quinta-feira, 15 de novembro de 2012

DECLARAÇÃO DA DOUTRINA DA EXPIAÇÃO SUBSTITUTIVA E PENAL

Na discussão deste conceito, devemos acentuar diversas particularidades. 1. A EXPIAÇÃO É OBJETIVA. Quer dizer que a expiação influi primordialmente na pessoa por quem é feita. Se um homem age mal e presta satisfação do mal que praticou, esta satisfação visa a influir na pessoa que praticou o mal, e não na parte ofendida. No caso em foco, significa que a expiação foi destinada a propiciar a Deus e reconciliá-lo com o pecador. Esta é, indubitavelmente, a idéia primordial, mas não implica que não podemos falar também da reconciliação do pecador com Deus. A Escritura o faz em mais de um lugar, Rm 5.10 "Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida"; 2 Co 5.19,20 "A saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus." Deve-se ter em mentem, porém, que isto não é equivalente a dizer que o pecador é expiado, o que significaria que Deus fez emendas ou reparações, que Ele prestou satisfação ao pecador. E mesmo quando dizemos que o pecador foi reconciliado, isto deve ser entendido como algo secundário. O Deus reconciliado justifica o pecador que aceita a reconciliação, e de tal modo opera em seu coração pelo Espírito Santo, que o pecador põe de lado a iníqua alienação de Deus e, assim, participa dos frutos da perfeita expiação de Cristo. Noutras palavras, o fato de que Cristo reconcilia a Deus com o pecador redunda numa ação reflexa da parte do pecador, em virtude da qual se pode dizer que o pecador se reconcilia com Deus. Desde que a expiação objetiva de Cristo é um fato consumado, e desde que agora é dever dos embaixadores de Cristo induzir os pecadores a aceitar a expiação e a pôr fim à sua hostilidade a Deus, não admira que ao aspecto secundário e subjetivo da reconciliação tenha, como tem, certa proeminência na Escritura. Esta exposição do car’ter objetivo da expiação é colocada em primeira plana porque representa a principal diferença entre os que aceitam a doutrina da expiação para satisfação e os que preferem alguma outra teoria. Surge aqui a questão sobre se este entendimento da expiação tem o apoio da escritura. Vê-se amplo apoio nela. Devemos notar as seguintes particularidades: a. O caráter fundamental do sacerdócio aponta claramente nessa direção. Enquanto os profetas representavam Deus entre os homens, os sacerdotes, em sua obra sacrificial e intercessória, representavam os homens na presença de Deus e, portanto, dirigiam-se a Deus. O escritor de Hebreus o expressa deste modo: “Porque todo sumo sacerdote, sendo tomado dentre os homens, é constituído nas cousas concernentes a Deus, a favor dos homens”, 5.1. Esta afirmação contém os seguintes elementos: (1) O sacerdote é tomado dentre os homens, é membro da raça humana, de maneira que pode representar os homens; (2) é constituído a favor dos homens, isto é, para agir no interesse dos homens; e (3) é constituído para representar os homens nas coisas concernentes a Deus, isto é, nas coisas que se dirigem rumo a Deus, que olham para Deus, que acabam em Deus. É isto uma clara indicação do fato de que a obra do sacerdote tem em vista primordialmente a Deus. O que não exclui a idéia de que a obra sacerdotal também tem uma influencia reflexa sobre os homens. b. A mesma verdade é transmitida pela idéia geral dos sacrifícios.Estes Têm evidentemente, um aspecto objetivo. Mesmo entre os gentios, eles eram apresentados, não aos homens, mas a Deus. Supunha-se que eles produziam efeito em Deus. A idéia escriturística do sacrifício não difere disso, em sua relação objetiva. Os sacrifícios do Velho testamento eram apresentados a Deus primeiramente para expiar o pecado, mas também como expressões de devoção e gratidão. Daí, o sangue tinha que ser levado às expressa presença de Deus. Diz o escritor de Hebreus que as “cousas concernentes a Deus” consistem em “oferecer assim dons como sacrifícios pelos pecados”. Os amigos de Jó foram concitados a apresentar sacrifícios “para que eu”diz o Senhor, “não vos trate segundo a vossa loucura”, Jó 42.8. os sacrifícios serviam de instrumentos para amenizar a ira do Senhor. c. A palavra hebraica kipper (no piel) expressa a idéia de expiação do pecado pela cobertura do pecado ou do pecador. O sangue do sacrifico é interposto entre Deus e o pecador e, em vista da ira de Deus, Na Septuaginta e no Novo Testamento os termos hilaskom e hilasmos são empregados num sentido conexo. O verbo significa “tornar propicio”, e o substantivo, “apaziguamento” ou “meio de apaziguar”. São termos de caráter objetivo. No grego clássico muitas vezes ocorrem em construções gramaticais com o acusativo de theos (Deus), embora não haja exemplo disto na Bíblia. No Novo Testamento o correm em construções com o acusativo da coisa referida (hamartias), Hb 2.17, ou com peri e o genitivo da coisa (harmation), 1 Jo 2.2; 4 .10. Interpreta-se melhor a primeira passagem à luz do uso do hebraico kipper; a última pode ser interpretada de modo semelhante, ou com theon como o objeto compreendido. Há tantas passagens que falam da ira de Deus e de Deus estando irado com os pecadores, que estamos plenamente justificados por falar de uma propiciação de Deus, Rm 1.18; Gl 3.10; Ef 2.3; Rm 5.9. Em Rm 5.10 e 11.28 os pecadores são chamados “inimigos de Deus” (echthroi) num sentido passivo, indicando, não que são hostis a Deus, mas que são objetos de desprazer de Deus. Na primeira passagem este sentido é exigido por sua ligação com o versículo anterior; na ultima, pelo fato de que echthroi está em contraste com agapetoi, que significa “os que amam a Deus”, mas, sim, “amados de Deus”. d. As palavras katalasso e katalage significam “reconciliar” e “reconciliação”. Indicam uma ação pela qual a inimizade e certamente possuem, primeiramente, uma significação objetiva. O ofensor reconcilia, não a si próprio, mas a pessoa ofendida. Isto vem demonstrado claramente em Mt 5.23, 24: “Se, pois, ao trazeres ap altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma cousa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão (o que, neste contexto, só pode significar, reconcilia teu irmão contigo mesmo, o que é objetivo); e, então voltando, faze a tua oferta”. O irmão que supostamente fizera a ofensa é procurado para que o mal ou a injustiça feita seja retirada. Ele precisa propiciar ou reconciliar consigo o seu irmão, seja qual for a compensação requerida. Em conexão com a obra de Cristo, as palavras que estão sendo consideradas certamente denotam, nalguns casos, a efetuação de uma mudança na relação judicial entre Deus e o pecador pela retirada da demanda judicial. De acordo co 2 Co 5.19, o fato de que Deus reconciliou Consigo o mundo evidencia que Ele não lhe imputa os seus pecados. Isto não mostra nenhuma mudança moral ocorrida no homem, mas, sim o fato de que as exigências da lei estão satisfeitas e que Deus está satisfeito.Em Rm 5.10, 11 o termo “reconciliação” só pode ser entendido num sentido objetivo, pois, (1) dela se diz que foi efetuada pela morte de Cristo, ao passo que a reconciliação subjetiva é resultado da obra do Espírito; (2) foi efetuada enquanto ainda éramos inimigos, isto é, enquanto ainda éramos objetos da ira de Deus; e (3) é descrita no versículo 11 como uma coisa objetiva que recebemos. e. Os termos lytron e antilytron também são objetivos. Cristo é o Goel, o Libertador, At 20.28; 1 Co 6.20; 7.23. Ele resgata os pecadores das exigências da justiça retributiva de Deus. O preço é pago a Deus por Cristo como representante do pecador. É evidente que a Bíblia nos justifica abundantemente na atribuição que fazemos de um caráter objetivo à expiação.Além disso, estritamente falando, a expiação, no sentido próprio da palavra, é sempre objetiva. Não existe expiação subjetiva. Na expiação é sempre a parte que agiu mal que faz reparações àquele que foi prejudicado pela má ação. 2. É UMA EXPIAÇÃO VICÁRIA. a. sentido da expressão “expiação vicária”. Há diferença entre expiação pessoal e vicária. Nosso interesse se volta particularmente para a diferença entre ambas quanto à expiação de Cristo. Quando o homem caiu e se afastou de Deus, ficou devendo uma reparação a Deus. Mas ele só poderia expiar o seu pecado sofrendo eternamente a penalidade fixada para a transgressão. É o que Deus podia exigir, pela estrita justiça, e teria exigido, se não tivesse agido com amor e compaixão pelo pecador. De fato, porém, Deus designou um substituto na pessoa de Jesus Cristo para tomar o lugar do homem, e este substituto expiou o pecado e obteve eterna redenção para o homem. O dr. Shedd chama a atenção para os seguintes pontos de diferença neste caso: (1) A expiação pessoal é providenciada pela parte ofensora; a expiação vicária, pela parte ofendida. (2) A expiação pessoal excluiria o elemento de misericórdia; a expiação vicária representa a mais elevada forma de misericórdia. (3) A expiação pessoal estaria em ação para sempre e, daí, não poderia redundar em redenção; a expiação vicária leva à reconciliação e a vida eterna. b. A possibilidade da expiação vicária. Todos quantos defendem uma teoria subjetiva da expiação levantam uma formidável objeção à idéia da expiação vicária. Acham inimaginável que um Deus justo transfira a Sua ira contra ofensores morais para uma parte perfeitamente inocente, e que trate judicialmente o inocente como se fosse culpado. Há, indubitavelmente, uma real dificuldade aqui, especialmente em vista do fato de que isto parece contrário a toda analogia humana. Não podemos concluir da possibilidade da transferência de um débito pecuniário que haja possibilidade de transferência de um débito penal. Se uma pessoa bondosa se oferecer para pagar o débito pecuniário de outrem, o pagamento terá que ser aceito e, ipso facto, o devedor ficará livre de toda obrigação. Mas não é este o caso, quando alguém se oferece para expiar vicariamente a transgressão de outrem. Para ter valor legal, precisa ser expressamente permitido e autorizado pelo legislador. Com referência à lei, isto se chama relaxação judicial, e, com relação ao pecador, é conhecido como remissão. O juiz não necessita permitir isso, mas poderá fazê-lo; todavia, poderá permiti-lo somente sob certas condições, como (1) que a parte culpada não esteja em condições de suportar a penalidade até o fim, pelo que resulta numa relação justa; (2) que a transferência não invada os direitos e privilégios de terceiros inocentes, nem os leve a sofrer dificuldades e privações; (3) que a pessoa que se dispõe a sofrer a penalidade já não seja devedora à justiça, e não tenha que prestar serviços devidos ao governo; e (4) que a parte culpada mantenha a consciência da sua culpa e do fato de que o substituto estará sofrendo por ela. Em vista disso tudo, poder-se-á entender que a transferência do débito penal é quase, senão inteiramente, impossível entre os homens. No caso de Cristo, porém, totalmente único que é, porquanto obteve uma situação sem paralelo, todas as condições mencionadas foram preenchidas. Não houve injustiça de nenhuma espécie. c. Provas bíblicas da expiação vicária de Cristo. A Bíblia certamente ensina que os sofrimentos e a morte de Cristo foram vicários, e vicários no sentido estrito da palavra, que Ele tomou o lugar dos pecadores, e que a culpa deles Lhe foi imputada e a punição que mereciam foi transferida para Ele. Não é nada disso que Bushnell quer dizer quando fala do “sacrifício vicário” de Cristo. Para ele, isto significa apenas que Cristo levou sobre Si os nossos pecados “em Seu sentimento”, inseriu-se no mau destino dos pecadores por Sua simpatia, como amigo, e até mesmo se dedicou, e dedicou Sua vida, a um esforço pela restauração da misericórdia; numa palavra, que Ele levou sobre Si os nossos pecados no mesmo sentido em que levou sobre Si as nossas enfermidades”. Os sofrimentos de Cristo não foram tão somente os sofrimentos que um amigo padece por simpatia, mas, sim, foram os sofrimentos substitutivos do Cordeiro de Deus pelos pecados do mundo. As provas escriturísticas disto podem ser classificadas como segue: (1) O Velho Testamento nos ensina a considerar como vicários os sacrifícios que eram apresentados sobre o altar. Quando o israelita apresentava um sacrifício ao Senhor, tinha que pôr a mão sobre a cabeça do sacrifício e confessar o seu pecado. Este ato simbolizava a transferência do pecado para a oferta e a tornava apta para expiar o pecado do ofertante, Lv 1.4. Cave e outros consideram esse ato apenas como um símbolo de dedicação. Mas isto não explica a razão pela qual a imposição das mãos habilitava o sacrifício a fazer expiação pelo pecado. Tampouco está em harmonia com o que aprendemos a respeito do significado da imposição das mãos no caso do bode expiatório em Lv 16.20-22. Após a imposição das mãos, a morte era infligida vicariamente ao animal oferecido em sacrifício. A significação disto é claramente indicada na passagem clássica que se acha em Lv 17.11: “Porque a vida da carne está no sangue. Eu vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas: porquanto é o sangue que fará expiação em virtude da vida”. Diz o dr. Vos: “O animal sacrificial toma, em sua morte, o lugar da morte que cabia ao ofertante. É pena por pena”. Os sacrifícios assim apresentados eram prefigurações do grande e único sacrifício de Jesus Cristo. (2) Há várias passagens na Escritura que falam dos nossos pecados sendo lançados sobre Cristo e de Cristo levando sobre Si o pecado ou a iniqüidade, Is 53.6, 12; Jo 1.29; 2 Co 5.21; Gl 3.13; Hb 9.28; 1 Pe 2.24. Com base na Escritura podemos, pois, dizer que os nossos pecados são imputados a Cristo. Não significa que a nossa pecaminosidade foi transferida para Ele – coisa em si mesma completamente impossível – mas, sim, que a culpa do nosso pecado Lhe foi imputada. Diz o dr. A. A. Hodge: “Pode-se considerar o pecado (1) em sua natureza formal, como transgressão da lei, 1 Jo 3.4; ou (2) como qualidade moral inerente ao agente (macula, Mácula), Rm 6.11-13; ou (3) com respeito à sua obrigação legal para com a punição (reatus, condição de réu, culpabilidade). Somente neste último sentido sempre se diz que o pecado de u é lançado sobre ou é por este