westminster e na Formula Consensus Helvetica (Sistema de Consenso Suíço). É significativo que a doutrina da aliança das obras teve fraca receptividade na teologia católico-romana e na luterana. A explicação disso está em sua atitude para com a doutrina da imputação imediata do pecado de Adão aos seus descendentes. Sob a influencia do racionalismo e da teoria da imputação mediata, de Placeu (Placaeus), que também encontrou aceitação na teologia da Nova Inglaterra, a doutrina da aliança foi entrando aos poucos em eclipse. Mesmo eruditos conservadores como Doedes e Van Oosterzee, na Holanda, a rejeitaram; e na teologia da Nova Inglaterra ela teve curta duração. Na Escócia a situação não é muito melhor. Hugh Martin já escrevera em sua obra sobre a Expiação (The Atonement, publicada em 1887): “Já começou a acontecer., tememos nós, que a teologia federal está sofrendo atualmente um grau de negligencia que não faz bom prenúncio para o futuro imediato da igreja entre nós”. E conquanto em nosso país* eruditos presbiterianos como os Hodge, Thornwell, Breckenridge e Dabney levem na devida conta a doutrina em suas obras teológicas, nas igrejas que eles representam ela perdeu quase toda a sua vitalidade. Na Holanda houve um avivamento da teologia federal sob a influencia de Kuyper e Bavinck, e pela graça de Deus ela continua sendo uma viva realidade nos corações e nas mentes do povo. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 205)

O Fundamento Bíblico da Doutrina da Aliança das Obras

A difundida negação da aliança das obras torna imperativo o exame cuidadoso do seu fundamento escriturístico. 1. OS ELEMENTOS COMPONENTES DE UMA ALIANÇA ESTÃO PRESENTES NA NARRATIVA PRIMITIVA. Deve-se admitir que o termo “aliança” não se acha nos primeiros três capítulos de Gênesis, mas isto não equivale a dizer que eles não contêm os dados necessários para a formulação de uma doutrina da aliança. Não se vai inferir da ausência do termo “trindade” que a doutrina da Trindade não se acha na Bíblia. Todos os elementos componentes de uma aliança estão indicados na Escritura, e se os elementos estão presentes, não somente temos base para relacioná-los uns com os outros, num estudo sistemático da doutrina, mas também temos o dever de fazê-lo, dando à doutrina assim elaborada um nome apropriado. No caso em consideração, são mencionadas duas partes, é estabelecida uma condição, está claramente envolvida uma promessa de recompensa pela obediência, e é feita a ameaça de uma penalidade pela transgressão. Pode-se objetar ainda, que não lemos a descrição de um acordo sendo feito entre duas partes, nem dos termos firmados sendo aceitos por Adão, mas esta objeção não é insuperável. Não lemos o relato de um acordo explícito assim, bem como da aceitação por parte do homem, nos casos de Noé e Abrão. Deus e o homem não comparecem como partes iguais em nenhuma destas alianças. Todas as alianças de Deus são da natureza de disposições soberanas impostas ao homem. Deus é absolutamente soberano em Seus procedimentos para com o homem, e tem todo o direito de impor as condições que o último deve cumprir, para desfrutar o Seu favor. Além disso, mesmo em virtude da sua relação natural, Adão tinha o dever de obedecer a Deus; e quando foi estabelecida a relação pactual, essa obediência tornou-se também uma questão de interesse próprio. Quando entra em relações pactuais com os homens, é sempre Deus que estabelece os termos, e estes são termos misericordiosos, provenientes da Sua graça, de modo que Ele tem, deste ponto de vista igualmente, todo o direito de esperar que o homem lhes dará assentimento. No caso em consideração, Deus tinha apenas que anunciar a aliança, e o perfeito estado em que Adão vivia era garantia suficiente da sua aceitação. 2. HOUVE PROMESSA DE VIDA ETERNA. Alguns negam a existência de qualquer prova bíblica de tal promessa. Pois bem, é certo que não há registro explícito dessa promessa, mas ela está claramente implícita na alternativa da morte como o resultado da desobediência. A clara implicação do castigo anunciado é que, em caso de obediência, a morte não entraria no mundo, e isto só pode significar que a vida teria continuidade. Tem-se objetado que isto significa apenas a continuação da vida natural de Adão, e não daquilo que a Escritura chama de vida eterna. Mas a idéia bíblica de vida é vida em comunhão com Deus; e esta é a vida que Adão tinha, conquanto no caso dele ainda pudesse ser perdida. Se Adão se saísse bem da prova, esta vida não somente seria mantida, mas também deixaria de estar sujeita a ser perdida e, portanto, seria elevada a um plano mais alto. Paulo diz-nos expressamente em Rm 7.10 que o mandamento, que é a lei, era para a vida. Comentando este versículo, diz Hodge: “A lei foi destinada e adaptada para assegurar a vida, mas de fato veio a ser a causa da morte”. Isso está claramente indicado também em passagens como Rm 10.5; Gl 3.13. Ora, admite-se geralmente que esta gloriosa promessa de vida perene de modo nenhum estava implícita na relação natural de Adão com Deus, mas tinha base diferente. Mas admitir a existência de algo positivo aí, uma complacência especial de Deus, é aceitar o princípio da aliança. Pode continuar havendo alguma dúvida quanto à propriedade do nome “aliança das obras”, mas não pode haver quaisquer objeções válidas à idéia de aliança. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 207)

