segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O ESTADO DA ALMA DEPOIS DA MORTE, UM ESTADO DE EXISTÊNCIA CONSCIENTE

1. O ENSINO DA ESCRITURA SOBRE ESTE PONTO. Tem-se levantado a questão dobre se, após a morte, a alma continua ativamente consciente e é capaz de ação racional e religiosa. Por vezes isso tem sido negado, sobre a base geral de que a alma, em sua atividade consciente, depende do cérebro e, portanto, não pode continuar a funcionar quando o cérebro é destruído. Mas, como já foi assinalado anteriormente (III.D), a validade desse argumento pode ser posta em dúvida. “Ele se baseia”, para usar as palavras de Dahle, “no erro de confundir o operário com a sua máquina”. Do fato de que a consciência humana, na presente vida, transmite os seus efeitos pelo cérebro, não se segue necessariamente que não possa agir de nenhum outro modo. Ao argumentarmos a favor da existência consciente da alma depois da morte, não nos apoiamos nos fenômenos do espiritismo dos dias atuais, e nem mesmo dependemos de argumentos filosóficos, embora estes não sejam destituídos de força. Buscamos nossas provas na Palavra de Deus, e particularmente no Novo Testamento. O rico e Lázaro participam de uma conversação, Lc 16.19-31. Paulo descreve o estado desencarnado como “habitar com o Senhor”, e como uma coisa preferível à vida presente, 2 Co 5.6-9; Fp 1.23. Decerto que dificilmente ele falaria dessa maneira acerca de uma existência inconsciente, que seria uma virtual não existência. Em Hb 12.23 se diz que os crentes têm chegado “aos espíritos dos justos aperfeiçoados”, o que certamente implica sua existência consciente. Além disso, os espíritos debaixo do altar clamam por vingança contra os perseguidores da igreja, Ap 6.9, e se afirma que as almas dos mártires reinam com Cristo, Ap 20.4. Esta verdade da existência consciente da alma depois da morte tem sido negada em mais de uma forma. 2. A DOUTRINA DO SONO DA ALMA (PSICOPANIQUIA). a. Exposição da doutrina. Esta é uma das formas em que a existência consciente da alma depois da morte é negada. Ela afirma que, depois da morte, a alma continua a existir como um ser espiritual individual, mas num estado de repouso inconsciente. Eusébio faz menção de uma pequena seita da Arábia que tinha esse conceito. Durante a Idade Média havia bem poucos dos chamados psicopaniquianos, e na época da Reforma esse erro era defendido por alguns anabatistas. Calvino chegou a escrever um tratado contra eles, intitulado Psychopanychia. No século dezenove esta doutrina era propugnada por alguns dos irvingitas* da Inglaterra, e nos nossos dias é uma das doutrinas favoritas dos russelitas ou dos sectários da aurora do milênio nos Estados Unidos. Segundo estes últimos, o corpo e a alma descem à sepultura, a alma num estado de sono que de fato equivale a um estado de não existência. O que é chamado ressurreição, na realidade é uma nova criação. Durante o milênio os ímpios terão uma segunda oportunidade, mas, se eles não mostrarem um assinalado melhoramento durante os cem primeiros anos, serão aniquilados. Se nesse período evidenciarem alguma correção da vida, continuarão em prova, mas somente para acabar na aniquilação, se permanecerem impenitentes. Não existe inferno, não existe nenhum lugar de tormento eterno. A doutrina do sono da alma parece exercer peculiar fascínio sobre os que acham difícil acreditar na continuidade da vida consciente fora do organismo corpóreo. b. Suposta base bíblica desta doutrina. A prova escriturística desta doutrina acha-se especialmente no seguinte: (1) Muitas vezes a Escritura descreve a morte como um sono, Mt 9.24; At 7.60; 1 Co 15.51; 1 Ts 4.13. Este sono, dizem, não pode ser sono do corpo, e, portanto, só pode ser sono da alma. (2) Certas passagens da Escritura ensinam que os mortos estão inconscientes, Sl 6.5; 30.9; 115.17; 146.4; Ec 9.10; Is 38.18, 19. Isto vai contra a idéia de que a alma continua sua existência consciente. (3) A Bíblia ensina que os destinos dos homens serão determinados por um julgamento final e que haverá surpresa para alguns. Conseqüentemente, é impossível imaginar que a alma entra em seu destino imediatamente após a morte, Mt 7.22, 23; 25.37-39, 44; Jo 5.29; 2 Co 5.10; Ap 20.12, 13. (4) nenhum dos que ressuscitaram dentre os mortos jamais deu algum relato das suas experiências. Pode-se entender melhor isso com a suposição de que as almas estavam inconscientes, em seu estado