terça-feira, 22 de abril de 2014

O Ser de Deus

É evidente que o Ser de Deus não admite nenhuma definição científica. Para dar uma definição lógica de Deus teríamos que começar fazendo pesquisa de algum conceito superior, debaixo do qual Deus pudesse ser coordenado com outros conceitos; e depois teríamos que expor as características aplicáveis exclusivamente a Deus. Uma definição genético-sintética assim, não se pode dar de Deus, visto que Deus não é um dentre várias espécies de deuses, que pudesse ser classificado sob um gênero único. No máximo, só é possível uma definição analítico-descritiva. Esta simplesmente menciona as características de uma pessoa ou coisa, mas deixa sem explicação o ser essencial. E mesmo uma definição dessas não pode ser completa, mas apenas parcial, porque é impossível dar uma descrição de Deus positiva exaustiva (como oposta a uma negativa). Constituiria numa enumeração de todos os Atributos de Deus conhecidos, e estes são, em grande medida, de teor negativo. A Bíblia nunca opera com um conceito abstrato de Deus, mas sempre O descreve como o Deus Vivente, que entra em várias relações com as Suas criaturas, relações que indicam vários atributos diferentes. Na obra de Kuyper intitulada Dictaten Dogmatiek, lemos que Deus, personificado como Sabedoria, fala de Sua essência em Provérbios 8.14, quando Ele atribui a Si próprio tushiyyach, palavra hebraica traduzida pelo termo “wezen” na versão holandesa. Mas esta tradução é muito duvidosa, e a tradução inglesa “conselho” merece preferência. Também se tem assinalado que a Bíblia fala da natureza de Deus em 2 Pe 1.4, mas dificilmente isto pode referir-se ao essencial de Deus pois nós não somos feitos participantes da essência divina. Tem-se visto uma indicação da essência de Deus propriamente dita no nome de Jeová , como interpretado por Deus mesmo nesta expressão, “Eu Sou o que Sou”. Com base nesta passagem, a essência de Deus acha-se em ela ser, abstratamente. E isto tem sido interpretado no sentido de auto-existência ou permanência auto-abrangente ou independência absoluta. Outra passagem repetidamente citada como contendo uma indicação da essência de Deus, e como a que mais se aproxima de uma definição na Bíblia, é João 4.24. “Deus é espírito; e importa que seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”. Esta afirmação de Cristo é claramente indicativa da espiritualidade de Deus. As duas idéias derivadas destas passagens ocorrem repetidamente na teologia como designativos do Ser de Deus propriamente dito. Em geral, pode-se dizer que Escritura não exalta um atributo de Deus em detrimento dos demais, mas os apresenta como existentes em perfeita harmonia no Ser Divino. Pode ser verdade que ora um, ora outro atributo receba ênfase, mas a Escritura evidentemente tenciona dar devida ênfase a cada um deles. O ser de Deus é caracterizado por profundidade, plenitude, variedade, e uma glória que excede nossa compreensão, e a Bíblia apresenta isto como um todo glorioso e harmonioso, sem nenhuma contradição inerente. E esta plenitude de Deus acha expressão nas perfeições de Deus, e não doutra maneira. Alguns dos primitivos pais da igreja, assim chamados, estiveram claramente sob a influência da filosofia grega em sua doutrina de Deus e, como Seeberg o expressa, não foram “além da mera concepção abstrata de que o Ser Divino é uma existência absoluta, destituída de atributos”. Por algum tempo, os teólogos geralmente se inclinavam a salientar a transcendência de Deus e a pressupor a impossibilidade de qualquer conhecimento adequado ou de qualquer definição da essência divina. Durante a controvérsia trinitária, a distinção entre a essência única e as três pessoas da Divindade foi acentuada vigorosamente, mas em geral se entendia que a essência estava além da compreensão humana. Gregório Nazianzeno, contudo, aventura-se a dizer: “Até onde podemos discernir, ho on e ho theos são de algum modo mais do que outros termos ou nomes da essência “divina”, e de ambas ho on é a preferível”. Ele considera esta expressão como descrição do ser absoluto. O conceito de Agostinho sobre a essência de Deus era muito parecido com o de Gregório. Na Idade Média também houve a tendência, ou de negar que o homem tem algum conhecimento da essência de Deus, ou de reduzir este conhecimento ao mínimo. Em alguns casos, um atributo foi isolado como sendo o mais expressivo da essência de Deus. Assim, Tomás de Aquino falava da asseidade ou auto-existência de Deus, e Duns Scotus, da Sua infinidade. Tornou-se também muito comum falar de Deus como actus puru, em vista da Sua simplicidade ontológica. Os reformadores e seus sucessores também falavam da essência de Deus como incompreensível, mas eles não excluíam todo conhecimento da essência, embora Lutero empregasse uma linguagem muito forte sobre este ponto. Eles salientavam a unidade, a simplicidade, e a espiritualidade de Deus. As palavras da Confissão Belga são muito características: “Cremos de coração, e confessamos com a boca, que há um único Ser simples e espiritual, a quem chamamos Deus”. Mais tarde, filósofos e teólogos viram a essência de Deus num Ser abstrato, numa substância universal, num pensamento puro, numa causalidade absoluta, no amor, na personalidade, e na santidade majestosa ou no Numinoso. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg.35)