BASICAMENTE, A ALIANÇA DA GRAÇA É SIMPLESMENTE A EXECUÇÃO DO ACORDO ORIGINAL, EXECUÇÃO FEITA POR CRISTO COMO O NOSSO FIADOR

Ele se encarregou espontaneamente de cumprir a vontade de Deus. Ele se colocou sob a lei para poder redimir os que estavam sob a lei e que já não estavam em condições de obter vida mediante o seu próprio cumprimento da lei. Ele veio fazer o que Adão não conseguiu fazer, e o fez em virtude de um acordo pactual. Se assim é, se a aliança da graça é, no que se refere a Cristo, nada mais nada menos que o cumprimento do acordo original, segue-se que este deve ter sido também da natureza de uma aliança. E visto que Cristo satisfez a condição da aliança das obras, o homem pode agora colher o fruto do acordo original pela fé em Jesus Cristo. Agora há dois caminhos de vida, os quais são em si mesmos caminhos de vida; um é o caminho da lei: “o homem que praticar a justiça decorrente da lei, viverá por ela”, Rm 10.5, mas é um caminho pelo qual o homem não pode mais achar a vida; e o outro é o caminho da fé em Jesus Cristo, que satisfez as exigências da lei e pode dispensar a bênção da vida eterna. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 207)

O PARALELO ENTRE ADÃO E CRISTO

O paralelo que Paulo traça entre Adão e Cristo em Rm 5.12-21, no contexto da doutrina da justificação, só pode ser explicado com base no pressuposto de que Adão, à semelhança de Cristo, era o chefe de uma aliança. De acordo com Paulo, o elemento essencial da justificação consiste nisto: que a justiça de Cristo é-nos imputada, sem qualquer obra pessoal da nossa parte para merecê-la. E ele considera isso um perfeito paralelo em relação à maneira pela qual a culpa de Adão nos é imputada. Isto leva naturalmente à conclusão de que Adão também estava numa relação pactual com os seus descendentes. 5. A PASSAGEM DE OS 6.7. Em Os 6.7 lemos: “Mas eles transgrediram a aliança, como Adão”. Têm sido feitas tentativas para desacreditar essa redação. Alguns têm sugerido a forma “em Adão”. O que implicaria, que alguma transgressão muito conhecida ocorreu num lugar chamado Adão. Mas a preposição proíbe essa tradução. Além disso, a Bíblia não faz menção alguma dessa tal transgressão histórica muito conhecida em Adão. A Versão Autorizada (Authorized Version) traduz “Como homens”, caso em que significaria, de maneira humana. A isto pode-se objetar que não há plural no original, e que essa declaração seria deveras fútil, pois como o homem poderia transgredir, senão à maneira humana? A tradução ‘como Adão” é a melhor afinal de contas. Tem o apoio da passagem paralela de Jó 31.33, e foi adotada pela American Revised Version (Versão Revista Americana).* (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 207)

