quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Parousia ou segunda vinda propriamente dida

Imediatamente após os portentos recém-mencionados, “aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem ... e verão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do céu”, Mt 24.30. Com relação a isto, os seguintes pontos devem ser observados. 1. DATA DA SEGUNDA VINDA. Não se sabe a ocasião exata da vinda do Senhor, Mt 24.36, e todas as tentativas dos homens para determinar a data exata evidenciaram-se errôneas. A única coisa que se pode dizer com certeza, com base na Escritura, é que Cristo voltará no fim do mundo. Os discípulos perguntaram ao Senhor: “que sinal haverá da tua vinda e da consumação do século”?, Mt 24.3. Eles ligaram os dois fatos, e de nenhum modo o Senhor deu a entender que isso é um erro, mas, ao contrário, admitiu em Seu discurso que está certo. Cristo apresenta os dois fatos em sincronia, em Mt 24.29-31, 35-44; comp. Mt 13.39, 40. Paulo e Pedro também falam dos dois como coincidentes, 1 Co 15.23, 24; 2 Pe 3.4-10. Um estudo dos concomitantes da segunda vinda leva ao mesmo resultado. A ressurreição dos santos será um dos concomitantes 1 Co 15.23; 1 Ts 4.16, e Jesus nos assegura que Ele os ressuscitará no ultimo dia, Jo 6.39, 30, 44, 54. De acordo com Thayer, Cremer-Koegel, Walker, Salmond, Zahn e outros, isto só pode significar o dia da consumação – o fim do mundo. Outro dos seus concomitantes será o julgamento do mundo, Mt 25.31-46, particularmente, também, o julgamento dos ímpios, 2 Ts 1.7-10, que os premilenistas colocam no fim do mundo. E, finalmente, junto com a segunda vinda ocorrerá a restauração de todas as coisas, At 3.20,21. A forte expressão “restauração de todas as cousas” é forte demais para referir-se a algo menos que o perfeito restabelecimento do estado de coisas anterior à queda do homem. Ela indica o restabelecimento de todas as coisas à sua condição antiga, e isto não se verá no milênio dos premilenistas. Até o pecado e a morte continuarão a destruir as suas vítimas durante aquele período. Como foi assinalado acima, várias coisas terão que ocorrer antes do retorno do Senhor. Deve-se ter isto em mente ao se fazer a leitura das passagens que falam da vinda do Senhor ou dos últimos dias como próximos, Mt 16.28; 24.34; Hb 10.25; Tg 5.9; 1 Pe 4.5; 1 Jo 2.18. Elas encontram sua explicação, em parte no fato de que, considerada na perspectiva de Deus, para quem um dia é como mil anos, e mil anos como um dia, a vinda sempre está próxima; em parte, na apresentação que a Bíblia faz dos tempos do Novo testamento como constituindo os últimos dias ou os últimos tempos; em parte, no fato de que o Senhor, ao falar da Sua vinda, nem sempre tem em mente o Seu regresso físico no fim dos tempos, mas pode referir-se à Sua vinda no Espírito Santo; e em parte, no característico escorço profético, em que não se faz clara distinção entre a vinda próxima do Senhor, na destruição de Jerusalém, e Sua vinda final, para julgar o mundo. Várias seitas muitas vezes têm feito para fixar a data exata da segunda vinda, mas essas tentativas sempre são enganosas. Jesus disse explicitamente: “Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai”, Mt 24.36. A declaração a respeito do Filho provavelmente significa que este conhecimento não estava incluído na revelação que Ele, na qualidade de Mediador, tinha que realizar. 2. O MODO DA SEGUNDA VINDA. Os seguintes pontos merecem ênfase aqui: a. Será uma vinda pessoal. Isto se deduz da afirmação feita pelos anjos aos discípulos no Monte da Ascensão: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu, assim virá do modo como o vistes subir”, At 1.11. A pessoa de Jesus os estava deixando, e a pessoa de Jesus voltaria. No sistema do modernismo dos dias atuais não há lugar para um retorno pessoal de Jesus Cristo. Douglas Clyde Macintosh vê o regresso de Cristo no “progressivo domínio sobre os indivíduos e sobre a sociedade exercido pelos princípios morais e religiosos do cristianismo, isto é, pelo Espírito de Cristo”. William Newton Clarke diz “Não se deve esperar nenhum retorno visível de Cristo à terra, mas, sim, o longo e constante progresso do Seu reino espiritual. ... Se nosso Senhor tão somente completar a vinda