desencarnado. c. Consideração dos argumentos apresentados. Os argumentos supra mencionados podem ser respondidos como segue, na ordem em que foram expostos: (1) Deve-se notar que a Bíblia nunca diz que a alma cai no sono, nem que o corpo cai no sono, mas somente que a pessoa que morre o faz. E esta descrição escriturística baseia-se simplesmente na similaridade existente entre um corpo e um corpo dormente. Não é improvável que a Escritura empregue esta expressão eufemística a fim de lembrar aos crentes a consoladora esperança da ressurreição. Além disso, a morte é um rompimento com a vida do mundo que nos rodeia e, neste sentido, é sono, é repouso. Finalmente, não devemos esquecer que a Bíblia retrata os crentes como desfrutando vida consciente na comunhão com Deus e com Jesus imediatamente após a morte, Lc 16.19-31; 23.43; At 7.59; 2 Co 5.8; Fp 1.23; Ap 6.9; 7.9; 20.4. (2) As passagens que parecem ensinar que os mortos estão inconscientes visam claramente a salientar o fato de que , no estado de morte, o homem não pode mais tomar parte nas atividades do presente mundo. Diz Hovey: “A obra do artista é interrompida, a voz do cantor é silenciada, o cetro do rei cai. O corpo volta ao pó, e o louvor de Deus neste mundo cessa para sempre”. (3) às vezes se faz descrição como se o destino eterno do homem dependesse de um julgamento no ultimo dia, mas evidentemente isso é um engano. O dia do juízo não é necessário para chegar-se a uma decisão a respeito da recompensa ou da punição de cada homem, mas somente para o solene anúncio da sentença, e para a revelação da justiça de Deus na presença dos homens e dos anjos. A surpresa evidenciada por algumas passagens tem que ver com a base sobre a qual o julgamento repousa, e não com o julgamento propriamente dito. (4) É verdade que não lemos que algum dos que ressuscitaram dentre os mortos alguma vez tenha contado as experiências pelas quais passou entre a sua morte e a sua ressurreição. Mas este é um simples argumento extraído do silêncio, argumento completamente sem valor neste caso, desde que a Bíblia ensina claramente a existência consciente dos mortos. Todavia, pode muito bem ser que as pessoas se mantivessem caladas acerca das experiências, mas isto pode ser prontamente explicado partindo-se do pressuposto de que não lhes foi permitido falar delas, ou que não podiam relatá-las com linguagem humana. Cf. 2 Co 12.4. 3. AS DOUTRINAS DO EXTINCIONISMO E DA IMORTALIDADE CONDICIONAL. a. Exposição destas doutrinas. De acordo com estas doutrinas, não há existência consciente, se é que há alguma existência, dos ímpios após a morte. Ambas estão unidas em sua concepção do estado dos ímpios após a morte, mas divergem num par de pontos fundamentais. O extincionismo ensina que o homem foi criado imortal, mas que a alma, que continua em pecado, está privada, por um ato positivo de Deus, do dom da imortalidade e, finalmente, é destruída, ou (segundo alguns), para sempre é despojada da consciência, o que equivale praticamente a ser reduzida à não existência. Por outro lado, segundo a doutrina da imortalidade condicional, a imortalidade não é um dote natural da alma, mas um dom de Deus em Cristo aos que crêem. A alma que não aceita a Cristo, finalmente deixa de existir, ou perde toda a consciência. Alguns dos defensores destas doutrinas ensinam uma duração limitada de sofrimentos conscientes para os ímpios na vida futura, e, assim, conservam algo da idéia de punição positiva. b. Estas doutrinas na história. A doutrina do extincionismo foi ensinada por Arnóbio e pelos primeiros socinianos, como também pelos filósofos Locke e Hobbes, mas não foi popular em sua forma originária. No século anterior ao nosso, porém, a antiga idéia da aniquilação foi revivida com algumas modificações, com o nome de imortalidade condicional, e em sua nova forma encontrou considerável apoio. Foi defendida por E. White, J. B. Heard, pelos prebendados Constable e Row, na Inglaterra, por Richard Rothe na Alemanha, por A. Sabatier em França, por E. Petavel e Ch. Secretan na Suíça, e por C. F. Hudson, W. R. Huntingon, L.C. Baker e L.W. Bacon em nosso país (Estados Unidos da América), e, portanto, merece atenção especial. Nem todos colocam a doutrina na mesma forma, mas todos concordam na posição fundamental de que o homem não é imortal em virtude da sua constituição original, mas é feito imortal por um ato ou dom especial da graça. No que se refere aos