AS PARTES CONTRASTANTES DA ALIANÇA

De um lado havia o Deus triúno, o Criador e Senhor, e de outro, Adão como Sua criatura dependente. Deve-se distinguir uma dupla relação entre ambos: a. A relação natural. Quando Deus criou o homem, por este mesmo fato estabeleceu uma relação natural entre Si e o homem. Era uma relação como a que existe entre o oleiro e o barro, entre um soberano absoluto e um súdito destituído de qualquer direito. De fato, a distância entre os dois era tão grande que estas figuras não a expressam adequadamente. Tanto é que uma vida de comunhão mútua dos dois parecia fora de cogitação. Como criatura de Deus, o homem estava naturalmente debaixo da lei, e tinha a obrigação de observá-la. E apesar de que a transgressão da lei o tornaria sujeito a castigo, sua observância não constituiria um direito inerente a alguma recompensa. Mesmo que ele fizesse tudo quanto dele se exigia, ainda teria que dizer: Sou apenas um servo inútil, pois fiz apenas aquilo que eu tinha a obrigação de fazer. Sob esta relação puramente natural, o homem não poderia obter merecimento de coisa nenhum. Mas, apesar da infinita distancia entre Deus e o homem aparentemente excluir uma vida de comunhão um com o outro, o homem foi criado justamente para essa comunhão, e a possibilidade disso já foi dada em sua criação à imagem de Deus. Nesta relação natural, Adão foi o pai da raça humana. b. A relação pactual. Desde o início, porém, Deus se revelou, não somente como um Soberano e Legislador absoluto, mas também como Pai amoroso, que busca o bem-estar e a felicidade da Sua criatura dependente. Ele condescendeu em baixar ao nível do homem, revelar-se como Amigo e habilitar o homem a melhorar a sua condição no caminho da obediência. Em acréscimo à relação natural Ele, mediante um decreto positivo e por Sua graça, estabeleceu uma relação pactual. Entrou num acordo legal com o homem, num acordo que inclui todas as exigências e obrigações implícitas na condição de criatura que caracteriza o homem mas, ao mesmo tempo, acrescentou alguns elementos novos. (1) Adão foi constituído chefe representativo da raça humana para poder agir por todos os seus descendentes. (2) Foi temporariamente posto à prova, a fim de determinar se poderia sujeitar espontaneamente a sua à vontade de Deus. (3) Foi-lhe dada a promessa de vida eterna por meio da obediência e assim, pela misericordiosa disposição de Deus, ele adquiriu certos direitos condicionais. Esta aliança capacitou Adão a obter vida eterna para si e para os seus descendentes pela obediência. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 208)

A PROMESSA DA ALIANÇA

A grande promessa dada na aliança das obras foi a promessa de vida eterna. Os que negam a aliança das obras, geralmente baseiam em parte a sua negação no fato de que não há registro de uma tal promessa na Bíblia. E é bem verdade que a Escritura não contém explicitamente nenhuma promessa de vida eterna a Adão. Mas a ameaça de castigo implica claramente aquela promessa. Quando o Senhor diz: “porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”, Sua declaração implica claramente que, se Adão se abstivesse de comer, não morreria, mas seria elevado acima da possibilidade de morte. Certamente a promessa implícita não significa que, em caso de obediência, Adão teria a permissão de viver da maneira usual, isto é, de continuar tendo a vida natural comum, pois essa vida já era sua em virtude da sua criação, e, portanto, não poderia ser apresentada como recompensa pela obediência. É evidente que a promessa implícita era da vida elevada ao seu supremo desenvolvimento de perene bem-aventurança e glória. Na verdade, Adão foi criado num estado de santidade positiva, e também era imortal, no sentido de que não estava sujeito à lei da morte. Mas ele estava apenas no início da sua carreira e ainda não possuía os mais altos privilégios que estavam reservados para o homem. Ele ainda não fora elevado acima da possibilidade de errar, pecar e morrer. Não estava ainda de posse do mais alto grau de santidade, nem tampouco desfrutava a vida em toda a sua plenitude. A imagem de Deus no homem ainda era limitada pela possibilidade de o homem pecar contra Deus, passar do bem para o mal e se tornar sujeito ao poder da morte. A promessa de vida da aliança das obras era uma promessa de remoção de todas as limitações da vida às quais Adão ainda estava sujeito, e da elevação da sua vida ao grau supremo de perfeição. Quando Paulo diz em Rm 7.10 que o mandamento era para vida, ele quer dizer vida no sentido mais completo da palavra. Eis o principio da aliança das obras: o homem que fizer estas coisas, viverá por elas; e este princípio é reiterado repetidas vezes na Escritura, Lv 18.5; Ez 20.11, 13,20; Lc 10.28; Rm 10.5; Gl 3.12. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 209)

O CASTIGO ANUNCIADO PELA ALIANÇA

O castigo anunciado era a morte, e o que isto significa bem pode ser deduzido do sentido geral do termo como é empregado na Escritura, e dos males que sobrevieram ao culpado na execução da penalidade. Evidentemente a referência é à morte no sentido mais inclusivo da palavra, incluindo-se a morte física, a morte espiritual e a morte eterna. A idéia bíblica fundamental da morte não é a da extinção do ser, mas a da separação da fonte de vida e a resultante dissolução ou miséria e infelicidade. Fundamentalmente consiste em separar-se de Deus a alma, separação que se manifesta em miséria espiritual, e finalmente vai dar na morte eterna. Mas também inclui a separação de corpo e alma e a conseqüente dissolução do corpo. Indubitavelmente a execução da pena começou imediatamente após a primeira transgressão. A morte espiritual entrou em cena no mesmo instante, e as sementes da morte começaram também a agir no corpo. A completa execução da sentença, porém, não se deu imediatamente, mas foi sustada, porque de imediato Deus introduziu a economia da graça e da restauração. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 210)