levado sobre si”. Estritamente falando, então, a culpa do pecado, como coisa passível de punição, foi imputada a Cristo; e esta só pôde ser transferida porque não era inerente à pessoa do pecador, mas era uma coisa objetiva. (3) Finalmente, há diversas passagens em que as preposições peri, hyper e anti são empregadas em conexão com a obra realizada por Cristo em favor dos pecadores. A idéia de substituição é menos expressa pela primeira, e mais pela última preposição. Mas, mesmo para a interpretação de hyper e anti, temos que depender grandemente do contexto, pois, embora a primeira signifique realmente “a favor de”, “no interesse de”, pode expressar, e nalguns casos expressa, a idéia de substituição, e embora a última possa significar “em lugar de”, nem sempre tem esse sentido. É muito interessante notar que, de acordo com Deismann, encontraram-se nas inscrições vários exemplos do uso de hyper significando “como representante de”. Vemos um emprego parecido desta preposição em Filemom 13. Em passagens como Rm 5.6-8; 8.32; Gl 2.20; Hb 2.9, provavelmente significa “em lugar de”, embora também possa ser traduzida por “em favor de”; mas em Gl 13.13; Jo 11.50; 2 Co 5.15, certamente significa “em lugar de”. Diz Robertson que só a violência ao texto poderá evitar esse sentido ali. A preposição anti significa claramente “em lugar de” em Mt 2.22; 5.38; 20.28; Mc 10.45. Segundo Robertson, qualquer outro sentido do termo está fora de questão nessas passagens. A mesma idéia é expressa em 1 Tm 2.6. d. Objeções à idéia da expiação vicária. Várias objeções são feitas à idéia da expiação vicária. (1) A substituição nas questões penais é ilegal. Geralmente se admite que, nos casos de uma dívida pecuniária, o pagamento feito por um substituto não é somente permissível, mas deve ser aceito, e cancela definitivamente toda obrigação posterior da parte do devedor original. Contudo, dizem que a dívida penal é tão pessoal que não admite nenhuma transferência como aquela. Mas é mais que evidente que existem outros casos, além dos de natureza pecuniária, em que a lei prevê a substituição. Armour, em sua obra sobre A Expiação e a Lei (Atonement and Law), menciona três tipos de casos assim. O primeiro é o da substituição no caso do serviço militar requerido pelo bem do próprio país. A respeito do terceiro, diz ele: “mesmo em caso de crise, a lei, como é entendida e ministrada pelos homens de todas as terras, estabelece que a pena pode ser cumprida por um substituto, em todos os casos em que a pena prescrita é tal que um substituto possa cumpri-la coerentemente com as obrigações sob as quais ele já se acha”. É perfeitamente evidente que a lei reconhece o princípio de substituição, conquanto não seja fácil citar casos em que sofressem as penas impostas a estes. Isto encontra suficiente explicação no fato de que normalmente é impossível encontrar homens que preencham todas as condições expostas no item (b), acima. Mas o fato de que é impossível encontrar homens que preencham essas condições não é prova de que Jesus Cristo não as pôde preencher. Na verdade, ele pôde e o fez, e, portanto, foi um substituo aceitável. (2) Faz o inocente sofrer pelo mau. É a pura verdade que, de acordo com a doutrina penal substitutiva da expiação, Cristo sofreu como “o justo pelos injustos” (1 Pe 3.18), mas dificilmente se pode impor isto como objeção à doutrina da expiação vicária. Na forma que esta doutrina leva o inocente a sofrer as conseqüências da culpa dos maus e, portanto, é inaceitável, é o mesmo que levantar objeção contra o governo moral de Deus em geral. Na vida real, muitas vezes os inocentes sofrem em resultado da transgressão de outros. Além disso, nesta forma a objeção valeria contra todas as teorias da expiação, assim chamadas, pois elas apresentam os sofrimentos de Cristo como sendo, nalgum sentido, resultado dos pecados da humanidade. Às vezes se diz que um agente moral não pode razoavelmente ser responsabilizado pro nenhum pecado, exceto se o cometer pessoalmente; mas isto é contraditado pelos fatos da vida. Alguém que paga outro para cometer um crime é responsável pelo referido crime; assim se dá com todos os cúmplices de um crime. (3) Faz de Deus o pai culpado de injustiça. Parece que todas as objeções são realmente variações do mesmo tema. A terceira é virtualmente igual à segunda, colocada numa forma um tanto mais legal. A doutrina da expiação vicária, dizem, envolve, injustiça da parte do pai, no sentido de que Ele simplesmente sacrifica o Filho pelos pecados da humanidade. Esta objeção já foi levantada pro Abelardo, mas ignora vários fatos pertinentes. Não foi o pai, mas o trino Deus que concebeu o plano de redenção. Houve um solene acordo entre as três pessoas da Divindade. E neste plano o Filho se incumbiu voluntariamente de sofrer a pena pelo pecado e de satisfazer as exigências da lei divina. E não somente isso, mas a obra sacrificial de Cristo trouxe também imenso proveito e glória para Cristo como Mediador. Significou para Ele uma numerosa semente, adoração cheia de amor e um reino glorioso. E, finalmente, esta objeção funciona como um bumerangue, pois volta vingativamente para a cabeça daqueles que, como Abelardo, negam a necessidade de uma expiação objetiva, uma vez que todos eles concordam que o pai enviou o Filho ao mundo para amargo sofrimento e vergonhosa morte que, apesar de benéfica, todavia era desnecessária. Isto sim, teria sido cruel! (4) Não há aquela união que justificaria uma expiação vicária. O que se diz é que, se um substituto deve remover a culpa de um ofensor, é preciso haver uma real união entre eles que justificasse tal procedimento. Pode-se admitir a necessidade da haver uma união antecedente entre um substituto e aqueles que ele representa, mas a idéia de que essa união deve ser orgânica, como a que os componentes em geral têm em mente, não se pode conceder. De fato, a requerida união deve ser legal, e não orgânica, e foi feita provisão para essa união no plano de redenção. Nas profundezas da eternidade, o Mediador da nova aliança encarregou-se livremente de ser o representante do Seu povo, isto é, daqueles que o pai Lhe deu. Foi estabelecida uma relação federal, em virtude da qual Ele se tornou o seu Fiador. Esta é a união básica e mais fundamental entre Cristo e os Seus e, com base nisto, formou-se uma união mística, idealmente no conselho de paz, a concretizar-se no curso da história na união orgânica de Cristo e Sua igreja. Portanto, Cristo pode agir como o representante legal dos Seus e, estando em união mística com eles, pode também comunicar-lhes as bênçãos da salvação. 3. INCLUI A OBEDIÊNCIA ATIVA E PASSIVA DE CRISTO. É costume distinguir-se entre a obediência ativa e a obediência passiva de Cristo. Mas, ao fazer-se discriminações entre ambas, deve-se entender distintamente que elas não podem ser separadas. As duas acompanham uma à outra em todos os pontos da vida do Salvador. Há uma constante interpretação de ambas. Uma parte da obediência ativa de Cristo era que Ele se sujeitasse voluntariamente aos sofrimentos e à morte. Ele mesmo diz, referindo-se à Sua vida: “Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou”, Jo 10.18. Por outro lado, também era parte da obediência passiva de Cristo que Ele vivesse em sujeição à lei. Seu viver de servo constitui um importante elemento dos Seus sofrimentos. A obediência ativa e a obediência passiva de Cristo devem ser consideradas partes complementares de um todo orgânico. Na discussão deste assunto é preciso ter em conta a tríplice relação de Cristo com a lei, a saber, a relação natural, a federal e a penal. O homem revelou-se um fracasso em cada uma delas. Ele não guardou a lei em seus aspectos natural e federal, e agora não está em condições de cumprir a pena, para ser restabelecido no favor de Deus. Embora naturalmente Cristo tenha entrado na primeira relação por Sua encarnação, vicariamente só entrou na segunda e na terceira relações. E é particularmente nestas que está o nosso interesse neste contexto. a. A obediência ativa de Cristo. Como Mediador, Cristo entrou na relação federal em que se achava Adão em seu estado de integridade, e o fez para merecer a vida eterna para o pecador. Isto constitui a obediência ativa de Cristo, que consiste em tudo que Cristo fez para observar a lei em seu aspecto federal, como condição para obter a vida eterna. A obediência ativa de Cristo foi necessária para tornar aceitável a Deus a Sua obediência passiva, isto é, para fazer Del objeto do beneplácito de Deus. É somente por causa da obediência ativa de Cristo que os Seus sofrimentos recebem de Deus uma avaliação diferente da que recebem os sofrimentos dos perdidos. Além disso, se Cristo não tivesse prestado obediência ativa, a própria natureza humana de Cristo teria ficado aquém das justas exigências de Deus, e Cristo não teria competência para fazer expiação a favor de outros. E, finalmente, se Cristo tivesse sofrido somente a pena imposta ao homem, os que partilhassem os frutos da Sua Obra seriam deixados exatamente onde Adão estava antes da Queda. Cristo merece pelos pecadores mais do que o perdão de pecados. De acordo com Gl 4.4, 5, por intermédio de Cristo eles ficam livres da lei como condição para a vida, são adotados como filhos de Deus e, como filhos, são também herdeiros da vida eterna, Gl 4.7. Tudo isso é primariamente condicionado pela obediência ativa de Cristo. Por intermédio de Cristo a justiça da fé substitui a da lei, Rm 10.3, 4. Diz-nos Paulo que, pela obra realizada por Cristo, a justiça ou “o preceito da lei” se cumpre em nós, Rm 8.3, 4, e que fomos feitos “justiça de Deus”, 2 Co 5.21. Segundo Anselmo, a vida de obediência de Cristo não tem sentido redentor, visto que Ele mesmo a devia a Deus. Somente os sofrimentos do Salvador constituíram uma reivindicação a Deus e desempenharam papel fundamental para a redenção do pecador. Pensando de maneira um tanto parecida, Piscator, os arminianos do século dezessete, Richard Watson, R. N. Davies e outros eruditos arminianos, negam que a obediência ativa de Cristo tenha a significação redentora que lhe atribuímos. Sua negação funda-se principalmente em duas considerações: (1) Cristo precisava de Sua obediência ativa em Seu próprio favor, como homem. Estando sob a lei, tinha a obrigação de cumpri-la para o Seu próprio bem. Em resposta a isto, pode-se dizer que, apesar de Cristo possuir natureza humana, era, obstante, uma pessoa divina e, como tal, não estava sujeito à lei em seu aspecto federal, à lei como condição da aliança das obras para a vida. Todavia, como o último Adão, Ele tomou o lugar do primeiro. O primeiro Adão estava por natureza debaixo da lei de Deus e observá-la nesta qualidade não lhe dava direito a recompensa. Foi somente quando Deus, por Sua graça, entrou em aliança com ele e lhe prometeu vida pela obediência, que a guarda da lei passou a ser a condição para a obtenção da vida eterna para ele e para os seus descendentes. E quando Cristo entrou voluntariamente na relação federal como o último Adão, naturalmente a guarda da lei adquiriu a mesma significação para Ele e para aqueles que o pai Lhe dera. (2) Deus exige, ou pode exigir, somente uma de duas coisas do pecador: Ou obediência à lei, ou sujeição à pena; mas não pode exigir as duas coisas. Se a lei for obedecida, a pena não poderá ser infligida; e se a pena for cumprida, nada mais poderá ser exigido. Há, porém, certa confusão aí, confusão que redunda em mal entendido. Esta alternativa, “ou...ou”, era aplicável ao caso de Adão antes da Queda, mas sua aplicação cessou no momento em que ele pecou e, assim, entrou numa relação penal com a lei. Deus continuou a exigir a obediência do homem, mas, em acréscimo a isto, exigiu que ele cumprisse e pena pela transgressão passada.Satisfazer esta dupla exigência era o único meio de obtenção da vida, depois que o pecado entrou no mundo. Se Cristo cumprisse meramente a lei e não cumprisse também a pena, não conseguiria o direito à vida eterna a favor dos pecadores; e se Ele apenas cumprisse a pena, sem satisfazer as exigências originais da lei, deixaria o homem nas condições de Adão antes da Queda, ainda confrontando com a incumbência de obter a vida eterna pela obediência. Contudo, por Sua obediência, Ele conduziu o Seu povo para além daquele ponto e lhe deu direito à vida eterna. b. A obediência passiva de Cristo. Como Mediador, Cristo entrou também na relação penal com a lei, a fim de cumprir a pena em nosso lugar. Sua obediência passiva consistiu em Seu cumprimento da penalidade do pecado mediante os Seus sofrimentos e morte, cancelando assim o débito de todo o Seu povo. Os sofrimentos de Cristo, já descritos, não Lhe sobrevieram acidentalmente, nem como resultado de circunstancias puramente naturais. Foram lançados judicialmente sobre Ele como o nosso representante e, portanto, foram sofrimentos realmente penais. O valor redentor desses sofrimentos resulta dos seguintes fatos: Foram padecidos por uma pessoa divina que, somente em virtude as Sua divindade, podia sofrer a penalidade até o fim e, assim libertar-se dela. Em vista do valor infinito da pessoa que se encarregou de pagar o preço e sofrer a maldição, eles satisfizeram essencial e intensivamente a justiça de Deus. Foram sofrimentos estritamente morais, pois Cristo os tomou sobre Si voluntariamente e, ao padece-los, era perfeitamente inocente e santo. A obediência passiva de Cristo sobressai proeminentemente em passagens como as seguintes: Is 53.6; Rm 4.25; 1 Pe 2.24; 3.18; 1 Jo 2.2, enquanto que a Sua obediência ativa é ensinada em passagens como Mt 3.15; 5.17, 18; Jo 15.10; Gl 4.4, 5; Hb 10.7-9, em conexão com as passagens que nos ensinam que Cristo é a nossa justiça, Rm 10.4; 2 Co 5.21; Fp 3.9; e quer ele nos assegurou a vida eterna, a adoção de filhos, e uma herança eterna, Gl 3.13, 14; 4.4, 5; Ef 1.3-12; 5.25-27. os arminianos estão dispostos a admitir que Cristo, por Sua obediência passiva, mereceu para nós o perdão de pecados, mas se recusam a conceder que Ele também mereceu para nós a positiva aceitação da parte de Deus, a adoção de filhos e a vida eterna. (Berkhof, L – Teologia Sistemática. Pg376)

