sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A DESCIDA DO SALVADOR AO HADES

a. Esta doutrina na Confissão Apostólica (Credo). Depois de mencionar os sofrimentos, a morte e o sepultamento do Senhor, a Confissão prossegue com estas palavras: “Desceu ao inferno (hades)”. Esta afirmação não é um artigo tão antigo nem tão universal do Credo como os demais. Foi usada pela primeira vez na forma do Credo de Aquiléia (cerca de 390 A. D.), “descendit in inferna”. Entre os gregos, alguns traduziram “inferno” por “hades”, e outros por “partes inferiores”. Algumas formas de Credo, nas quais se acham essas palavras, não mencionam o sepultamento e omitem a descida ao hades. Rufino observa que elas contêm a idéia da descida nas palavras “foi sepultado”. Mais tarde, porém, a forma romana do Credo acrescentou o artigo em questão após sua menção do sepultamento. Calvino argumenta acertadamente que para aqueles que as acrescentaram após a expressão “foi sepultado”, elas só tinham que denotar uma coisa adicional. Deve-se ter em mente que essas palavras não se acham na escritura, e não se baseiam em proposições diretas da Bíblia como se dá com os restantes artigos do Credo. b. Base Bíblica para a expressão. Há especialmente quatro passagens que entrarão em consideração aqui. (1) Ef. 4.9, “Ora, que quer dizer subiu, senão que também havia descido até às regiões inferiores da terra? Os que procuram apoio nesta passagem tomam a expressão “regiões inferiores da terra” como equivalente de “hades”. Mas esta é uma interpretação duvidosa. O apóstolo argumenta que a subida de Cristo pressupõe uma descida. Ora, o oposto da ascensão é a encarnação, cf. Jo 3.13. Daí, a maioria dos comentadores entende que a expressão se refere simplesmente à terra. A expressão pode derivar de Sl 139.15 e se refere mais particularmente à encarnação. (2) 1 Pe 3.18, 19, que fala de Cristo como estando “morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão”. Supõe-se que esta passagem se refere à descida ao hades e visa a declarar o propósito dessa descida. O espírito ali referido é então entendido como sendo a alma de Cristo, e a pregação mencionada terá que ter tido lugar entre a Sua morte e a Sua ressurreição. Mas, tanto uma coisa como a outra são impossíveis. O Espírito mencionado não é a alma de Cristo, mas o Espírito vivificante, e foi com esse mesmo Espírito que dá vida que Cristo pregou. A interpretação comum que os protestantes fazem desta passagem é que, no Espírito, Cristo pregou por meio de Noé aos desobedientes que viveram antes do dilúvio, que eram espíritos em prisão quando Pedro escreveu, podendo ele, pois, denomina-los desse modo. Bavinck considera isso insustentável e interpreta a passagem como se referindo à ascensão, que ele considera uma rica, triunfante e poderosa pregação aos espíritos em prisão. (3) 1 Pe 4.4-6, particularmente o versículo 6, redigido como segue: “Pois, para este fim foi o evangelho pregado também a mortos, para que, mesmo julgados na carne segundo os homens, vivam no espírito segundo Deus”. Neste contexto o apóstolo admoesta os leitores a que não vivam o restante de suas vidas na carne para as luxúrias dos homens, mas para a vontade de Deus, mesmo que com isso ofendam os seus ex-companheiros e sejam ultrajados por eles, visto que eles terão que prestar contas dos seus feitos a Deus, que está pronto a julgar os vivos e os mortos. Os “mortos” a quem o Evangelho foi pregado, evidentemente não estavam mortos ainda quando ouviram a sua pregação, visto que o propósito dessa pregação era, em parte, que fossem “julgados na carne segundo os homens”. Isso só poderia acontecer durante a vida deles na terra. Com toda a probabilidade, o escritor se refere aos mesmos espíritos dos quais fala no capítulo anterior. (4) Sl 16.8-10 (comp. At 2.25-27, 30, 31). É especialmente o versículo 10 que entra em consideração aqui: “Pois não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção”. Desta passagem Pearson conclui que a alma de Cristo esteve no inferno (hades) antes da ressurreição, pois se nos diz que ela não foi deixada lá. Mas devemos notar o seguinte: (a) A palavra nephesh (alma) é muitas vezes empregada no hebraico pelo pronome pessoal, e sheol, pelo estado de morte. (b) Se entendermos assim essas palavras aqui, teremos um claro paralelismo sinonímico. A idéia expressa seria a de que Jesus não foi deixado sob o poder da morte. (c) Isso está em perfeita harmonia com a interpretação feita por Pedro em At 2.30, 31, e por Paulo em At 13.34, 35. Em ambos os casos o