terça-feira, 9 de julho de 2013

O(S) SACRAMENTO(S) DA ALIANÇA

Não temos nenhuma informação definida na Escritura a respeito do(s) sacramento(s) ou selo(s) desta aliança. Daí, há grande variedade de opiniões sobre o assunto. Uns falam de quatro: a árvore da vida, a árvore do conhecimento do bem e do mal, o paraíso e o santo repouso semanal (o sabbath); outros falam de três: as duas árvores e o paraíso; ainda outros, de dois: a árvore da vida e o paraíso; e ainda outros de um: a árvore da vida. Esta última opinião é a que prevalece, e parece que é a única que encontra algum suporte na Escritura. Não devemos pensar no fruto desta árvore como tendo poderes mágicos ou medicinais de gerar a imortalidade na estrutura de Adão. Todavia, ela estava de algum modo ligada ao dom da vida. Com toda a probabilidade, deve ser entendida como um símbolo ou selo da vida adrede designada. Conseqüentemente, quando Adão perdeu o direito à promessa, foi privado do respectivo sinal. Concebidas deste modo, as palavras de Gn 3.22 devem ser entendidas sacramentalmente. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 209)

A Situação Atual da Aliança das Obras

Com respeito à questão, se a aliança das obras está em vigência ainda, ou se foi abrogada por ocasião da queda de Adão, há considerável diferença de opinião entre os teólogos arminianos e os reformados (calvinistas). 1. O CONCEITO ARMINIANO. Os arminianos pretendem que esta aliança legal foi abrogada totalmente quando da queda de Adão, e defendem isso como segue: (a) Na ocasião a promessa foi revogada e, assim, o pacto foi anulado, e onde não há um pacto não pode haver obrigação humana. (b) Deus não podia continuar a exigir obediência do homem quando este por natureza era incapaz de prestar o serviço requerido, e não foi capacitado pela graça de Deus para fazê-lo. (c) Seria difamante para a sabedoria, a santidade e a majestade de Deus convocar a criatura depravada para um serviço de santo e indiviso amor. Sustentam eles que Deus estabeleceu uma nova aliança e promulgou uma nova lei, a lei da fé e da obediência evangélica, que o homem, a despeito dos seus poderes deteriorados, pode observar, quando assistido pelo auxílio da graça comum ou suficiente, que para isso o capacita. Entretanto, militam contra este conceito as seguintes considerações: (a) A obrigação do homem para com Deus nunca esteve baseada apenas na exigência pactual, mas fundamentalmente na relação natural entre o homem e Deus. Este relacionamento natural foi incorporado no relacionamento pactual. (b) A incapacidade do homem foi induzida pelo próprio homem e, portanto, não o livra da justa obrigação que pesa sobre ele. Suas limitações auto-impostas, sua criminosa e voluntária hostilidade para com Deus não privam o soberano Governante do universo do direito de exigir o sincero e amoroso serviço que Lhe é devido. (c) O argumento tipo reductio ad absurdum do conceito arminiano é que, pelo pecado, o pecador pode obter completa emancipação das justas obrigações. Quanto mais o homem peca, mais escravo do pecado se torna, incapaz de fazer o que é bom; e quanto mais ele afunda nessa escravidão que lhe tira a capacidade para o bem, menos responsável fica. Se o homem continuar a pecar durante um tempo suficientemente longo, acabará sendo absolvido de toda a responsabilidade moral. 2. O CONCEITO REFORMADO (CALVINISTA). Mesmo alguns teólogos reformados falam da abrogação da aliança legal e procuram a prova disso em passagens como a de Hb 8.13. Isto naturalmente levantou a questão, se se pode considerar a aliança das obras uma coisa do passado, e até que ponto; ou se deve ser considerada ainda vigente, e até que ponto. Geralmente há acordo em que nenhuma mudança na situação legal do homem pode abrogar a autoridade da lei; em que o direito de Deus à obediência das Suas criaturas não desaparece com a queda delas e com os seus efeitos enfraquecedores; em que o salário do pecado continua sendo a morte; e em que sempre se requer obediência perfeita para o merecimento da vida eterna. Com respeito à questão em foco, isto significa: a. Que a aliança das obras não foi abrogada. (1) na medida em que a relação natural do homem com Deus foi incorporada nela, visto que o homem sempre deve perfeita obediência a Deus; (2) na medida em que a sua maldição e o castigo dos que continuam no pecado estão envolvidos; e (3) na medida em que ainda se mantém a promessa condicional. Deus podia ter retirado essa promessa, mas não o fez, Lv 18.5; Rm 10.5; Gl 3.12. É evidente, porém, que depois da Queda ninguém é capaz de preencher a condição. b. Que a aliança das obras foi abrogada: (1) na medida em que ela continha novos elementos positivos, para os que se acham debaixo da aliança da graça; não quer dizer que ela simplesmente pôs de lado e desconsiderou as suas obrigações, mas, sim, que estas foram satisfeitas pelo Mediador em favor do Seu povo; e (2) como um meio destinado à obtenção da vida eterna, pois, como tal, ficou completamente destituída de poderes, após a queda do homem. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 211)