TEORIAS DIVERGENTES DA EXPIAÇÃO

Dado que, evidentemente, a expiação é uma coisa objetiva, uma coisa que segue direção rumo a Deus, estritamente falando, somente podem entrar em consideração aqui as teorias que descrevem a obra de Cristo como destinada primordialmente a livrar a ira de Deus os pecadores e libertá-los da punição divina, mais que mudar a atitude do pecador para com Deus, de uma atitude de hostilidade para uma atitude de amizade. As teorias que são inteiramente subjetivas e que concebem a obra realizada por Cristo como a de exclusivamente levar sobre Si a condição moral do pecador, deveriam, pela estrita lógica,ser deixadas totalmente fora de consideração. Presumivelmente, deveriam ser consideradas como teorias de reconciliação, mas dificilmente poderiam ser consideradas como teorias de expiação. Assinala ele que a expiação, como base objetiva do perdão de pecados, deve responder a uma necessidade que naturalmente determinará a sua natureza. Esta necessidade deve estar, ou na exigência de uma justiça absoluta que tem que punir o pecado, ou no oficio reitoral da justiça como uma obrigação de conservar os interesses do governo moral. No primeiro caso, chega-se à teoria da satisfação; no segundo, à teoria governamental, que é preferida por Miley e que tem o apoio dos metodistas em geral. Alfred Cave atribui um teor objetivo à teoria dos arminianos primitivos, teoria na qual a morte de Cristo é considerada como substituta da penalidade imposta aos pecadores; e à teoria de McLeod Campbell, que vê a real significação da obra de Cristo em Seu arrependimento vicário. É indubitavelmente certo que ambas contêm um elemento objetivo. Mas em acréscimo a estas, existem diversas teorias puramente subjetivas. Conquanto, estritamente falando, estas não sejam teorias da expiação, requerem, não obstante, a nossa consideração, uma vez que em muitos círculos são considerados como tais. As seguintes são as teorias importantes: (Berkhof, L – Teologia Sistemática. Pg379)

TEORIAS DA IGREJA PRIMITIVA

Havia duas teorias na Igreja Primitiva que requerem breve menção. 1. TEORIA DO RESGATE PAGO A SATANÁS. Esta se baseia na singular noção de que a morte de Cristo constituiu um resgate pago a Satanás, a fim de cancelar as justas prerrogativas deste sobre o homem. Orígenes, um dos principais advogados desta teoria, afirmava que Satanás foi enganado na barganha, visto que o resultado evidenciou que ele não pôde resistir à presença do santo Cristo e não foi capaz de retê-lo em seu poder. Esta teoria teve o apoio de diversos “pais da igreja” primitivos, assim chamados, embora nem sempre a expusessem da mesma forma. Patenteou-se a sua tenacidade, pois o seu eco ainda foi ouvido nos tempos de Anselmo. Todavia, viu-se que era tão incôngrua que gradativamente desapareceu, por falta de suporte hábil. Mackintosh fala desta teoria como a teoria exotérica da Igreja Primitiva. 2. TEORIA DA RECAPITULAÇÃO. Irineu, que também expressou a idéia de que a morte de Cristo satisfez a justiça de Deus e, assim libertou o homem, deu, sem embargo, grande proeminência à teoria da recapitulação, isto é, à idéia, como a expressa Orr, de que “Cristo recapitula em Si próprio todos os estágios da vida humana, inclusos os que pertencem ao nosso estado como pecadores”. Por Sua encarnação e por Sua vida humana, ele inverte o curso no qual Adão, por seu pecado, lançou a humanidade e, deste modo, vem a ser um novo fermento na vida da humanidade. Ele comunica imortalidade aos que se unem a Ele pela fé, e efetua uma transformação ética em suas vidas, e com a Sua obediência compensa a desobediência de Adão. Esta, segundo Mackintosh, era a teoria esotérica da Igreja Primitiva. (Berkhof, L – Teologia Sistemática pg380)

A TEORIA DA SATISFAÇÃO, DE ANSELMO (TEORIA COMERCIAL)

A teoria de Anselmo é, às vezes, identificada com a dos Reformadores, que também é conhecida como teoria da satisfação, mas as duas não são idênticas. Alguns procuram predispor outros contra ela chamando-lhe “teoria comercial”. Anselmo salientava a necessidade absoluta da expiação baseando-se na própria natureza de Deus. Segundo ele, o pecado consiste em negar a criatura a Deus a honra que Lhe é devida. Pelo pecado do homem, Deus ficou privado da Sua honra, e era necessário que se vindicasse esta ofensa. Isto só poderia ser feito de uma destas duas maneiras: punição ou satisfação. A misericórdia de Deus O moveu a buscá-lo pelo recurso da satisfação, e mais particularmente pela dádiva do Seu Filho, que era o único caminho, desde que se requeria uma satisfação infinita. Cristo prestou obediência à lei, mas, visto que isso não era nada mais que o Seu dever como homem, não constitui nenhum mérito da Sua parte. Em acréscimo a isso, porém, Ele também sofreu e morreu no cumprimento do Seu dever; e desde que Ele, como um ser sem pecado, não era obrigado a sofrer e morrer, deu glória infinita a Deus. Esta foi uma obra de supererrogação da parte de Cristo, que mereceu, e obteve, uma recompensa; mas, desde que Cristo, como Filho de Deus, não tinha necessidade de coisa alguma para Si mesmo, a recompensa foi transferida para os pecadores na forma de perdão de pecados e da bem-aventurança futura para todos os que vivem de acordo com os mandamentos do Evangelho. Anselmo foi o primeiro a elaborar uma doutrina bastante completa da expiação, e em muitos aspectos a sua teoria aponta na direção certa. Contudo, está aberta a diversas críticas. 1. Não é coerente em sua exposição da necessidade da expiação. Ostensivamente não baseia esta necessidade na justiça de Deus, que não pode tolerar o pecado, mas na honra de Deus, que exige emenda ou reparação. Ele na verdade parte do princípio do “direito privado” ou da prática privada, segundo a qual uma parte ofendida pode exigir qualquer satisfação que lhe pareça própria; e, todavia, ele argumenta a favor da necessidade da expiação de um modo que só se prende à perspectiva do direito público. 2. Esta teoria realmente não tem espaço para a idéia de que, pelo sofrimento, Cristo sofreu a penalidade do pecado, e de que os Seus sofrimentos foram estritamente vicários. A morte de Cristo é mero tributo oferecido voluntariamente à honra do Pai. Constitui um mérito supererrogatório, compensando o demérito dos outros; e esta é realmente a doutrina católica da penitência aplicada à obra de Cristo. 3. O esquema também é unilateral e, portanto, insuficiente, no sentido de que baseia a redenção exclusivamente na morte de Cristo, concebida como uma contribuição material para a honra de Deus, e exclui a obediência ativa de Cristo como um fator que contribui para a Sua obra expiatória. Toda a ênfase recai na morte de Cristo, e não se faz justiça ao significado redentor da Sua vida. 4. Na apresentação feita por Anselmo há apenas uma transferência dos méritos de Cristo para o homem. Não contém nenhuma indicação do modo pelo qual a obra de Cristo em favor do homem é comunicada a este. Não há nenhuma alusão à união mística dos crentes, nem à fé como recebendo a justiça de Cristo. Desde que a transação toda tem aparência comercial, muitas vezes a teoria é denominada teoria comercial. (Berkhof, L – Teologia Sistemática pg381)

A TEORIA DA INFLUÊNCIA MORAL

Esta teoria foi propugnada por Abelardo, em oposição a Anselmo, e desde os seus dias encontrou muitos defensores ardorosos. A idéia fundamental é sempre a mesma, conquanto assumindo formas diferentes nas mãos de homens como Young, Maurice, Bushnell, Stevens, David Smith e muitos outros. A idéia fundamental é que não há nenhum princípio da natureza divina que necessariamente requeira satisfação da parte do pecador; e que a morte de Cristo não deve ser considerada como uma expiação pelo pecado. Foi meramente uma manifestação do amor de Deus, sofrendo Ele em todas as Suas criaturas pecadoras e com elas, e levando sobre Si as suas dores e os seus pesares. Este sofrimento não serviu para satisfazer a justiça divina, mas, sim, para revelar o amor divino, com vistas a abrandar os corações humanos e levá-los ao arrependimento. Ela garante aos pecadores que não há obstáculo algum da parte de Deus que O impeça de perdoar os seus pecados. Ele não somente pode fazê-lo sem receber qualquer satisfação, mas está mesmo ansioso para fazê-lo. O único requisito é que os pecadores venham a Ele com corações penitentes. As seguintes objeções podem ser apresentadas contra esta teoria: 1. Esta teoria é contrária aos claros ensinamentos da Escritura, a qual descreve a obra expiatória de Cristo como necessária, não primariamente para revelar o amor de Deus, mas, sim, para satisfazer a Sua justiça; considera os sofrimentos e a morte de Cristo como propiciatórios e penais; e ensina que o pecador não é suscetível de influência moral da obra sacrificial de Cristo, enquanto a justiça de Cristo não vier a ser sua pela fé. 2. Embora seja um fato indubitável que a cruz de Cristo foi a suprema manifestação do amor de Deus, só pode ser considerada como tal do ponto de vista da doutrina substitutiva e penal da expiação, segundo a qual os sofrimentos e a morte de Cristo foram absolutamente necessários para a salvação dos pecadores. Mas, de acordo com a teoria da influência moral, eles serviram apenas ao propósito de impressionar o homem, o que Deus poderia ter feito de muitas outras maneiras; e, portanto, não eram necessários. E se não eram necessários, foram na verdade uma cruel manifestação do amor de Deus – uma contradição de termos. Os sofrimentos e a morte de Cristo só foram uma demonstração do amor de Deus se este era o único meio de salvar os pecadores. 3. Esta teoria priva a expiação do seu caráter objetivo e, com isso, deixa de ser uma verdadeira teoria da expiação. É, no máximo, uma unilateral teoria da reconciliação. De fato, nem isso, pois a reconciliação subjetiva só é possível com base numa reconciliação objetiva. Ela realmente confunde o método de salvação escolhido por Deus para salvar o homem com a experiência que o homem salvo tem da salvação, pois, nesse conceito, a expiação consiste em seus efeitos na vida do crente, em união com Cristo. 4. Finalmente, esta teoria falha em seu próprio princípio. É verdade indubitável que o sofrimento necessário, isto é, o sofrimento por um propósito salvífico que não poderia ser realizado de nenhuma outra maneira, tem poder para causar profunda impressão. Mas o efeito de um sofrimento voluntário, inteiramente desnecessário e não exigido, é completamente diferente. De fato, isso é reprovado pela consciência cristã. (Berkhof, L – Teologia Sistemática pg382)