espiritual que iniciou, não haverá necessidade de um advento visível para tornar perfeita a Sua glória na terra”. Segundo William Adams Brown, “Não mediante uma catástrofe abrupta, poderá ser, como na esperança cristã primitiva, mas pelo método mais lento e mais seguro da conquista espiritual, o ideal de Jesus ainda obterá a aquiescência universal que Ele merece, e o Seu espírito dominará o mundo. Esta é a verdade pela qual a doutrina do segundo advento permanece de pé”. Walter Rauschenbusch e Sailer Mathews falam da segunda vinda em termos similares. Estes e aqueles interpretam as vívidas descrições da segunda vinda de Cristo como representações figuradas da idéia de que o espírito de Cristo será uma crescente e penetrante influência na vida do mundo. Mas não se pode negar que essas representações não fazem justiça às descrições que se acham em passagens como At 1.11; 3.20, 21; Mt 24.44; 1 Co 15.22; Fp 3.20; Cl 3.4; 1 Ts 2.19; 3.13; 4.15-17; 2 Tm 4.8; Tt 2.13; Hb 9.28. Os próprios modernistas admitem isso quando dizem que estas passagens representam o antigo modo judaico de pensar. Eles têm uma nova e melhor luz sobre o assunto, mas é uma luz que se obscurece cada vez mais, em vista dos acontecimentos mundiais dos presentes dias. b. Será uma vinda física. Que a volta do Senhor será física se deduz de passagens como At 1.11; 3.20, 21; Hb 9.28; Ap 1.7. Jesus voltará corporalmente á terra. Há alguns que identificam a predita vinda do Senhor com a Sua vinda espiritual no dia de Pentecoste, e entendem que a parousia significa a presença espiritual do Senhor na igreja. Segundo a descrição que fazem, o Senhor voltou no Espírito Santo no dia de Pentecoste, e agora está presente (daí parousia) na igreja.Dão ênfase especial ao fato de que a palavra parousia significa presença. Ora, é mais que evidente que o Novo Testamento fala de uma vinda espiritual de Cristo, Mt 16.28; Jo 14.18, 23; Ap 3.20; mas esta vinda, quer à igreja no dia de Pentecoste, quer ao indivíduo em sua renovação espiritual, Gl 116, não pode ser identificada com o que a Bíblia apresenta como a segunda vinda de Cristo. É verdade que a palavra parousia significa presença, mas o doutor Vos demonstrou acertadamente que, em seu emprego religioso e escatológico, também significa chegada, e que no Novo Testamento a idéia de chegada ocupa o primeiro plano. Além disso, devemos ter em mente que existem outros termos no Novo Testamento que servem para designar a segunda vinda, a saber, apokalypsis, epiphaneia e phanerosis, cada um dos quais indica uma vinda que se pode ver. E, finalmente, não devemos esquecer que as epístolas se referem repetidamente à segunda vinda como um evento ainda futuro, Fp 3.20; 1 Ts 3.13; 4.15, 16; 2 Ts 1.7-10; Tt 2.13. isto não se enquadra na idéia de que a vinda já é um evento do passado. c. Será uma vinda visível. Isto se relaciona intimamente com o item anterior. Pode-se dizer que, se a vinda do Senhor será física, também será visível. Isto parece seguir-se como um fato lógico, mas os russelitas ou sectários da aurora do milênio não pensam assim. Afirmam eles que o retorno de Cristo e a inauguração do milênio deram-se invisivelmente em 1874, e que Cristo teria vindo com poder em 1914 com o propósito de remover a igreja e derribar os reinos do mundo. Quando passou o ano de 1914 sem o aparecimento de Cristo, eles buscaram um meio de escapar da dificuldade na conveniente teoria de que Ele permaneceu oculto porque o povo não manifesta arrependimento suficiente. Portanto, Cristo veio, e o fez invisivelmente. Todavia, a Escritura não nos deixa em dúvida quanto à visibilidade da volta do Senhor. Numerosas passagens a atestam, como Mt.24.30; 26.64; Mc 13.26; Lc 21.27; At 1.11; Cl 3.4; Tt 2.13; Hb 9.28; Ap 1.7. d. Será uma vinda repentina. Embora de um lado a Bíblia ensine que a vinda do Senhor será precedida por diversos sinais, ensina, de outro lado, que, de maneira igualmente enfática, a vinda será repentina, será inesperada, tomando de surpresa o povo, Mt 24.37-44; 25.1-12; Mc 13.33-37; 1 Ts 5.2, 3; Ap 3.3; 16.15. Isto não é contraditório, pois os sinais preditos não são de molde a designar o tempo exato. Os profetas indicaram certos sinais que precederiam a primeira vinda de Cristo e, contudo, Sua vinda tomou