A Origem do Pecado

O problema do mal que há no mundo sempre foi considerado um dos mais profundos problemas da filosofia e da teologia. É um problema que se impõe naturalmente à atenção do homem, visto que o poder do mal é forte e universal, é uma doença sempre presente na vida em todas as manifestações desta, e é matéria da experiência diária na vida de todos os homens. Os filósofos foram constrangidos a encarar o problema e a procurar uma resposta quanto à origem de todo mal, e particularmente do mal moral, que há no mundo. A alguns, pareceu uma parte de tal modo integrante da vida, que buscaram a solução na constituição natural das coisas. Outros, porém, estão convictos que o mal teve uma origem voluntária, isto é, que se originou na livre escolha do homem, quer na existência atual quer numa existência anterior. Estes acham-se bem mais perto da verdade revelada na Palavra de Deus. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 212)

Conceitos Históricos a Respeito da Origem do Pecado

Os mais antigos “pais da igreja”, assim chamados, não falam muito definidamente da origem do pecado, conquanto a idéia de que se originou na voluntária transgressão e queda de Adão no paraíso já achasse nos escritos de Irineu. Esta se tornou logo a idéia dominante na igreja, especialmente em oposição ao gnosticismo, que considerava o mal inerente à matéria e, como tal, produto do Demiurgo. O contato da alma humana com a matéria imediatamente a tornou pecaminosa. Essa teoria naturalmente priva o pecado do seu caráter voluntário e ético. Orígenes procurou manter isso com a sua teoria do preexistencialismo. Segundo ele, as almas dos homens pecaram voluntariamente numa existência anterior e, portanto, entraram no mundo numa condição pecaminosa. Esta idéia platônica estava tão sobrecarregada de dificuldades que não pôde encontrar aceitação geral. Contudo, durante os séculos dezoito e dezenove foi defendida por Mueller e Rueckert, e por filósofos como Lessing, Schelling e J. H. Fichte. Em geral os chamados pais da igreja grega, do terceiro e do quarto século, mostravam certa inclinação para reduzir entre o pecado de Adão e o dos seus descendentes, ao passo que os “pais” da igreja latina ensinavam cada vez com maior clareza que a atual condição pecaminosa do homem encontra a sua explicação na primeira transgressão de Adão no paraíso. Os ensinos da igreja oriental culminaram finalmente no pelagianismo, que negava a existência de alguma relação vital entre ambos, enquanto que os da igreja ocidental chegaram ao seu ponto culminante no agostinianismo, que acentuava o fato de que somos culpados e corruptos em Adão. O semipelagianismo admitia a conexão adâmica, mas sustentava que isso explica apenas a corrupção do pecado, não a culpa. Durante a Idade Media reconhecia-se geralmente essa conexão. Às vezes era interpretada à maneira agostiniana, mas com mais freqüência, à maneira semipelagiana. Os reformadores compartilhavam os conceitos de Agostinho, e os socinianos os de Pelágio, enquanto que os arminianos moviam-se em direção ao semipelagianismo. Sob a influencia do racionalismo e da filosofia evolucionista, a doutrina da queda do homem e de seus efeitos fatais sobre a raça humana aos poucos foi descartada. A idéia do pecado foi substituída pela do mal, e este mal era explicado de varias maneiras. Kant o considerava como uma coisa pertencente à esfera super-racional, que ele confessava não ter condições de explicar. Para Lebnitz, devia-se às necessárias limitações do universo. Schleiermacher via sua origem na natureza sentimental do homem, e Ritschl na ignorância humana, ao passo que o evolucionista o atribui à oposição das propensões inferiores à consciência moral em seu desenvolvimento gradativo. Barth fala da origem do pecado como o mistério da predestinação. O pecado originou-se na Queda, mas a Queda não foi um evento histórico; pertence à super-historia (Urgeschinchte). Adão foi de fato o primeiro pecador, mas a sua desobediência não pode ser considerada a causa do pecado do mundo. De algum modo, o pecado do homem está ligado à sua condição de criatura. A narrativa do paraíso apenas transmite ao homem a prazerosa informação de que ele não tem por que ser necessariamente um pecador. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 213)