A TEORIA DO EXEMPLO

Esta teoria foi defendida pelos socinianos no século dezesseis, em oposição à doutrina dos Reformadores de que Cristo expiou vicariamente o pecado da humanidade. Seu princípio fundamental é que não existe justiça retributiva em Deus que exija absoluta e inexoravelmente que o pecado seja punido. Sua justiça não O impede de perdoar quem Ele quiser, sem exigir nenhuma satisfação. A morte de Cristo não expiou o pecado, nem levou Deus a perdoar o pecado. Cristo salva os homens revelando-lhes o caminho da fé e da obediência como o caminho da vida eterna, dando-lhes um exemplo de verdadeira obediência, tanto em Sua vida como em Sua morte, e inspirando-os a terem vida semelhante. Este conceito na verdade não estabelece nenhuma conexão direta entre a morte de Cristo e a salvação dos pecadores. Todavia, ele afirma que se pode dizer que a morte de Cristo expia os pecados do homem em vista do fato de que Cristo recebeu, como recompensa por Sua obediência até a morte, o poder de conceber vida eterna aos crentes. Esta teoria é objetável por várias razões. 1. É na verdade um ressurgimento e uma mistura de várias heresias antigas: do pelagianismo, com a sua negação da depravação humana e a sua afirmação da capacidade natural do homem para salvar-se; da doutrina adocionista, com a sua crença em que o homem Jesus foi adotado para ser o Filho Messiânico de Deus em função da Sua obediência; da doutrina de uma vontade arbitrária em Deus, apregoada por Duns Scotus; e da ênfase de alguns dos chamados “pais primitivos da igreja” à eficácia salvadora do exemplo de Cristo. Conseqüentemente, está exposta às objeções que militam contra esses conceitos. 2. É inteiramente antibíblica em sua idéia de Cristo como um mero homem, de qualidades excepcionais; em seu conceito de pecado, em que o caráter do pecado como culpa, tão fortemente acentuado pela palavra de Deus, é inteiramente ignorado; em sua ênfase unilateral ao significado redentor da vida de Cristo; e em sua apresentação da morte de Cristo como a morte de um mártir, ao mesmo tempo em que não explica a angustia de Cristo na cruz, tão diversa da maneira de morrer dos mártires. 3. Não explica a salvação dos que viveram antes da encarnação do Verbo e das crianças. Se a vida e os sofrimentos de Cristo salvam os pecadores tão somente por seu caráter exemplar, surge naturalmente a questão sobre como será que aqueles que viveram antes da vinda de Cristo e aqueles que morreram na infância podem auferir algum beneficio deles. Todavia, há clara prova bíblica de que a obra realizada por Cristo foi também retrospectiva em sua eficácia, e de que os pequeninos também partilham os benefícios da Sua morte expiatória. 4. Além disso, conquanto seja perfeitamente certo que Cristo é apresentado também como um exemplo na Escritura, em parte alguma é apresentado como um exemplo que os incrédulos devem imitar, e que os salvará se o fizerem; e, contudo, este é o pressuposto necessário da teoria em foco. O exemplo de Cristo é tal que somente o Seu povo pode segui-lo, e mesmo o Seu povo só pode assemelhar-se tenuemente a Ele. Ele é o nosso Redentor, antes de poder ser o nosso exemplo. (Berkhof, L – Teologia Sistemática pg383)

A TEORIA GOVERNAMENTAL

A teoria governamental foi destinada a ser um meio termo entre a doutrina da expiação, ensinada pelos Reformadores, e o conceito sociniano. Ela nega necessariamente a justiça de Deus requer que todas as exigências da lei sejam satisfeitas. A lei é mero produto da vontade de Deus, e Ele pode alterá-la ou até abrigá-la, como Lhe aprouver. Embora pela estrita justiça o pecador merecesse a morte eterna, esta sentença não é executada rigorosamente, pois os crentes são livres. Quanto a estes, a pena é posta de lado, e isto sem estrita satisfação. Cristo, na verdade, prestou uma certa satisfação, mas esta foi apenas um equivalente nominal da penalidade devida ao homem; uma coisa que a Deus aprouve aceitar como tal. Se se fizer a indagação, por que Deus não remitiu a pena de uma vez, como podia ter feito, a resposta é que Ele tinha que revelar de algum modo a natureza inviolável da lei e o Seu desagrado pelo pecado, a fim de que Ele, o Governador moral do universo, pudesse manter o Seu governo moral.Esta teoria, defendida primeiro por Grócio, foi adotada por Wardlaw e por diversos teólogos da Nova Inglaterra, e também recebe apoio de obras recentes, como as de Dale, A. cave, Miley, Creighton e outros. Está sujeita às seguintes objeções: 1. Ela evidentemente se apóia em certos falsos princípios. De acordo com ela, a lei não é uma expressão da natureza essencial de Deus, mas, sim, da Sua vontade arbitraria, e, portanto, está sujeita a mudança; e o objetivo da penalidade, assim chamada, não é satisfazer a justiça, mas somente dissuadir os homens de futuras ofensas à lei. 2. Apesar de se poder dizer que ela contém um elemento verdadeiro, a saber, que a pena infligida a Cristo também é um instrumento para garantir os interesses do governo divino, ela comete o erro de substituir o principal propósito da expiação por outro que, à luz da Escritura, só pode ser considerado como um propósito subordinado. 3. Ela oferece uma indigna descrição de Deus. Ele originalmente ameaça o homem, para dissuadi-lo da transgressão, e não executa a sentença prometida, mas a substitui por outra coisa na punição aplicada a Cristo. E agora Ele torna a ameaçar os que não aceitam a Cristo. Mas, como é possível ter certeza de que Ele executara de fato a Sua ameaça? 4. Também é contraria à Escritura, que certamente expõe a expiação de Cristo como uma necessária revelação da justiça de Deus, como uma execução da penalidade da lei, como um sacrifício pela qual Deus se reconcilia com o pecador, e como a causa meritória da salvação dos pecadores. 5. À semelhança das teorias da influência moral e do exemplo, ela também não explica como foram salvos os santos do velho Testamento. Se a punição infligida a Cristo foi apenas com o propósito de dissuadir do pecado os homens, não teve nenhuma significação retroativa. Então, como foram salvos os que se achavam sob a antiga dispensação? E como o governo moral de Deus era mantido naquela época? 6. Finalmente, esta teoria também falha em seu próprio princípio. Uma real execução da pena poderia causar funda impressão no pecador, e poderia agir como um verdadeiro dissuasor, se o fato de o homem pecar ou não pecar, mesmo em seu estado natural, dependesse apenas da vontade humana, o que não acontece; mas tal impressão dificilmente seria causada por uma simples e fingida exibição de justiça, com vistas a mostrar a alta consideração de Deus pela lei. (Berkhof, L – Teologia Sistemática pg384)

A Teoria Mística

A teoria mística tem em comum com a teoria da influencia moral isto – que ela concebe a expiação exclusivamente como exercendo influencia sobre o homem e produzindo uma mudança nele. Ao mesmo tempo, difere da teoria da influencia moral no sentido de que concebe a mudança operada no homem, não primordialmente como uma mudança ética ocorrida na vida consciente do homem, mas como uma profunda mudança na vida subconsciente e produzida de maneira mística. O principio básico desta teoria é que, na encarnação, a vida divina penetrou na vida da humanidade, afim de eleva-la ao nível da divina. Cristo possuía natureza humana com a sua corrupção e predisposição inata para o mal moral: mas, pela influencia do Espírito Santo, pôde evitar a manifestação dessa corrupção em pecado fatual, purificou gradativamente a natureza humana e, com a Sua morte extirpou completamente essa depravação original e reuniu aquela natureza a Deus. Ele penetrou na vida da humanidade como um fermento transformador, e a transformação resultante constituiu a Sua redenção. Esta é, com efeito, embora com diferenças nos pormenores, a teoria de Scheleiermacher, Edward Irving, Mecken e Stier. Mesmo Kohlbruegge parecia inclinado a aceita-la, até certo ponto. Pesam sobre ela, porém, as seguintes dificuldades: 1. Não leva em conta a culpa do homem. De acordo com a escritura, é preciso que a culpa seja removida para que ele possa ser purificado da sua corrupção; mas a teoria mística, desconsiderando a culpa do pecado, preocupa-se unicamente com a expulsão da corrupção do pecado. Desconhece toda e qualquer justificação e entende que a salvação consiste na santificação subjetiva. 2. Apóia-se em falsos princípios, segundo os quais vê na ordem natural do universo uma exaustiva expressão da vontade e da natureza de Deus, considera o pecado exclusivamente como uma força do mal moral no mundo, força que não envolve culpa e não merece punição, e entende a punição como simples reação da lei do universo contra o transgressor, e de modo nenhum como uma revelação da ira pessoal de Deus contra o pecado. 3. Contradiz a escritura quando declara que Cristo participa da corrupção do pecado e da depravação hereditária, e deduz a necessidade da Sua morte da pecaminosidade da Sua natureza (nem todos fazem isto). Fazendo isso, ela torna impossível considerá-lo como Salvador sem pecado que, precisamente por causa da Sua impecabilidade, pôde tomar o lugar dos pecadores e cumprir a pena por eles. 4. Não tem resposta para a questão sobre como os que viveram antes da encarnação do verbo podem participar da redenção de Jesus Cristo. Se Cristo, de algum modo realista, expeliu a corrupção do pecado durante o tempo da Sua peregrinação na terra, e atualmente continua a expeli-la; e se a salvação do homem depende deste processo subjetivo, como então os santos do velho testamento poderiam ter parte nesta salvação? (Berkhof, L – Teologia Sistemática pg385)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A TEORIA DO ARREPENDIMENTO VICÁRIO

Esta teoria de McLeod Campbell é também chamada teoria da simpatia* e identificação. Parte da suposição gratuita de que um arrependimento perfeito teria valido como suficiente expiação pelo pecado, se tão somente o homem fosse capaz de experimentar um verdadeiro arrependimento, o que ele não era. Pois bem, Cristo ofereceu a Deus, pelo bem da humanidade, o requerido arrependimento e, ao fazê-lo, preencheu as condições para o perdão. Sua obra consistiu realmente na vicária confissão do pecado, para beneficio do homem. Surge naturalmente a questão sobre como a morte de Cristo se relaciona com este arrependimento e esta confissão vicários., E a resposta é que Cristo, por Seu sofrimento e morte, entrou simpaticamente na condenação que o Pai aplicou ao pecado, o que foi visto pelo Pai como uma perfeita confissão dos nossos pecados. Esta condenação do pecado também é planejada para produzir no homem aquela santidade que Deus exige da humanidade pecadora. Esta teoria labora sob as seguintes dificuldades. 1. Pode-se compreender prontamente que Cristo, como homem, entrou simpaticamente em nossas aflições e tentações, e na percepção das nossas fraquezas: mas não se vê claramente como é que a encarnação O habilitou a entrar num co-sentimento conosco no que diz respeito aos nossos pecados. Ele era sem pecado, totalmente estranho ao pecado entendido como forca corruptora em Sua vida, e, portanto, dificilmente poderia identificar-se num sentido moral com os pecadores. 2. Embora se possa admitir que, segundo a Escritura, Cristo simpatizou com os pecadores que Ele veio salvar, esta simpatia certamente não é apresentada como sendo a totalidade ou mesmo a parte mais importante da Sua obra redentora. Toda a ênfase recai no fato de que Ele sofreu vicariamente as penas devidas aos pecadores e satisfez as exigências da lei numa vida de obediência. Não obstante, esta teoria, apesar de reconhecer a justiça retributiva de Deus e o demérito do pecado, nega a necessidade e a possibilidade da substituição penal, e assevera que a obra de Cristo a favor dos pecadores consistiu, não em Seu sofrimento por eles, mas na confissão vicária dos pecados deles. 3. A teoria segue princípios errôneos, a saber, que o pecado não torna necessariamente os homens passíveis de punição; que a justiça e a santidade de Deus não requerem, como coisa lógica ou natural, uma expiação objetiva; e que a única necessidade de auxilio redentor é resultante do fato de que o homem é incapaz de arrepender-se da maneira certa. 4. Finalmente, uma confissão vicária, como a que esta teoria encerra, é realmente uma contradição de termos. A confissão é uma coisa totalmente subjetiva e, para ser valida, tem que ser pessoal. É o resultado de uma consciência pessoal de pecado, e também é pessoal em seus efeitos. É difícil ver como esse arrependimento vicário pode libertar os outros da obrigação de arrepender-se. Além disso, esta teoria não tem fundamento bíblico. (Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg387)