a muitos de surpresa. A maioria do povo não deu atenção aos sinais, fossem estes quais fossem. A Bíblia dá a entender que a medida da surpresa que haverá quando da vinda de Cristo será na razão inversa à medida da vigilância das pessoas. e. Será uma vinda gloriosa e triunfal. A segunda vinda de Cristo, conquanto pessoal, física e visível, será todavia muito diferente da Sua primeira vinda. Ele não voltará no corpo da Sua humilhação, mas num corpo glorificado e com vestes reais, Hb 9.28. As nuvens do céu serão Sua carruagem, Mt 24.30, os anjos Seu corpo de guarda, 2 Ts 1.7, os arcanjos Seus arautos, 1 Ts 4.16, e os santos de Deus serão o Seu glorioso séqüito, 1 Ts 3.13; 2 Ts 1.10. Ele virá como Rei dos reis e Senhor dos Senhores, triunfante sobre todas as forças do mal, havendo posto todos os Seus inimigos debaixo dos Seus pés, 1 Co 15.25; Ap 19.11-16. 3. O PROPÓSITO DA SEGUNDA VINDA. Cristo voltará no fim do mundo com o propósito de introduzir a era vindoura, o estado eterno de coisas, e o fará inaugurando e completando dois eventos formidáveis, quais sejam, a ressurreição dos mortos e o juízo final, Mt 13.49, 50; 16.27; 24.3; 25.14-46; Lc 9.26; 19.15, 26, 27; Jo 5.25-29; At 17.31; Rm 2.3-16; 1 Co 4.5; 15.23; 2 Co 5.10; Fp 3.20, 21; 1 Ts 4.13-17; 2 Ts 1.7-10; 2.7, 8; 2 Tm 4.1, 8; 2 Pe 3.10-13; Jd 14, 15; Ap 20.11-15; 22.12. Na descrição da Escritura, como já foi dado a ver no item anterior, o fim do mundo, o dia do Senhor, a ressurreição física dos mortos e o juízo final coincidem. Esse grande ponto decisivo trará também a destruição de todos os poderes malignos hostis ao reino de Deus, 2 Ts 2.8; Ap 20.14. Pode-se duvidar disto, caso se leiam as passagens pertinentes doutra maneira, se Ap 20.1-6 não tivesse sido estabelecido por alguns como o padrão pelo qual todo o restante do Novo Testamento deve ser interpretado. De acordo com os premilenistas, a segunda vinda de Cristo atenderá primariamente ao propósito de estabelecer o reino visível de Cristo e Seus santos na terra, e de inaugurar o real dia da salvação para o mundo. Isto envolverá o arrebatamento, a ressurreição dos justos, as bodas do Cordeiro, e os juízos sobre os inimigos de Deus. Mas as outras ressurreições e os outros juízos se seguirão a diversos intervalos, e a ultima ressurreição e o juízo final estarão separados da segunda vinda por mil anos. As objeções a este conceito foram dadas acima, em parte, e em parte serão mencionadas nos capítulos subseqüentes. QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Por que o termo parousia não pode ser traduzido simplesmente por “presença” onde quer que se encontre? 2. Em que diferentes sentidos a Bíblia fala da vinda de Cristo? 3. Como devemos interpretar Mt 16.28; 24.34? 4. O discurso de Jesus registrado em Mt 24 fala de uma única vinda? 5. A doutrina da restauração nacional dos judeus envolve necessariamente a doutrina do milênio? 6. Mt 23.39; Lc 13.35; 21.24; At 1.6, 7 ensinam tal restauração? 7. Em Dn 11.36 e segtes. Daniel se refere a Antíoco Epifânio como um tipo do Anticristo? 8. Como as bestas de Ap 13 se relacionam com o Anticristo? 9. Deve-se identificar o homem do pecado, de que Paulo fala, como o Anticristo? 10. Qual é o poder restringente mencionado em 2 Ts 2.6, 7? 11. Os apóstolos ensinam que o Senhor poderia voltar durante a existência deles na terra? 12. O Novo Testamento autoriza a idéia de que a frase “o fim” ou “o fim do mundo” significa simplesmente “o fim da era”? BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 712-753; Kuyper, Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 117-245; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie, p. 22,23; id., Pauline Eschatology, p. 72-135;Hodge, Syst., Theol. III, p. 790-836; Pieper, Christ. Dogm. III, p. 579-584; Valentine, Chr. Theol. II, p. 407-411; Schmid, Doct. Theol. of the Ev. Luth. Church,p. 645-657; Strong, Syst. Theol., p. 1003-1015; Pope, Chr. Theol. III, p. 387-397; Hovey, Eschatology, p23-78; Kliefoth, Eschatologie, p. 126-147, 191-225; Mackintosh, Immortality and the Future, p. 130-148; Kennedy, St. Paul’s Conceptions of the Last Things, p. 158-193; Salmond, Chr. Doct. Of Immortality,p. 241-251; Snowden, The Coming od the Lord, p. 123-171. (Berkhof, L – Teologia Sistemática)