Dados Bíblicos a Respeito da Origem do Pecado

Na Escritura, o mal moral existente no mundo transparece claramente como pecado, isto é, como transgressão da lei de Deus. Nela o homem sempre aparece como transgressor pó natureza, e surge naturalmente a questão: Como adquiriu ele essa natureza? Que revela a Bíblia sobre esse ponto? 1. NÃO SE PODE CONSIDERAR DEUS COMO O SEU AUTOR. O decreto eterno de Deus evidentemente deu a certeza da entrada do pecado no mundo, mas não se pode interpretar isso de modo que faca de Deus a causa do pecado no sentido de ser Ele o seu autor responsável. Esta idéia é claramente excluída pela Escritura. “Longe de Deus o praticar ele a perversidade, e do Todo-poderoso o cometer injustiça”, Jó 34.10. Ele é o santo Deus, Is 6.3, e absolutamente não há falta de retidão nele, Dt 32.4; Sl 92.16. Ele não pode ser tentado pelo mal, e Ele próprio não tenta a ninguém, Tg 1.13. Quando criou o homem, criou-o bom e à Sua imagem. Ele positivamente odeia o pecado, Dt 25.16; Sl 5.4; 11.5; Zc 8.17; Lc 16.15, e em Cristo fez provisão para libertar do pecado o homem. À luz disso tudo, seria blasfemo falar de Deus como o autor do pecado. E por essa razão, todos os conceitos deterministas que representam o pecado como uma necessidade inerente à própria natureza das coisas devem ser rejeitados. Por implicação, eles fazem de Deus o autor do pecado e são contrários, não somente à Escritura, mas também à voz da consciência, que atesta a responsabilidade do homem. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 213)

O PECADO ORIGINOU-SE NO MUNDO ANGÉLICO

A Bíblia nos ensina que, na tentativa de investigar a origem do pecado, devemos retornar à queda do homem, na descrição de Gn 3 e fixar a tenção em algo que sucedeu no mundo angélico. Deus criou um grande número de anjos, e estes eram todos bons, quando saíram das mãos do seu Criador, Gn 1.31. Mas ocorreu uma queda no mundo angélico, queda na qual legiões de anjos se apartaram de Deus. A ocasião exata dessa queda não é indicada, mas em Jó 8.44 Jesus fala do diabo como assassino desde o princípio (kat’arches), e em 1 Jo 3.8 diz João que o diabo peca desde o princípio. A opinião é a de que a expressão kai’ arches significa desde o começo da história do homem. Muito pouco se diz sobre o pecado que ocasionou a queda dos anjos. Da exortação de Paulo a Timóteo, a que nenhum neófito fosse designado bispo, “para não suceder que se ensoberbeça, e incorra na condenação do diabo”, 1 Tm 3.6, podemos concluir que, com toda a probabilidade, foi o pecado do orgulho, de desejar ser como Deus em poder e autoridade. E esta idéia parece achar corroboração em Jd 6, onde se diz que os que caíram “não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio”. Não estavam contentes com a sua parte, com o governo e poder que lhes fora confiado. Se o desejo de serem semelhantes a Deus foi a tentação peculiar que sofreram, isto explica por que tentaram o homem nesse ponto particular. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 214)

A ORIGEM DO PECADO NA RAÇA HUMANA

Com respeito à origem do pecado na história da humanidade, a Bíblia ensina que ele teve início com a transgressão de Adão no paraíso e, portanto, com um ato perfeitamente voluntário da parte do homem. O tentador veio do mundo dos espíritos com a sugestão de que o homem, colocando-se em oposição a Deus, poderia tornar-se semelhante a Deus. Adão se rendeu à tentação e cometeu o primeiro pecado, comendo do fruto proibido. Mas a coisa não parou aí, pois com esse primeiro pecado Adão passou a ser escravo do pecado. Esse pecado trouxe consigo corrupção permanente, corrupção que, dada a solidariedade da raça humana, teria efeito, não somente sobre Adão, mas também sobre todos os seus descendentes. Como resultado da Queda, o pai da raça só pôde transmitir uma natureza depravada aos pósteros. Dessa fonte não santa o pecado flui numa corrente impura passando para todas as gerações de homens, corrompendo tudo e todos com que entra em contato. É exatamente esse estado de coisas que torna tão pertinente a pergunta de Jó, “Quem da imundícia poderá tirar cousa pura? Ninguém”, Jó 14.4. Mas ainda isso não é tudo. Adão pecou não somente como o pai da raça humana, mas também como chefe representativo de todos os seus descendentes; e, portanto, a culpa do seu pecado é posta na conta deles, pelo que todos são passíveis de punição e morte. É primariamente nesse sentido que o pecado de Adão é o pecado de todos. É o que Paulo ensina em Rm 5.12: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”. As últimas palavras só podem significar que pecaram em Adão, e isso de modo que se tornaram sujeitos ao castigo e à morte. Não se trata do pecado considerado meramente como corrupção, mas como culpa que leva consigo o castigo. Deus adjudica a todos os homens a condição de pecadores culpados em Adão, exatamente como adjudica a todos os crentes a condição de justos em Jesus Cristo. É o que Paulo quer dizer, quando afirma: “pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida. Porque, como pela desobediência de um só homem muitos se tornaram pecadores, assim também por meio da obediência de um só muitos se tornarão justos”, Rm 5.18, 19. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 215)