O PROPÓSITO DA EXPIAÇÃO

A expiação foi destinada a afetar a relação de Deus com o pecador, o estado e a condição de Cristo como o Autor Mediatário da salvação , e o estado e a condição do pecador. 1. SEU EFEITO COM REFERÊNCIA A DEUS. Deve-se salientar primeiramente que a expiação não efetuou mudança alguma no ser interior de Deus, que é imutável. A única mudança que foi produzida foi uma mudança na relação de Deus com os objetos do Seu amor expiatório. Ele se reconciliou com aqueles que eram objetos da Sua ira judicial. Significa que a Sua ira foi desviada pela cobertura sacrificial do pecado deles. A expiação não deve ser descrita como a causa motora do amor de Deus, pois já foi uma expressão do Seu amor. Ela é muitas vezes apresentada como se, na teoria da satisfação, Deus não pudesse amar o pecador enquanto as Suas justas exigências não fossem satisfeitas.Mas, então, omite-se o fato de que Cristo já é a dádiva do amor de Deus, Jo 3.16. Ao mesmo tempo, é mais que certo que a expiação removeu os obstáculos às manifestação do amor redentor de Deus no perdão dos pecadores e em sua santificação, satisfazendo a justiça de Deus e as exigências da lei, tanto em seus aspectos federais como em seus aspectos penais. 2. SEU EFEITO COM RESPEITO A CRISTO. A expiação assegurou a multiforme recompensa para Cristo como o Mediador. Ele foi constituído Espírito vivificante, fonte inexaurível de todas as bênçãos da salvação para os pecadores. Ele recebeu: a. Tudo quanto dizia respeito à Sua glorificação, Sua presente glória messiânica inclusive. Razão pela qual ele orou quando, em Sua oração sacerdotal, por antecipação, já considerava completa a Sua obra: “E agora, glorifica-me, ó pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo”, Jo 17.5. b. A plenitude daqueles dons e graças que Ele confere ao Seu povo. Assim lemos em Sl 68.18: “Subiste às alturas, levaste cativo o cativeiro; recebeste homens por dádivas, até mesmo rebeldes, para que Deus habite no meio deles”.* Paulo aplica esta passagem a Cristo em Ef 4.8. c. O dom do Espírito Santo para a formação do Seu corpo místico e para a subjetiva aplicação dos frutos da Sua obra expiatória. Isso é evidenciado pelas palavras de Pedro no dia de Pentecoste: “Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do pi a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis”, At 2.33. d. Os confins da terra como Sua possessão e o mundo para o Seu domínio. Esta foi uma das promessas a Ele feitas: “pede-me, e eu te darei as nações por herança, e as extremidades da terra por tua possessão”, Sl 2.8. Que esta promessa foi cumprida está patente em Hb 2.6-9. 3. SEU EFEITO NO QUE SE REFERE AO PECADOR. a. A expiação não somente tornou a salvação possível para o homem, mas de fato a garantiu. Sobre este ponto os calvinistas contestam os católicos romanos, os luteranos, os arminianos e todos quantos ensinam uma expiação universal. Estes afirmam que a expiação de Cristo apenas tornou a salvação possível, e incerta, para aqueles a quem é oferecida. Mas o calvinista ensina que a expiação garantiu meritoriamente a aplicação da obra de redenção àqueles para os quais estava destinada e, assim, tornou certa e segura a sua salvação. b. Ela assegurou para aqueles a favor dos quais foi feita: (1) Adequada posição judicial mediante a justificação. Isto inclui o perdão de pecados, a adoção de filhos e o direito a uma herança eterna. (2) a união mística dos crentes com Cristo por meio da regeneração e da satisfação. Isto abrange a gradual mortificação do homem velho, e o gradual revestimento do homem novo, mediante Jesus Cristo. (3) Sua bem-aventurança final, em comunhão com Deus, mediante Jesus Cristo, na glorificação subjetiva e no gozo da vida eterna, numa nova e perfeita criação. Tudo isso deixa ver claramente o porquê da objeção tantas vezes levantada contra a doutrina substitutiva e penal da expiação, a saber. Essa objeção não tem suportes éticos e não oferece base alguma para a vida ética dos redimidos. Até se pode dizer que a doutrina substitutiva e penal da expiação é a única que oferece base segura para uma vida ética verdadeira, uma vida arraigada no coração graças à operação do Espírito Santo. A justificação leva diretamente à santificação. (Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg389)

A EXTENSÃO DA EXPIAÇÃO

1. O PONTO EXATO EM QUESTÃO. A questão que nos interessa nesta altura não é (a) se a satisfação dada por Cristo foi em si mesma suficiente para todos os homens, uma vez que todos admitem isto; (b) se os benefícios salvíficos são realmente aplicados a todos os homens, pois a grande maioria dos que ensinam a salvação universal* não acredita que todos sejam de fato salvos. (c) se a oferta bona fide (com boa fé) da salvação é feita a todas os que ouvem o Evangelho, com a condição do arrependimento e fé, visto que as igrejas reformadas (calvinista) não a questionam; nem (c) se algum fruto da morte de Cristo beneficia os não eleitos em virtude da sua estreita associação com o povo de Deus, pois isto é ensinado explicitamente por muitos eruditos reformados (calvinistas). Por outro lado, a questão se relaciona com a finalidade da expiação. Quando Deus enviou Cristo e quando Cristo veio ao mundo para fazer expiação pelo pecado, fizeram isto com a finalidade ou propósito de salvar somente os eleitos, ou todos os homens? Esta, e só esta, é a questão. 2. EXPOSIÇÃO DA POSIÇÃO REFORMADA (CALVINISTA). A posição reformada é que Cristo morreu com o propósito de real e seguramente salvar os eleitos, e somente os eleitos. Isto equivale a dizer que Ele morreu com o propósito de salvar somente aqueles a quem Ele de fato aplica os benefícios da Sua obra redentora. Várias tentativas têm sido feitas, em círculos que se dizem reformados, para modificar esta posição. Os arminianos holandeses sustentavam que Cristo morreu com o propósito de tornar a salvação possível para todos os homens, sem exceção, embora nem todos sejam salvos. A salvação lhes é oferecida em termos inferiores aos do oferecimento feito a Adão, a saber, com a condição de haver fé e obediência evangélica, condição que eles podiam preencher em virtude da dádiva divina da graça suficiente ou comum a todos os homens. Os universalistas calvinistas procuravam colocar-se entre a posição reformada e a dos arminianos. Distinguiam um duplo decreto de Deus: (a) Um decreto para enviar Cristo ao mundo para salvar todos os homens por Sua morte expiatória, com a condição da fé nele. Contudo, porque Deus viu que este propósito fracassaria, dado que ninguém aceitaria a Cristo pela fé, Ele propôs um segundo decreto ao primeiro. (b) Um decreto para dar a um certo número de pecadores, a saber, aos eleitos, uma graça especial, com o fim de gerar fé nos seus corações e garantir a sua salvação. Este conceito dúbio e deveras insatisfatório foi mantido pela escola de Saumur* (Cameron, Amyraldus e Testardus), e também por eruditos ingleses como Wardlaw, John Brown e James Richards. Alguns teólogos da Nova Inglaterra, como Emmons, Taylor, Park e Berman sustentavam um conceito algo similar. Os “homens-marrow”** da Escócia foram perfeitamente ortodoxos ao afirmarem que Cristo morreu com o propósito de salvar unicamente os eleitos, embora alguns deles empregassem expressões que apontavam também para uma aplicação mais geral da expiação. Diziam eles que Cristo não morreu por todos os homens, ms que Ele está morto, isto é, está disponível para todos. O dadivoso amor de Deus, que é universal, levou-os a praticar um feito de dádiva e concessão a todos os homens; e este é o fundamento de toda oferta universal de salvação. Seu amor eletivo, porém, que é especial, redunda somente na salvação dos eleitos. Os mais importantes “homens-marrow” foram Hog, Boston e os dois Erskine. 3. COMPROVAÇÃO DA DOUTRINA DE UMA EXPIAÇÃO LIMITADA. Oferecem-se as seguintes provas de uma expiação particular. a. Pode-se estabelecer, primeiramente, como princípio geral, que os desígnios de Deus sempre são seguramente eficazes e não podem ser frustrados pelas ações do homem. Isto se aplica também ao propósito divino de salvar os homens por intermédio da morte de nosso Senhor Jesus Cristo. Se fosse Sua intenção salvar todos os homens, este propósito não poderia ser frustrado pela incredulidade do homem. Admite-se por todos os lados que são os salvos pecadores em número limitado. Conseqüentemente, estes são os únicos que Deus determinou-se a salvar. b. A Escritura qualifica repetidamente aqueles pelos quais Cristo entregou Sua vida de tal maneira que indica uma limitação muito definida. Aqueles por quem Ele sofreu e morreu são variadamente chamados Sua “ovelhas”, “minhas ovelhas”, Jo 10.11, 15.26; Sua “igreja”, At 20.28; Ef 5.25-27; “o seu povo”, Mt 1.21; e “os eleitos”, Rm 8.32-35. c. A obra sacrificial de Cristo e Sua obra intercessória são simplesmente dois aspectos diferentes da Sua obra expiatória e, portanto, o alcance de uma não pode ser mais amplo que o da outra. Ora, Cristo limita mui definidamente a Sua obra intercessória, quando diz: “não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus”, Jo 17.9. Por que limitaria Ele a Sua oração intercessória, se de fato pagou o preço por todos? d. Deve-se notar também que a doutrina segundo a qual Cristo morreu com o propósito de salvar todos os homens leva logicamente ao universalismo absoluto, isto é, à doutrina que afirma que todos os homens são salvos de fato. É impossível que aqueles por quem Cristo pagou o preço, cuja culpa Ele removeu, se percam por causa dessa culpa. Os arminianos não podem parar no meio do caminho, mas devem ir até ao fim. e. Se se disser, como alguns dizem, que a expiação foi universal, mas que a aplicação dela é particular; que Cristo tornou a salvação possível para todos, mas de fato salva apenas um limitado número de pecadores, dever-se-á mostrar que há uma inseparável ligação entre a aquisição e a real dádiva da salvação. A Bíblia ensina claramente que a finalidade e o efeito da obra expiatória de Cristo não consistem apenas em tornar possível a salvação, mas, sim, em reconciliar Deus com o homem e dar aos homens efetiva posse da salvação eterna, uma salvação que muitos não conseguem obter, Mt 18.11; Rm 5.10; 2 Co 5.21; Gl 1.4; 3 13; Ef 1.7. f. E se for feita a asserção de que o propósito de Deus e de Cristo foi evidentemente condicional, dependendo da fé e da obediência do homem, dever-se-á chamar a atenção para o fato de que a Bíblia ensina com clareza que Cristo, com a Sua morte, adquiriu a fé, o arrependimento e todos os demais efeitos da obra do Espírito Santo, a favor do Seu povo. Conseqüentemente, estas não são as indicações cujo atendimento depende simplesmente da vontade do homem. A expiação também assegura o cumprimento das condições que precisam ser satisfeitas, para a obtenção da salvação, Rm 2,4; Gl 3.13,14; Ef 1.3, 4; 2.8; Fp 1.29; 2 Tm 3.5, 6. 