ímpios, alguns afirmam que eles conservam mera existência, embora com total perda da consciência, enquanto outros asseveram que eles perecem completamente, como os animais, conquanto isto possa ocorrer depois de períodos mais longos ou mais curtos de sofrimento. c. Argumentos aduzidos em favor desta doutrina. Acha-se suporte para esta doutrina, em parte na linguagem de alguns dos chamados pais primitivos da igreja, que parece também nalgumas das mais recentes teorias da ciência, que negam que haja alguma prova científica da imortalidade da alma. Contudo, o principal suporte para ela é procurado na Escritura. O que se diz é que a Bíblia: (1) ensina que somente Deus é inerentemente imortal, 1 Tm 6.16; (2) nunca fala da imortalidade da alma em geral, mas apresenta a imortalidade como um dom de Deus aos que estão em Cristo Jesus, Jo 10.27, 28; 17.3; Rm 2.7; 6.22, 23; Gl 6.8; e (3) ameaça os pecadores com a “morte” e com “destruição”, afirmando que eles “perecerão”, termos que devem ser entendidos no sentido de que os descrentes serão reduzidos à não existência, Mt 7.13; 10.28; Jo 3.16; Rm 6.23; 8.13; 2 Ts 1.9. d. Consideração destes argumentos. Não se pode dizer que os argumentos em favor desta doutrina são conclusivos. A linguagem dos chamados pais primitivos da igreja nem sempre é exata e coerente, e admite outra interpretação. E, no geral, o pensamento especulativo dos séculos tem sido favorável à doutrina da imortalidade da alma, ao passo que a ciência não tem sucesso ao reprová-la. Os argumentos escriturísticos podem ser respondidos em ordem, como segue: (1) Deus é de fato o único ser que tem imortalidade inerente. A imortalidade do homem é derivada, mas isto não é o mesmo que dizer que ele não a possui em virtude da sua criação. (2) No segundo argumento, a mera imortalidade ou existência continuada da alma é confundida com a vida eterna, quando esta constitui um conceito muito mais rico. A vida eterna é, na verdade, dom de Deus em Jesus Cristo, dom que os ímpios não recebem, mas isto não significa que eles não continuarão existindo. (3) O último argumento pressupõe arbitrariamente que os termos “morte”, “destruição” e “perecer” denotam uma redução à não existência. Só o literalismo mais cru pode afirmar isto, e, neste caso, unicamente em conexão com algumas das passagens citadas pelos defensores desta teoria. e. Argumentos contra esta doutrina. A doutrina da imortalidade condicional é claramente contraditada pela Escritura onde esta ensina: (1) que os pecadores, como os santos, continuarão a existir para sempre, Ec 12.7; Mt 25.46; Rm 2.8-10; Ap 14.11; 20.10; (2) que os ímpios sofrerão punição eterna, o que significa que estarão para sempre cônscios de uma dor que reconhecerão como seu justo prêmio, e, portanto, não serão aniquilados, cf. as passagens recém-mencionadas; e (3) que haverá graus na punição dos ímpios, enquanto que a extinção do ser ou da consciência não admite graus, mas constitui uma punição igual para todos, Lc 12.47, 48; Rm 2.12 As seguintes ponderações também são decididamente opostas a esta doutrina particular: (1) A aniquilação seria contrária a toda analogia. Deus não aniquila a Sua obra, por mais que possa mudar-lhe a forma. A idéia bíblica da morte não tem nada em comum com a aniquilação ou extinção. A vida e a morte são opostos exatos na Escritura. Se a morte significasse a continuação destes; mas o fato é que significa muito mais que isso, cf. Rm 8.6; 1 Tm 4.8; 1 Jo 3.14. O termo tem uma conotação espiritual, o mesmo acontecendo com a palavra morte. O homem está espiritualmente morto antes de cair presa da morte física, mas isso não envolve perda do ser ou da consciência, Ef 2.1, 2; 1 Tm 5.6; Cl 2.13; Ap 3.1. (2) Dificilmente se pode dizer que a aniquilação é uma punição, desde que esta implica consciência de sofrimento e demérito, ao passo que, quando termina a existência, cessa também a consciência. Poder-se-ia dizer, no máximo, que o medo da aniquilação é uma punição, mas esta punição não seria proporcional à transgressão. E, naturalmente, o medo do homem que nunca teve dentro de si a centelha da imortalidade, jamais será igual ao daquele que tem a eternidade em seu coração, Ec 3.11. (3) Muitas vezes sucede que as pessoas consideram a extinção do ser e da consciência uma coisa muito desejável, quando se cansam da vida. Para elas, essa punição seria na realidade uma bênção. (Louis Berkhof – Teologia Sistemática Pg696)