A Natureza do Primeiro Pecado ou da Queda do Homem

1. SEU CARÁTER FORMAL. Pode-se dizer que, numa perspectiva puramente formal, o primeiro pecado do homem consistiu em comer ele da árvore do conhecimento do bem e do mal. Não sabemos que espécie de árvore era. Poderia ser uma tamareira ou uma figueira ou qualquer outra árvore frutífera. Nada havia de ofensivo no fruto da árvore como tal. Comê-lo não era pecaminoso per se, pois não era uma transgressão da lei moral. Quer dizer que não seria pecaminoso, se Deus não tivesse dito: “da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás”. Não há opinião unânime quanto ao motivo pelo qual a árvore foi denominada do conhecimento do bem e do mal. Uma opinião das mais comuns é que a árvore foi chamada assim porque o comer do seu fruto infundiria conhecimento prático do bem e do mal; mas é difícil sustentar isso face à exposição bíblica segundo a qual, comendo-o, o homem passaria a ser como Deus, no conhecimento do bem e do mal, pois Deus não comete pecado e, portanto, não tem conhecimento prático dele. É muito mais provável que a árvore foi denominada desse modo porque fora destinada a revelar (a) se o estado futuro do homem seria bom ou mal; e (b) se o homem deixaria que Deus lhe determinasse o que era bom ou mau, ou se encarregaria de determina-lo por si e para si. Mas, seja qual for a explicação que se dê do nome, a ordem de Deus para não comer do fruto da árvore serviu simplesmente ao propósito de pôr à prova a obediência do homem. Foi um teste de pura obediência, desde que Deus de modo nenhum procurou justificar ou explicar a proibição. Adão tinha que mostrar sua disposição para submeter a sua vontade à vontade do seu Deus com obediência implícita. 2. SEU CARÁTER ESSENCIAL E MATERIAL. O primeiro pecado do homem foi um pecado típico, isto é, um pecado no qual a essência real do pecado se revela claramente. A essência desse pecado está no fato de que Adão se colocou em oposição a Deus, recusou-se a sujeitar a sua vontade à vontade de Deus de modo que Deus determinasse o curso da sua vida; e tentou ativamente tomar a coisa toda das mãos de Deus e determinar ele próprio o futuro. O homem, que não tinha absolutamente nenhum direito para alegar a Deus, e que só poderia estabelecer algum direito pelo cumprimento da condição da aliança das obras, desligou-se de Deus e agiu como se possuísse certos direitos contra Deus. A idéia de que o mandado de Deus era de fato uma infração dos direitos do homem parece que já estava na mente de Eva quando, em resposta à pergunta de Satanás, acrescentou as palavras, “nem tocareis nele”, Gn 3.3. Evidentemente ela quis salientar o fato de que a ordem não fora razoável. Partindo da pressuposição de que tinha certos direitos contra Deus, o homem promulgou o novo centro de operações, que viu nele próprio, onde agir contra o seu Criador. Isto explica o seu desejo de ser como Deus e a sua dúvida quanto às boas intenções de Deus ao dar-lhe a ordem. Naturalmente podem distinguir-se diferentes elementos do seu primeiro pecado. No intelecto revelou-se como incredulidade e orgulho, na vontade, como o desejo de ser como Deus, e nos sentimentos, como uma ímpia satisfação ao comer do fruto proibido. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 216)

O Primeiro Pecado ou a Queda como Ocasionada pela Tentação

1. OS PROCEDIMENTOS DO TENTADOR. A queda do homem foi ocasionada pela tentação da serpente, que semeou na mente do homem as sementes da desconfiança e da descrença. Embora indubitavelmente a intenção do tentador fosse levar Adão, o chefe da aliança, a cair, não obstante dirigiu-se a Eva, provavelmente porque (a) não exercia a chefia da aliança e, portanto, não teria o mesmo senso de responsabilidade; (b) não recebeu diretamente a ordem de Deus, mas apenas indiretamente e, por conseguinte, seria mais suscetível de ceder à argumentação e duvidar; e (c) seria sem dúvida o instrumento mais eficiente para alcançar o coração de Adão. O curso seguido pelo tentador é bem claro. Em primeiro lugar, ele semeia as sementes da dúvida pondo em questão as boas intenções de Deus e insinuando que Sua ordem era realmente uma violação da liberdade e dos direitos do homem. Quando nota, pela reação de Eva, que a semente tinha criado raiz, acrescenta as sementes da descrença e do orgulho, negando que a transgressão resultaria na morte e dando a entender claramente que a ordem divina fora motivada pelo objetivo egoísta de manter o homem em sujeição. Ele afirma que, ao comer da árvore, o homem passaria a ser como Deus. As elevadas expectativas assim geradas induziram Eva a observar com atenção a árvore, e quanto mais olhava, melhor lhe parecia o fruto. Finalmente, o desejo lhe moveu a mão, e ela comeu do fruto e também o deu ao marido, e ele comeu. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 216)