4. OBJEÇÕES À DOUTRINA DE UMA EXPIAÇÃO LIMITADA. Estas podem ser classificadas como segue: a. Há passagens que ensinam que Cristo morreu pelo mundo, Jo 1.29; 3.16; 6.33, 51; rm 11.12, 15; 2 Co 5.19; 1 Jo 2.2. A objeção baseada nessas passagens parte do infundado pressuposto de que a palavra “mundo, como é empregada nelas, significa “todos os indivíduos que constituem a raça humana”. Não fora assim, a objeção baseada nelas não teria razão de ser. Mas é mais que evidente na Escritura que o vocábulo mundo tem vários sentidos, como uma simples leitura das seguintes passagens o comprovará conclusivamente: Lc 2,1; Jo 1.10; At 11.28; 19.27; 24.5; Rm 1.8; Cl 1.6. Também se vê que, quando é empregado com referência aos homens, nem sempre inclui todos os homens, nem sempre inclui todos os homens, Jo 7.4; 12, 19; 14.22; 18.20; Rm 11.12, 15; nalgumas destas passagens não há a menor possibilidade de que ele fale de todos os homens. Se tivesse este sentido em Jo 6.33, 51, seguir-se-ia que Cristo de fato dá vida a todos os homens, isto é, salva-os a todos. Isto vai além do que os próprios opositores crêem. Em Rm 11.12, 15, a palavra “mundo” não pode ser totalmente inclusiva, visto que o contexto exclui claramente a Israel;e porque, com base nessa suposição, estas passagens provariam mais do que se pretende, a saber, que os fruto da obra expiatória de Cristo são de fato aplicados a todos. Contudo, vemos nestas passagens uma indicação do fato de que a palavra “mundo” às vezes é empregada para indicar que o particularismo veterotestamentário pertence ao passado e abriu caminho para o universalismo neotestamentário. As bênçãos do Evangelho foram estendidas a todas as nações, Mt 24.14; Mc 16.16; Rm 1.5; 10.18. Esta é provavelmente a chave para a interpretação da palavra “mundo” em passagens como Jo 1.29; 6.33, 51; 2 Co 5.19; 1 Jo 2.2. O dr. Shedd supõe que a palavra significa “todas as nações” em passagens ela indica o mundo dos crentes, ou a igreja, Jo 6.33, 51; Rm 4.13; 11.12, 15. Kuyper e van Andel também supõem que é este o sentido da palavra nalgumas passagens. b. Estreitamente relacionadas com as passagens a que nos referimos no item anterior estão aquelas nas quais se diz que Cristo morreu por todos os homens, Rm 5.18; 1 Co 15.22; 2 Co 5.14; 1 Tm 2.4, 6; Tt 2.11; Hb 2.9; 2 Pe 3.9. naturalmente, cada uma destas passagens deve ser analisada no contexto em que se encontra. Por exemplo, o contexto mostra claramente que as expressões “todos os homens”e “todos”em Rm 5.18 e 1 Co 15.22 incluem somente os que estão em Cristo, em contraste com todos os que estão em Adão. Se a palavra “todos” nestas passagens não foi interpretada num sentido limitado, elas ensinarão, não apenas que Cristo tornou a salvação possível para todos os homens, mas, sim, que Ele de fato salva todos, sem exceção. Assim, o arminianismo será empurrado para o campo do universalismo extremo, onde ele não deseja estar. Uma limitação semelhante deve ser aplicada à interpretação de 2 Co 5.14 e Hb 2.9, cf. versículo 10. Doutra sorte, elas provariam demais, e, portanto, não provariam nada. Em todas estas passagens a expressão “todos” refere-se simplesmente a todos os que estão e Cristo. No caso de Tt 2.11, que fala da manifestação da graça de Deus, “salvadora a todos os homens”, o contexto mostra claramente que a expressão “todos os homens” realmente significa todas as classes de homens. Se a palavra “todos” não é restrita, esta passagem também ensina a salvação universal. As passagens de 1 Tm 2.4-6; Hb 2.9; 2 Pe 3.9 referem-se à vontade revelada de Deus de que os judeus e gentios seriam salvos, mas nada implicam quanto à intenção universal da expiação. Mesmo Moisés Stuart, que crê na expiação universal, admite que, nestes casos, a palavra “todos” não pode ser entendida no sentido universal. c. Uma terceira classe de passagens que parecem militar contra a idéia de uma expiação limitada consiste daquelas que, segundo dizem, implicam a possibilidade de que àqueles por quem Cristo morreu deixam de obter a salvação. Rm 14.15 e a passagem paralela de 1 Co 8.11 podem ser mencionadas primeiro. Alguns comentadores são de opinião que estas passagens não se referem à destruição eterna, mas é mais provável que sim. O apóstolo simplesmente quer pôr em relevo o comportamento descaridoso de alguns dos mais fortes irmãos da igreja. Eles se mostravam bem capazes de ofender os irmãos da igreja. Eles se mostravam bem capazes de ofender os irmãos mais fracos, fazê-los tropeçar, passar por cima das suas consciências e, assim, fazê-los entrar pelo caminho descendente, cujo resultado natural havendo continuidade, seria a destruição. Conquanto Cristo tivesse pago o preço de Sua vida para salvar tais pedidos, eles, por sua conduta, tendiam a destruí-las. Rm 14.4 mostra que não ocorreria essa destruição; pela graça de Deus, elas seriam preservadas. Temos, então, aqui, como o dr. Shedd o expressa, “uma suposição, à guisa de argumento, de alguma coisa que não pode acontecer”, justamente como em 1 Co 13.1-3; Gl 1.8. outra passagem um tanto parecida acha-se em 2 Pe 2.1, com a qual também se pode classificar Hb 10.29. A explicação mais plausível destas passagens é a que foi dada por Smeaton, como interpretação de Piscator e das anotações dos holandeses, a saber, ‘que estes falsos mestres soa descritos de acordo com a sua própria declaração e com o critério da caridade. Eles se apresentavam como redimidos, e assim foram considerados pelo juízo da igreja, enquanto permaneceram em sua comunhão”. d. Finalmente, há uma objeção derivada da oferta bona fide da salvação (oferta de boa fé). Cremos que Deus “não dissimuladamente”, isto é, sinceramente ou com boa fé chama a todos os que estão vivendo sob o Evangelho para crerem e lhes oferece a salvação mediante a fé e o arrependimento. Ora, os arminianos afirmam que tal oferta da salvação não pode ser feita por aqueles que crêem que Cristo morreu somente pelos eleitos. Esta objeção já foi levantada por ocasião do Sínodo de Dort, mas a sua validade não foi admitida como uma coisa comprovada. Pode-se fazer as seguintes observações em réplica a esta objeção: (1) A oferta da salvação mediante a fé e o arrependimento não tem a pretensão de ser uma revelação do secreto conselho de Deus, ou, mais especificamente, do Seu objetivo ao dar Cristo como expiação pelo pecado. É simplesmente a promessa de salvação a todos os que aceitam Cristo pela fé. (2) Esta oferta, ao mesmo tempo que é universal, é sempre condicionada por uma fé e um arrependimento que só podem ser produzidos no coração do homem pela operação do Espírito Santo. (3) A oferta universal da salvação não consiste da declaração de que Cristo fez expiação a favor de quantos ouvem o Evangelho, e de que Deus realmente intenta salvar cada um deles. Consiste de (a) uma exposição da obra expiatória de Cristo como sendo em si mesma suficiente para a redenção de todos os homens; (b) uma descrição da real natureza do arrependimento e da fé requeridos para vir a Cristo; e (c) uma declaração de cada pessoa que venha a Cristo com verdadeiro arrependimento e fé obterá as bênçãos da salvação. (4)Não é dever do pregador harmonizar o secreto conselho de Deus quanto à redenção dos pecadores com a Sua vontade declarativa nos termos da oferta do Senhor com a pregação do Evangelho a todos os homens, indiscriminadamente. (5) Diz o dr. Shedd: “O oferecimento universal dos benefícios da expiação de Cristo flui da vontade complacente de Deus, Ez 33.11. ...Deus pode, de maneira própria e justa, instar com os não eleitos a fazerem uma coisa que agrada a Deus, simplesmente porque Lhe agrada. O desejo divino não é alterado pelo decreto divino da preterição”. Ele cita ainda uma declaração muito parecida de Turrentino. (6) A oferta universal da salvação atende ao propósito de pôr às claras a aversão e a obstinação do homem em sua oposição ao Evangelho, e de remover todo vestígio de escusa. Se não fosse feita, os pecadores poderiam dizer que alegremente aceitariam a dá diva de Deus, se tão somente lhes fosse oferecida. 5. O ALCANCE MAIS AMPLO DA EXPIAÇÃO. Pode-se levantar a questão sobre se a expiação feita por Cristo para a salvação dos eleitos, e somente dos eleitos, tem algum alcance mais amplo. Discute-se freqüentemente na teologia escocesa a questão sobre se Cristo não morreu nalgum outro sentido que o salvífico também para os não eleitos. Esta questão foi discutida por vários teólogos mais antigos, como Rutherford, Brown, Durham e Dickson, mas alguns a responderam negativamente. “Eles defendiam, na verdade”, diz Walker, “a suficiência intrínseca da morte de Cristo para salvar o mundo, ou dos mundos; mas que isso nada tem que ver com o propósito de Cristo, ou com a realização de Cristo. A frase que diz que Cristo morreu suficientemente por todos não foi aprovada, porque o “por”parecia implicar alguma realidade da substituição de fato”. Durham negava que se possa dizer que alguma misericórdia concedida aos réprobos e desfrutada por eles possa ser o fruto próprio da morte de Cristo ou a aquisição feita por esta; mas, ao mesmo tempo, sustentava que certas conseqüências da morte de Cristo, de natureza proveitosa, devem alcançar os ímpios, embora seja duvidoso se estas podem ser consideradas como uma bênção para eles. Esta foi também a posição tomada por Rutherford e Gillespie. Os “homens-marrow” da Escócia (já mencionados na seção A deste capítulo), conquanto afirmassem que Cristo morreu com o propósito de salvar somente os eleitos, concluíram, da oferta universal da salvação, que a obra realizada por Cristo também teve um alcance mais amplo e que, para usar as suas próprias palavras, “Deus, o pai, levado por nada mais que o Seu livre amor pela humanidade perdida, fez um ato de doação e de concessão do Seu Filho Jesus Cristo a todos os homens”. Segundo eles, todos os pecadores são legatários constantes do testamento de Cristo, não, na verdade, na essência, mas na administração da aliança d graça, porém o testamento só se efetiva no caso dos eleitos. Sua posição foi condenada pela Igreja da Escócia. Vários teólogos reformados (calvinistas) sustentavam que, apesar de Cristo ter sofrido e morrido somente com o propósito de salvar os eleitos, muitos benefícios da cruz de Cristo – e isso também de acordo com o plano de Deus – são realmente acrescentados ao benefício que gozam aqueles que não aceitam a Cristo pela fé. Acreditam eles que as bênçãos da graça comum também resultam da obra expiatória de Cristo. Parece decorrer de Ef 1.10 e Cl 1.20 que a obra expiatória de Cristo teve também significação para o mundo angélico. As coisas da terra e as do céu se juntam em Cristo como Cabeça (anakephalaiosasthai), Ef 1.10, são reconciliados com Deus por meio do sangue da cruz, Cl 1.20. Kuyper afirma que o mundo angélico, que perdeu seu chefe ou cabeça quando Satanás caiu, é reorganizado sob Cristo como Cabeça. Isto reconciliaria ou uniria o mundo angélico ao mundo da humanidade sob um só Cabeça. Naturalmente, Cristo não é a cabeça dos anjos no sentido orgânico em que é a cabeça da igreja. Finalmente, a obra expiatória de Cristo resultará também num novo céu e numa nova terra em que habita a justiça, habitação própria para a nova e glorificada humanidade, e na gloriosa liberdade da qual a criação inferior também participará, Rm 8.19-22. VII. A Obra Intercessória de Cristo A obra sacerdotal de Cristo não se restringe à oferta sacrificial de Si mesmo na cruz Às vezes se declara que, ao passo que Cristo foi Sacerdote na terra, é Rei no céu. Isto cria a impressão de que a Sua obra sacerdotal está terminada, o que de modo nenhum é correto. Cristo é um Sumo Sacerdote, não somente terreno, mas também, e especialmente, celestial. Ele é, mesmo quando assentado à destra de Deus, com majestade celeste, “ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem”, Hb 8.2. Ele só principiou a Sua obra sacerdotal na terra, e a está completando no céu. No sentido estrito da palavra, Ele não é contato entre os sacerdotes terrenos, que eram apenas sombras de uma realidade vindoura, Hb 8.4. Ele é o Sacerdote verdadeiro, o Sacerdote verdadeiro, o sacerdote de fato,a servir no verdadeiro santuário, do qual o tabernáculo de Israel era apenas uma sombra imperfeita. Ao mesmo tempo, Ele é agora o sacerdote que ocupa o trono, nosso Intercessor junto ao Pai. (Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg396)