Salmo é citado para provar a ressurreição de Jesus. c. Diferentes interpretações da expressão do Credo. (1) A Igreja Católica Romana a entende no sentido de que, após a Sua morte, Cristo foi para o Limbus Patrum (Limbo dos pais), onde os santos do Velho Testamento estavam aguardando a revelação e aplicação da Sua obra redentora, pregou-lhes o Evangelho e os levou para o céu. (2) Os luteranos consideram a descida ao hades como o primeiro estágio da exaltação de Cristo. Cristo foi ao mundo inferior para revelar e consumar a Sua vitória sobre Satanás e sobre os poderes das trevas, e para pronunciar a sentença de condenação deles. Alguns luteranos localizam essa marcha triunfal entre a morte de Cristo e Sua ressurreição; outros, após a ressurreição. (3) A Igreja da Inglaterra sustenta que, enquanto o corpo de Cristo estava no túmulo, a alma foi ao hades, mais particularmente ao paraíso, a habitação das almas dos justos, e lhes fez uma exposição mais completa da verdade. (4) Calvino interpreta a frase metaforicamente, entendendo que se refere aos sofrimentos penais de Cristo na cruz, onde Ele sofreu realmente as angústias do inferno. A interpretação do catecismo de Heidelberg é parecida. Segundo a posição reformada (calvinista) usual, as palavras se referem não somente aos sofrimentos de Cristo na cruz, mas também às agonias do Getsêmani. (5) A Escritura certamente não ensina uma descida literal ao inferno. Além disso, há sérias objeções a esse conceito. Ele não pode ter descido ao inferno quanto ao corpo, pois este se achava no sepulcro. Se Ele desceu realmente ao inferno, só pode ter sido quanto à Sua alma, o que significaria que somente a metade da Sua natureza humana teve participação nesse estágio da Sua humilhação (ou exaltação). Ademais, enquanto Cristo não ressurgisse dos mortos, não teria chegado ainda a ocasião para a marcha triunfal, como os luteranos supõem. E, finalmente, na hora da Sua morte Cristo encomendou Seu espírito ao Seu Pai. Isto parece indicar que Ele esteve passivo, e não ativo, desde a hora da Sua morte até quando saiu do túmulo. De modo geral, parece melhor combinar dois pensamentos: (a) que Cristo sofreu as angústias do inferno antes da Sua morte, no Getsêmani e na cruz; e (b) que Ele adentrou a mais profunda humilhação do estado de morte. QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Como o estado e a condição se relacionavam reciprocamente, no caso de Adão, quando ele caiu? 2. E no caso do verbo fazendo-se carne? 3. Como eles se relacionam, na redenção dos pecadores? 4. O estado e a condição da pessoa sempre se correspondem um ao outro? 5. Como se deve definir o estado de humilhação? 6. O que Kuyper quer dizer quando distingue entre status generis e o status modi (os estados de espécie e de dimensão)? 7. Que estágios ele distingue no estado de humilhação? 8. Há alguma prova bíblica do nascimento virginal, excluindo-se os evangelhos segundo Mateus e Lucas? 9. Quais são os sustentáculos doutrinários desta doutrina? 10. As teorias da origem mítica da idéia do nascimento virginal foram considerados adequadas? 11. Que entendemos pela sujeição de Cristo à lei? 12. Em que relação legal fica Ele como Mediador durante a Sua humilhação? 13. A natureza humana de Cristo era inerentemente sujeita à lei da morte? 14. A morte eterna, no caso de Cristo, inclui todos os elementos que estão incluídos na morte eterna, no caso de Cristo, incluiu todos os elementos que estão incluídos na morte eterna dos pecadores? 15. Como se pode conceber o sepultamento do Salvador, como prova de que Ele realmente morreu? BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA:Bavinck, Geref. Dogm.III, p. 455-469; Kuyper, Dict. Dogm., De Christo II, p. 59-108; ibid., De Vleeschowording des Woordes; Hodge, Syst. Theol, II, p. 612-625; Shedd, Dogm. Theol., p. 330-348; McPherson, Chr. Dogm., p. 321-326; Litton, Introd. To Dogm. Theol.,p. 175-191; Pieper, Christl. Dogm.II, p. 358-378; Schimid., Doct. Theol. Of the Ev. Luth.Church., p.383-406; Valentine, Chr. Theol. II, p. 88-95; Heppe, Dogm. Der ev. – ref. Kirche, p. 351-356; Ebrard, Christl. Dogm. II, p. 189-226; Mastricht, Godgeleerdheit II, p. 601-795; Synopsis Purioris, p. 262-272; Turrentino, Opera, Locus XIII, perg. IX-XVI; Marchen, The Virgin Birth of Christ; Orr, The Virgin Birth of Chist; Sweet, The Birth and Infancy of Jesus Christ; Cooke, Did Paul Konow the Virgin Birth? Knowling, The Virgin Birth; Barth, Credo, p. 62-94; Brunner, The Mediator, p. 303-376. (Berkhof, L – Teologia Sistemática pg. 338)