INTERPRETAÇÃO DA TENTAÇÃO

Freqüentes tentativas têm sido feitas, e continuam sendo feitas, para explicar a Queda negando-lhe o caráter histórico. Alguns acham que toda a narrativa de Gênesis 3 é uma alegoria que representa figuradamente a autodepravação do homem e sua mudança gradativa. Barth e Brunner consideram a narrativa do estado original e da queda do homem um mito. Para eles, tanto a Criação como a Queda pertencem, não à história, mas ao que denominam super-história (Urgeschichte) e, daí, ambas são igualmente incompreensíveis. A narrativa dada em Gênesis ensina-nos meramente que, embora o homem seja atualmente incapaz de realizar algum bem e esteja sujeito à lei da morte, não há por que ser necessariamente assim. É possível ao homem livrar-se do pecado e da morte por uma vida de comunhão com Deus. Tal é a vida retratada para nós na narrativa sobre o paraíso, e ela prefigura a vida que nos é assegurada naquele de quem Adão foi apenas um tipo, a saber Cristo. Mas não é a classe de vida que o homem vive agora, ou que sempre viveu, desde o início da história. O paraíso não é uma certa localidade que podemos assinalar mas existe onde Deus é Senhor e o homem e as demais criaturas Lhe são sujeitos voluntariamente. O paraíso do passado está além dos limites da história humana. Diz Barth: “Quando a história do homem começou; quando o tempo do homem teve seu começo; quando o tempo e a história começaram onde o homem tem a primeira e a última palavra, o paraíso desapareceu”. É do mesmo teor o que Brunner fala, quando diz: “Assim como com respeito à Criação perguntamos em vão: Como, quando e onde aconteceu?. Também se dá com a Queda. Tanto a Criação como a Queda estão por trás da realidade histórica visível”. Outros, que não negam o caráter histórico da narrativa de Gênesis, afirmam que pelo menos a serpente não deve ser considerada como um animal literal, mas apenas como um nome ou um símbolo da cobiça, do desejo sexual, do raciocínio pecaminoso, ou de Satanás. Ainda outros asseveram que, para dizer o mínimo, o falar da serpente deve ser entendido figuradamente. Mas todas estas interpretações, e outras quejandas, são insustentáveis à luz da Escritura. As passagens que precedem e se seguem a Gn 3.1-7 manifestam evidente propósito de construir uma pura e simples narrativa histórica. Pode-se provar que assim foram entendidas pelos escritores bíblicos, mediante muitas referências, como por exemplo, Jó 31.33; Ec 7.29; Is 43.27; Os 6.7; Rm 5.12, 18, 19; 1 Co 5.21; 2 Co 11.3; 1 Tm 2.14, e, portanto, não temos o direito de afirmar que os referidos versículos, que constituem parte integrante da narrativa, devem ser interpretados figuradamente. Além disso, certamente a serpente é considerada como um animal em Gn 3.1, e não daria bom sentido substituir “serpente” por “Satanás”. O castigo de que fala Gn 3.14, 15 pressupõe uma serpente literal, e Paulo não a entende doutro modo, em 2 Co 11.3. E, apesar de poder-se entender num sentido figurado a serpente falar por meio de gestos astutos, não parece possível imaginá-la mantendo dessa maneira a conversação registrada em Gn 3. A transação toda, a fala da serpente inclusive, sem dúvida acha sua explicação na operação de algum poder sobrenatural, não mencionado em Gn 3. A Escritura dá a entender claramente que a serpente foi apenas um instrumento de Satanás, e que Satanás foi o real tentador, que agiu na serpente e por meio dela, como posteriormente agiu em homens e em porcos, Jo 8.44; Rm 16.20; 2 Co 11.3; Ap 12.9. A serpente foi um instrumento próprio para Satanás, pois ele é a personificação do pecado, e a serpente simboliza o pecado (a) em sua natureza astuta e enganosa, e (b) em sua picada venenosa, com a qual mata o homem. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 217)
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