A EXTENSÃO DA EXPIAÇÃO

1. O PONTO EXATO EM QUESTÃO. A questão que nos interessa nesta altura não é (a) se a satisfação dada por Cristo foi em si mesma suficiente para todos os homens, uma vez que todos admitem isto; (b) se os benefícios salvíficos são realmente aplicados a todos os homens, pois a grande maioria dos que ensinam a salvação universal* não acredita que todos sejam de fato salvos. (c) se a oferta bona fide (com boa fé) da salvação é feita a todas os que ouvem o Evangelho, com a condição do arrependimento e fé, visto que as igrejas reformadas (calvinista) não a questionam; nem (c) se algum fruto da morte de Cristo beneficia os não eleitos em virtude da sua estreita associação com o povo de Deus, pois isto é ensinado explicitamente por muitos eruditos reformados (calvinistas). Por outro lado, a questão se relaciona com a finalidade da expiação. Quando Deus enviou Cristo e quando Cristo veio ao mundo para fazer expiação pelo pecado, fizeram isto com a finalidade ou propósito de salvar somente os eleitos, ou todos os homens? Esta, e só esta, é a questão. 2. EXPOSIÇÃO DA POSIÇÃO REFORMADA (CALVINISTA). A posição reformada é que Cristo morreu com o propósito de real e seguramente salvar os eleitos, e somente os eleitos. Isto equivale a dizer que Ele morreu com o propósito de salvar somente aqueles a quem Ele de fato aplica os benefícios da Sua obra redentora. Várias tentativas têm sido feitas, em círculos que se dizem reformados, para modificar esta posição. Os arminianos holandeses sustentavam que Cristo morreu com o propósito de tornar a salvação possível para todos os homens, sem exceção, embora nem todos sejam salvos. A salvação lhes é oferecida em termos inferiores aos do oferecimento feito a Adão, a saber, com a condição de haver fé e obediência evangélica, condição que eles podiam preencher em virtude da dádiva divina da graça suficiente ou comum a todos os homens. Os universalistas calvinistas procuravam colocar-se entre a posição reformada e a dos arminianos. Distinguiam um duplo decreto de Deus: (a) Um decreto para enviar Cristo ao mundo para salvar todos os homens por Sua morte expiatória, com a condição da fé nele. Contudo, porque Deus viu que este propósito fracassaria, dado que ninguém aceitaria a Cristo pela fé, Ele propôs um segundo decreto ao primeiro. (b) Um decreto para dar a um certo número de pecadores, a saber, aos eleitos, uma graça especial, com o fim de gerar fé nos seus corações e garantir a sua salvação. Este conceito dúbio e deveras insatisfatório foi mantido pela escola de Saumur* (Cameron, Amyraldus e Testardus), e também por eruditos ingleses como Wardlaw, John Brown e James Richards. Alguns teólogos da Nova Inglaterra, como Emmons, Taylor, Park e Berman sustentavam um conceito algo similar. Os “homens-marrow”** da Escócia foram perfeitamente ortodoxos ao afirmarem que Cristo morreu com o propósito de salvar unicamente os eleitos, embora alguns deles empregassem expressões que apontavam também para uma aplicação mais geral da expiação. Diziam eles que Cristo não morreu por todos os homens, ms que Ele está morto, isto é, está disponível para todos. O dadivoso amor de Deus, que é universal, levou-os a praticar um feito de dádiva e concessão a todos os homens; e este é o fundamento de toda oferta universal de salvação. Seu amor eletivo, porém, que é especial, redunda somente na salvação dos eleitos. Os mais importantes “homens-marrow” foram Hog, Boston e os dois Erskine. 3. COMPROVAÇÃO DA DOUTRINA DE UMA EXPIAÇÃO LIMITADA. Oferecem-se as seguintes provas de uma expiação particular. a. Pode-se estabelecer, primeiramente, como princípio geral, que os desígnios de Deus sempre são seguramente eficazes e não podem ser frustrados pelas ações do homem. Isto se aplica também ao propósito divino de salvar os homens por intermédio da morte de nosso Senhor Jesus Cristo. Se fosse Sua intenção salvar todos os homens, este propósito não poderia ser frustrado pela incredulidade do homem. Admite-se por todos os lados que são os salvos pecadores em número limitado. Conseqüentemente, estes são os únicos que Deus determinou-se a salvar. b. A Escritura qualifica repetidamente aqueles pelos quais Cristo entregou Sua vida de tal maneira que indica uma limitação muito definida. Aqueles por quem Ele sofreu e morreu são variadamente chamados Sua “ovelhas”, “minhas ovelhas”, Jo 10.11, 15.26; Sua “igreja”, At 20.28; Ef 5.25-27; “o seu povo”, Mt 1.21; e “os eleitos”, Rm 8.32-35. c. A obra sacrificial de Cristo e Sua obra intercessória são simplesmente dois aspectos diferentes da Sua obra expiatória e, portanto, o alcance de uma não pode ser mais amplo que o da outra. Ora, Cristo limita mui definidamente a Sua obra intercessória, quando diz: “não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus”, Jo 17.9. Por que limitaria Ele a Sua oração intercessória, se de fato pagou o preço por todos? d. Deve-se notar também que a doutrina segundo a qual Cristo morreu com o propósito de salvar todos os homens leva logicamente ao universalismo absoluto, isto é, à doutrina que afirma que todos os homens são salvos de fato. É impossível que aqueles por quem Cristo pagou o preço, cuja culpa Ele removeu, se percam por causa dessa culpa. Os arminianos não podem parar no meio do caminho, mas devem ir até ao fim. e. Se se disser, como alguns dizem, que a expiação foi universal, mas que a aplicação dela é particular; que Cristo tornou a salvação possível para todos, mas de fato salva apenas um limitado número de pecadores, dever-se-á mostrar que há uma inseparável ligação entre a aquisição e a real dádiva da salvação. A Bíblia ensina claramente que a finalidade e o efeito da obra expiatória de Cristo não consistem apenas em tornar possível a salvação, mas, sim, em reconciliar Deus com o homem e dar aos homens efetiva posse da salvação eterna, uma salvação que muitos não conseguem obter, Mt 18.11; Rm 5.10; 2 Co 5.21; Gl 1.4; 3 13; Ef 1.7. f. E se for feita a asserção de que o propósito de Deus e de Cristo foi evidentemente condicional, dependendo da fé e da obediência do homem, dever-se-á chamar a atenção para o fato de que a Bíblia ensina com clareza que Cristo, com a Sua morte, adquiriu a fé, o arrependimento e todos os demais efeitos da obra do Espírito Santo, a favor do Seu povo. Conseqüentemente, estas não são as indicações cujo atendimento depende simplesmente da vontade do homem. A expiação também assegura o cumprimento das condições que precisam ser satisfeitas, para a obtenção da salvação, Rm 2,4; Gl 3.13,14; Ef 1.3, 4; 2.8; Fp 1.29; 2 Tm 3.5, 6. 4. OBJEÇÕES À DOUTRINA DE UMA EXPIAÇÃO LIMITADA. Estas podem ser classificadas como segue: a. Há passagens que ensinam que Cristo morreu pelo mundo, Jo 1.29; 3.16; 6.33, 51; rm 11.12, 15; 2 Co 5.19; 1 Jo 2.2. A objeção baseada nessas passagens parte do infundado pressuposto de que a palavra “mundo, como é empregada nelas, significa “todos os indivíduos que constituem a raça humana”. Não fora assim, a objeção baseada nelas não teria razão de ser. Mas é mais que evidente na Escritura que o vocábulo mundo tem vários sentidos, como uma simples leitura das seguintes passagens o comprovará conclusivamente: Lc 2,1; Jo 1.10; At 11.28; 19.27; 24.5; Rm 1.8; Cl 1.6. Também se vê que, quando é empregado com referência aos homens, nem sempre inclui todos os homens, nem sempre inclui todos os homens, Jo 7.4; 12, 19; 14.22; 18.20; Rm 11.12, 15; nalgumas destas passagens não há a menor possibilidade de que ele fale de todos os homens. Se tivesse este sentido em Jo 6.33, 51, seguir-se-ia que Cristo de fato dá vida a todos os homens, isto é, salva-os a todos. Isto vai além do que os próprios opositores crêem. Em Rm 11.12, 15, a palavra “mundo” não pode ser totalmente inclusiva, visto que o contexto exclui claramente a Israel;e porque, com base nessa suposição, estas passagens provariam mais do que se pretende, a saber, que os fruto da obra expiatória de Cristo são de fato aplicados a todos. Contudo, vemos nestas passagens uma indicação do fato de que a palavra “mundo” às vezes é empregada para indicar que o particularismo veterotestamentário pertence ao passado e abriu caminho para o universalismo neotestamentário. As bênçãos do Evangelho foram estendidas a todas as nações, Mt 24.14; Mc 16.16; Rm 1.5; 10.18. Esta é provavelmente a chave para a interpretação da palavra “mundo” em passagens como Jo 1.29; 6.33, 51; 2 Co 5.19; 1 Jo 2.2. O dr. Shedd supõe que a palavra significa “todas as nações” em passagens ela indica o mundo dos crentes, ou a igreja, Jo 6.33, 51; Rm 4.13; 11.12, 15. Kuyper e van Andel também supõem que é este o sentido da palavra nalgumas passagens. b. Estreitamente relacionadas com as passagens a que nos referimos no item anterior estão aquelas nas quais se diz que Cristo morreu por todos os homens, Rm 5.18; 1 Co 15.22; 2 Co 5.14; 1 Tm 2.4, 6; Tt 2.11; Hb 2.9; 2 Pe 3.9. naturalmente, cada uma destas passagens deve ser analisada no contexto em que se encontra. Por exemplo, o contexto mostra claramente que as expressões “todos os homens”e “todos”em Rm 5.18 e 1 Co 15.22 incluem somente os que estão em Cristo, em contraste com todos os que estão em Adão. Se a palavra “todos” nestas passagens não foi interpretada num sentido limitado, elas ensinarão, não apenas que Cristo tornou a salvação possível para todos os homens, mas, sim, que Ele de fato salva todos, sem exceção. Assim, o arminianismo será empurrado para o campo do universalismo extremo, onde ele não deseja estar. Uma limitação semelhante deve ser aplicada à interpretação de 2 Co 5.14 e Hb 2.9, cf. versículo 10. Doutra sorte, elas provariam demais, e, portanto, não provariam nada. Em todas estas passagens a expressão “todos” refere-se simplesmente a todos os que estão e Cristo. No caso de Tt 2.11, que fala da manifestação da graça de Deus, “salvadora a todos os homens”, o contexto mostra claramente que a expressão “todos os homens” realmente significa todas as classes de homens. Se a palavra “todos” não é restrita, esta passagem também ensina a salvação universal. As passagens de 1 Tm 2.4-6; Hb 2.9; 2 Pe 3.9 referem-se à vontade revelada de Deus de que os judeus e gentios seriam salvos, mas nada implicam quanto à intenção universal da expiação. Mesmo Moisés Stuart, que crê na expiação universal, admite que, nestes casos, a palavra “todos” não pode ser entendida no sentido universal. c. Uma terceira classe de passagens que parecem militar contra a idéia de uma expiação limitada consiste daquelas que, segundo dizem, implicam a possibilidade de que àqueles por quem Cristo morreu deixam de obter a salvação. Rm 14.15 e a passagem paralela de 1 Co 8.11 podem ser mencionadas primeiro. Alguns comentadores são de opinião que estas passagens não se referem à destruição eterna, mas é mais provável que sim. O apóstolo simplesmente quer pôr em relevo o comportamento descaridoso de alguns dos mais fortes irmãos da igreja. Eles se mostravam bem capazes de ofender os irmãos da igreja. Eles se mostravam bem capazes de ofender os irmãos mais fracos, fazê-los tropeçar, passar por cima das suas consciências e, assim, fazê-los entrar pelo caminho descendente, cujo resultado natural havendo continuidade, seria a destruição. Conquanto Cristo tivesse pago o preço de Sua vida para salvar tais pedidos, eles, por sua conduta, tendiam a destruí-las. Rm 14.4 mostra que não ocorreria essa destruição; pela graça de Deus, elas seriam preservadas. Temos, então, aqui, como o dr. Shedd o expressa, “uma suposição, à guisa de argumento, de alguma coisa que não pode acontecer”, justamente como em 1 Co 13.1-3; Gl 1.8. outra passagem um tanto parecida acha-se em 2 Pe 2.1, com a qual também se pode classificar Hb 10.29. A explicação mais plausível destas passagens é a que foi dada por Smeaton, como interpretação de Piscator e das anotações dos holandeses, a saber, ‘que estes falsos mestres soa descritos de acordo com a sua própria declaração e com o critério da caridade. Eles se apresentavam como redimidos, e assim foram considerados pelo juízo da igreja, enquanto permaneceram em sua comunhão”. d. Finalmente, há uma objeção derivada da oferta bona fide da salvação (oferta de boa fé). Cremos que Deus “não dissimuladamente”, isto é, sinceramente ou com boa fé chama a todos os que estão vivendo sob o Evangelho para crerem e lhes oferece a salvação mediante a fé e o arrependimento. Ora, os arminianos afirmam que tal oferta da salvação não pode ser feita por aqueles que crêem que Cristo morreu somente pelos eleitos. Esta objeção já foi levantada por ocasião do Sínodo de Dort, mas a sua validade não foi admitida como uma coisa comprovada. Pode-se fazer as seguintes observações em réplica a esta objeção: (1) A oferta da salvação mediante a fé e o arrependimento não tem a pretensão de ser uma revelação do secreto conselho de Deus, ou, mais especificamente, do Seu objetivo ao dar Cristo como expiação pelo pecado. É simplesmente a promessa de salvação a todos os que aceitam Cristo pela fé. (2) Esta oferta, ao mesmo tempo que é universal, é sempre condicionada por uma fé e um arrependimento que só podem ser produzidos no coração do homem pela operação do Espírito Santo. (3) A oferta universal da salvação não consiste da declaração de que Cristo fez expiação a favor de quantos ouvem o Evangelho, e de que Deus realmente intenta salvar cada um deles. Consiste de (a) uma exposição da obra expiatória de Cristo como sendo em si mesma suficiente para a redenção de todos os homens; (b) uma descrição da real natureza do arrependimento e da fé requeridos para vir a Cristo; e (c) uma declaração de cada pessoa que venha a Cristo com verdadeiro arrependimento e fé obterá as bênçãos da salvação. (4)Não é dever do pregador harmonizar o secreto conselho de Deus quanto à redenção dos pecadores com a Sua vontade declarativa nos termos da oferta do Senhor com a pregação do Evangelho a todos os homens, indiscriminadamente. (5) Diz o dr. Shedd: “O oferecimento universal dos benefícios da expiação de Cristo flui da vontade complacente de Deus, Ez 33.11. ...Deus pode, de maneira própria e justa, instar com os não eleitos a fazerem uma coisa que agrada a Deus, simplesmente porque Lhe agrada. O desejo divino não é alterado pelo decreto divino da preterição”. Ele cita ainda uma declaração muito parecida de Turrentino. (6) A oferta universal da salvação atende ao propósito de pôr às claras a aversão e a obstinação do homem em sua oposição ao Evangelho, e de remover todo vestígio de escusa. Se não fosse feita, os pecadores poderiam dizer que alegremente aceitariam a dá diva de Deus, se tão somente lhes fosse oferecida. 5. O ALCANCE MAIS AMPLO DA EXPIAÇÃO. Pode-se levantar a questão sobre se a expiação feita por Cristo para a salvação dos eleitos, e somente dos eleitos, tem algum alcance mais amplo. Discute-se freqüentemente na teologia escocesa a questão sobre se Cristo não morreu nalgum outro sentido que o salvífico também para os não eleitos. Esta questão foi discutida por vários teólogos mais antigos, como Rutherford, Brown, Durham e Dickson, mas alguns a responderam negativamente. “Eles defendiam, na verdade”, diz Walker, “a suficiência intrínseca da morte de Cristo para salvar o mundo, ou dos mundos; mas que isso nada tem que ver com o propósito de Cristo, ou com a realização de Cristo. A frase que diz que Cristo morreu suficientemente por todos não foi aprovada, porque o “por”parecia implicar alguma realidade da substituição de fato”. Durham negava que se possa dizer que alguma misericórdia concedida aos réprobos e desfrutada por eles possa ser o fruto próprio da morte de Cristo ou a aquisição feita por esta; mas, ao mesmo tempo, sustentava que certas conseqüências da morte de Cristo, de natureza proveitosa, devem alcançar os ímpios, embora seja duvidoso se estas podem ser consideradas como uma bênção para eles. Esta foi também a posição tomada por Rutherford e Gillespie. Os “homens-marrow” da Escócia (já mencionados na seção A deste capítulo), conquanto afirmassem que Cristo morreu com o propósito de salvar somente os eleitos, concluíram, da oferta universal da salvação, que a obra realizada por Cristo também teve um alcance mais amplo e que, para usar as suas próprias palavras, “Deus, o pai, levado por nada mais que o Seu livre amor pela humanidade perdida, fez um ato de doação e de concessão do Seu Filho Jesus Cristo a todos os homens”. Segundo eles, todos os pecadores são legatários constantes do testamento de Cristo, não, na verdade, na essência, mas na administração da aliança d graça, porém o testamento só se efetiva no caso dos eleitos. Sua posição foi condenada pela Igreja da Escócia. Vários teólogos reformados (calvinistas) sustentavam que, apesar de Cristo ter sofrido e morrido somente com o propósito de salvar os eleitos, muitos benefícios da cruz de Cristo – e isso também de acordo com o plano de Deus – são realmente acrescentados ao benefício que gozam aqueles que não aceitam a Cristo pela fé. Acreditam eles que as bênçãos da graça comum também resultam da obra expiatória de Cristo. Parece decorrer de Ef 1.10 e Cl 1.20 que a obra expiatória de Cristo teve também significação para o mundo angélico. As coisas da terra e as do céu se juntam em Cristo como Cabeça (anakephalaiosasthai), Ef 1.10, são reconciliados com Deus por meio do sangue da cruz, Cl 1.20. Kuyper afirma que o mundo angélico, que perdeu seu chefe ou cabeça quando Satanás caiu, é reorganizado sob Cristo como Cabeça. Isto reconciliaria ou uniria o mundo angélico ao mundo da humanidade sob um só Cabeça. Naturalmente, Cristo não é a cabeça dos anjos no sentido orgânico em que é a cabeça da igreja. Finalmente, a obra expiatória de Cristo resultará também num novo céu e numa nova terra em que habita a justiça, habitação própria para a nova e glorificada humanidade, e na gloriosa liberdade da qual a criação inferior também participará, Rm 8.19-22. VII. A Obra Intercessória de Cristo A obra sacerdotal de Cristo não se restringe à oferta sacrificial de Si mesmo na cruz Às vezes se declara que, ao passo que Cristo foi Sacerdote na terra, é Rei no céu. Isto cria a impressão de que a Sua obra sacerdotal está terminada, o que de modo nenhum é correto. Cristo é um Sumo Sacerdote, não somente terreno, mas também, e especialmente, celestial. Ele é, mesmo quando assentado à destra de Deus, com majestade celeste, “ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem”, Hb 8.2. Ele só principiou a Sua obra sacerdotal na terra, e a está completando no céu. No sentido estrito da palavra, Ele não é contato entre os sacerdotes terrenos, que eram apenas sombras de uma realidade vindoura, Hb 8.4. Ele é o Sacerdote verdadeiro, o Sacerdote verdadeiro, o sacerdote de fato,a servir no verdadeiro santuário, do qual o tabernáculo de Israel era apenas uma sombra imperfeita. Ao mesmo tempo, Ele é agora o sacerdote que ocupa o trono, nosso Intercessor junto ao Pai. (Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg396)

PROVA BÍBLICA DA OBRA INTERCESSÓRIA DE CRISTO

1. A OBRA INTERCESSÓRIA DE CRISTO SIMBOLIZADA. Enquanto que a obra sacrificial de Cristo foi simbolizada primordialmente pelas funções sacerdotais desempenhadas junto ao altar de bronze e pelos sacrifícios que nele eram apresentados, Sua obra intercessória foi prefigurada pela queima diária de incenso no altar de ouro, no Lugar Santo. A nuvem de incenso a evolar-se constantemente não era somente um símbolo das orações de Israel; era também um tipo de oração sacerdotal do nosso grande Sumo Sacerdote. Esta ação simbólica da queima de incenso não estava dissociada da apresentação dos sacrifícios no altar de bronze, mas, antes, estava sumamente relacionada com ela. Estava relacionada com a aplicação do sangue das mais importantes ofertas pelo pecado, sangue que era aplicado aos chifres do altar de ouro, também chamado altar do incenso, era borrifado em direção ao véu, e, no grande Dia da Expiação, era até levado ao Santo dos Santos e espargido no assento da misericórdia, isto e, no propiciatório. Esta manipulação do sangue simbolizava a apresentação do sacrifício a Deus, que habitava entre os querubins. O Santo dos Santos era claramente um símbolo e tipo da cidade quadrangular, a Jerusalém celeste. Ainda há outra conexão entre a obra sacrificial realizada junto ao altar de bronze e a intercessão simbólica feita junto ao altar das ofertas queimadas era uma indicação de que a intercessão se baseava no sacrifício e de que, doutro modo, não seria eficaz. Isto indica claramente que a obra intercessória de Cristo no céu está baseada em Sua obra sacrificial consumada, e que só é aceitável sobre esta base. 2. INDICAÇÕES NEOTESTAMENTÁRIAS DA OBRA INTERCESSÓRIA DE CRISTO. O termo parakletos é aplicado a Cristo. Acha-se esta palavra somente em Jo 14.16, 26; 15.26; 16.7; 1 Jo 2.1. É traduzida pro “Consolador” sempre que aparece no Evangelho Segundo João, mas por “Advogado” na única passagem em que ela se encontra na primeira Epistola de João. A forma é passiva e, portanto, como diz Westcott, só pode “significar propriamente ‘alguém chamado para o lado de outrem’, e isto incluindo a noção secundária de aconselhá-lo ou ajudá-lo”. Assinala ele que a palavra tem este sentido no grego clássico, em Filo e também nos escritos dos rabis. Muitos dos chamados “pais gregos”, porém deram à palavra um sentido ativo, traduziram-na por “Consolador”, e, assim, deram indevida proeminência àquilo que é apenas uma aplicação secundária do termo, embora percebendo que este sentido não poderia adequar-se a 1 Jo 2.1. A palavra, então, denota alguém que é convocado como auxilio, como advogado, como alguém que pleiteia a causa de outrem e também lhe dá conselho. Naturalmente, a obra realizada por tal advogado pode trazer consolo e fortalecimento, e, portanto, ele também pode ser chamado consolador, num sentido secundário. Cristo é explicitamente chamado nosso Advogado unicamente em 1 Jo 2.1, mas implicitamente também o é em Jo 14.16. A promessa, “E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco”, implica claramente que Cristo também era um parakletos. O Evangelho Segundo João aplica normalmente o termo ao Espírito Santo. Portanto, h’s dois Advogados, Cristo e o Espírito Santo. A obra de ambos é em parte idêntica e em parte diferente. Quando Cristo estava na terra, Ele era o Advogado dos discípulos, defendendo sua causa contra o mundo e ajudando-os com sábio aconselhamento, e o Espírito Santo está continuando agora essa obra na igreja. Até aqui, a obra de ambos é idêntica, mas também há diferença. Cristo, como nosso Advogado, defende a causa dos crentes junto ao Pai e contra Satanás, o acusador (Zc 3.1; Hb 7.25; 1 Jo 2.1; Ap 12.10), ao passo que o Espírito Santo não somente defende a causa dos crentes contra o mundo (Jo 16.8), mas também defende a causa de Cristo junto aos crentes e lhes ministra sábio aconselhamento (Jo 14.26; 15.26; 16.14). resumidamente podemos dizer também que Cristo defende a nossa causa junto a Deus, enquanto que o Espírito Santo defende a causa de Deus junto a nós. Outros textos neotestamentários que falam da obra intercessória de Cristo acham-se em Rm 8.24; Hb 7.25; 9.24. (Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg397)

A NATUREZA DA OBRA INTERCESSÓRIA DE CRISTO

É evidente que a obra intercessória de Cristo não pode ser dissociada do Seu sacrifício expiatório, que compõe sua base necessária. É apenas a continuação da obra sacerdotal de Cristo, levada adiante até completar-se. Comparado com a obra sacrificial de Cristo, o Seu ministério de intercessão recebe diminuta atenção. Mesmo nos círculos fiéis ao Evangelho muitas vezes a impressão dada, embora talvez não intencionalmente, é a de que a obra realizada pelo Salvador na terra foi muito mais importante que os serviços que Ele agora presta no céu. Ao que parece, é para a compreensão de que, no Velho testamento, a ministração diária no templo culminava com a queima de incenso, o que se simbolizava o ministério da intercessão; e de que ritual anual do grande Dia da Expiação chegava ao seu ápice quando o sumo sacerdote passava além do véu com o sangue expiatório. Tampouco se pode dizer que o ministério da intercessão é compreendido suficientemente. Esta pode ser a causa, mas também pode ser o resultado, da falha geral dos cristãos em não fixar a atenção nele. A idéia predominante é que a intercessão de Cristo consiste exclusivamente das orações que Ele oferece em favor do Seu povo. Pois bem, não se pode negar que estas são uma parte importante da obra intercessória de Cristo, mas não são toda ela. O ponto fundamental que se deve lembrar é que o ministério da intercessão não deve ser dissociado da expiação, desde que ambos são apenas dois aspectos da mesma obra redentora de Cristo, e se pode dizer que os dois ministérios se fundem num só. Martin acha que ambos aparecem constantemente em justaposição e são tão estreitamente interrelacionadas na Escritura, que se sente justificado ao fazer a seguinte afirmação: “A essência da Intercessão é Expiação; e a Expiação é essencialmente uma Intercessão. Ou, talvez, para colocar o paradoxo mais suavemente: A Expiação é real – um sacrifício e uma oferta reais, e não mero sofrimento passivo – porque, em sua própria natureza, é uma intercessão ativa e infalível; ao passo que, por outro lado, a Intercessão é uma Intercessão real – uma Intercessão judicial, representativa e sacerdotal, e não mero exercício de influencia – porque é essencialmente uma Expiação, ou seja, uma oblação substitutiva, feita uma vez por todas no Calvário, agora apresentada perpetuamente e usufruindo perpétua aceitação no céu”. 1. Exatamente como o sumo sacerdote, no grande Dia da expiação, entrava no lugar santíssimo, isto é, no Santo dos Santos, com o sacrifício consumado, para apresentá-lo a Deus, assim Cristo entrou no Santo Lugar celestial com o Seu sacrifício consumado, perfeito e todo-suficiente, e o ofereceu ao pai. E exatamente como o sumo sacerdote, ao entrar no santo Lugar, vinha à presença de Deus trazendo simbolicamente as tribos no seu peito, assim Cristo apareceu diante de Deus como representante do Seu povo, e assim restabeleceu a humanidade na presença de Deus. É a este fato que o escritor de hebreus se refere quando diz: “Porque Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus”, Hb 9,24. Os teólogos reformados (calvinistas) freqüentemente dirigem a atenção ao fato de que a presença perpétua do sacrifício consumado de Cristo perante Deus contém em si mesma um elemento de intercessão como uma constante lembrança da perfeita expiação de Jesus Cristo. É um tanto semelhante ao sangue da páscoa, do qual disse o Senhor: “O sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes: quando eu vir o sangue, passarei por vós” (Ex 12.13). 2. Há também um elemento judicial na intercessão, precisamente como na expiação. Mediante a expiação, Cristo satisfez as justas exigências da lei, de modo que nenhuma acusação legal pode, com justiça, ser feita contra aqueles pelos quais Ele pagou o preço. Contudo, Satanás, o acusador sempre está propenso a lançar acusações contra os eleitos; mas Cristo as refuta todas, mostrando a obra que Ele consumou. Ele é o Paráclito, o Advogado do Seu povo, dando resposta a todas as acusações lançadas contra os Seus. Fazem-nos lembrar isto, não somente o nome “Paraclito”, mas também as palavras de Paulo em Rm 8.33, 34: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu, ou antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós”. Aí o elemento judicial está claramente presente. Cf. também Zc 3.1, 2. 3. A obra intercessória de Cristo não se restringe a responsabilizar-se Ele pelo nosso estado judicial; relaciona-se também com a nossa condição moral, com a nossa santificação gradativa. Quando nos dirigimos ao Pai em nome de Cristo, Ele santifica as nossas orações. Elas precisam disto porquanto muitas vezes são muito imperfeitas, triviais, superficiais, e até insinceras, ao passo que são dirigidas Àquele que é perfeito em santidade e em majestade. E, alem disso, tornando aceitáveis as nossas orações, Ele também santifica os nossos serviços no reino de Deus. Isso também é necessário, porque muitas vezes tomamos consciência de que eles não provem dos motivos mais puros; e de que, mesmo quando provem, estão longe daquela perfeição que os tornaria, em si mesmo, aceitáveis a um Deus santo. A doença do pecado acha-se neles todos. Daí dizer Pedro: “Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também vós mesmos como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo”, 1 Pe 2.4, 5. O ministério intercessório de Cristo é igualmente um ministério de amorosa atenção ao Seu povo. “Porque não temos um sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, antes foi ele tentado em todas as cousas, à nossa semelhança, mas em pecado. Pois naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados”, Hb 4.15; 2.18. 4. E em meio e por meio disso tudo, também há, finalmente, o elemento de oração pelo povo de Deus. Se a intercessão é parte integrante da obra expiatória de Cristo, segue-se que a oração intercessória se relaciona necessariamente com as coisas concernentes a Deus (Hb 5.1), para a consumação da obra da redenção. A Oração intercessória de Jo 17 evidencia que este elemento está incluído; ali Jesus diz explicitamente que ora pelos apóstolos e por todos aqueles que, pela palavra deles, viriam a crer nele. É um pensamento consolador este, que Cristo está orando por nós, mesmo quando somos negligentes em nossa vida de oração; que Ele está apresentando ao pai aquelas necessidades espirituais que não estavam presentes em nossas mentes e que freqüentemente omitimos, negligentes, em nossas orações; e que Ele ora para nossa proteção contra perigos dos quais nem sempre estamos cônscios , e contra os inimigos que nos ameaçam, embora não o percebemos. Ele está orando para que a nossa fé não feneça, e para que saiamos vitoriosos no fim. (Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg399)