terça-feira, 4 de junho de 2013

MORTE ESPIRITUAL

Há uma profunda verdade no pronunciamento de Agostinho de que o pecado também é punição do pecado. Significa que o estado e a condição pecaminosos em que o homem nasce, por natureza fazem parte da penalidade do pecado. São, é certo, as conseqüências imediatas do pecado, mas também fazem parte da penalidade ameaçada. O pecado separa de Deus o homem, e isso quer dizer morte, pois é só na comunhão com o Deus vivo que o homem pode viver de verdade. No estado de morte, que resultou da entrada do pecado no mundo, levamos o fardo da culpa do pecado, culpa que só pode ser removida pela obra redentora de Jesus Cristo. Portanto, estamos obrigados a padecer os sofrimentos resultantes da transgressão da lei. O homem natural carrega para onde vai o senso da sujeição à punição. A consciência constantemente o faz lembrar-se da sua culpa, e com freqüência o temor da punição enche o seu coração. A morte espiritual significa, não somente culpa, mas também corrupção. O pecado é sempre uma influencia corruptora na vida, e isso é parte da nossa morte. Por natureza somos, não somente injustos aos olhos de Deus, mas também impuros. Esta impureza se manifesta em nossos pensamentos, em nossas palavras e em nossas orações. É sempre ativa dentro de nós, agindo como uma fonte envenenada a poluir as correntes da vida. E se não fosse a influencia restringente da graça comum de Deus, tornaria a vida social inteiramente impossível. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 256)

OS SOFRIMENTOS DA VIDA

Os sofrimentos da vida, que resultam da entrada do pecado no mundo, também estão incluídos na penalidade do pecado. O pecado produziu distúrbios em todos os aspectos da vida do homem. Sua vida física caiu presa de fraquezas e doenças, que redundam em desconfortos e, muitas vezes, em penosas agonias; e sua vida mental ficou sujeita a perturbações angustiantes, que muitas vezes o privam da alegria de viver, desqualificam-no para o seu labor diário e, por vezes, destroem por completo o seu equilíbrio mental. Sua própria alma veio a ser um campo de batalha de pensamentos, paixões e desejos conflitantes. A vontade se recusa a seguir o julgamento do intelecto, e as paixões se mantinham, sem o controle de uma vontade inteligente. A verdadeira harmonia da vida se acha num estado de dissolução que freqüentemente leva consigo os sofrimentos mais pungentes. E não só isso, mas, com o homem e por causa dele, toda a criação ficou sujeita à vaidade e à escravidão da corrupção. Especialmente os evolucionistas nos ensinaram a ver a natureza “rubra (de sangue) nas garras e nos dentes”. Muitas vezes as forças destruidoras são liberadas causando terremotos, ciclones, tornados, erupções vulcânicas e inundações que trazem indescritível miséria à humanidade. Pois bem, há muitos, principalmente em nossos dias, que não vêem a mão de Deus nisso tudo e não consideram essas calamidades como parte da penalidade do pecado. E, todavia, é exatamente o que elas são, num sentido geral. Contudo, não será seguro particularizar e interpreta-las como punições especiais por graves pecados cometidos pelos que vivem nas áreas atingidas. Tampouco será prudente ridicularizar a idéia de que essa relação existiu no caso das cidades da planície (Sodoma e Gomorra), que foram destruídas pelo fogo do céu.Devemos ter sempre em mente que há uma responsabilidade coletiva, e que sempre há motivos suficientes para Deus visitar cidades, regiões ou países com calamidades medonhas. Antes é de se admirar que não os visite mais vezes em Sua ira e em Seu severo desprazer. É bom ter sempre em mente o que Jesus disse uma vez aos judeus que Lhe trouxeram informações sobre uma calamidade que sobreviera a certos galileus, e evidentemente insinuaram que aqueles galileus deviam ter sido grandes pecadores: “Pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem padecido estas coisas? Não eram, eu vo-lo afirmo; se, porém, não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis. Ou cuidais que aqueles dezoito, sobre os quais desabou a torre de Siloé e os matou, eram mais culpados que todos os outros habitantes de Jerusalém? Não eram, eu vo-lo afirmo; mas, se não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis” (Lc 13.2-5). (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 257)

MORTE FÍSICA

A separação de corpo e alma também faz parte da penalidade do pecado. Que o Senhor tinha isto em mente também na penalidade ameaçada é mais que evidente na explicação dele feita com as palavras “tu és pó e ao pó tornarás”. Gn 3.19. Também transparece na argumentação de Paulo em Rm 5.12-21 e em 1 Co 15.12-23. A posição da igreja sempre foi que a morte, no pleno sentido da palavra, inclusa a morte física, não somente conseqüência, mas também, penalidade do pecado. O salário do pecado é a morte. O pelagianismo negou esta relação, mas o Sínodo geral Norte-africano de Cartago (418) pronunciou um anátema contra quem quer que diga “que Adão, o primeiro homem, foi criado mortal, de maneira que, pecasse ou não, morreria, não como salário do pecado, mas por necessidade da natureza”. Os socinianos e os racionalistas deram continuidade ao erro pelagiano, e mesmo em tempos mais recentes este erro foi reproduzido nos sistemas daqueles teólogos Kantinianos, helegianos ou ritschlianos que virtualmente fazem do pecado uma força necessária ao desenvolvimento moral e espiritual do homem. Suas opiniões encontram apoio na ciência natural dos dias atuais, que considera a morte física um fenômeno natural do organismo humano. A natureza física do homem é tal, que ele morre necessariamente. Mas esta idéia não se faz recomendável, em vista do fato de que o organismo físico do homem se renova a cada sete anos, e de que relativamente são poucas as pessoas que morrem em idade provecta e por exaustão total. Em número muitíssimo maior, morrem em resultado de doença ou acidente. A idéia é contrária também ao fato de que o homem não sente que a morte é uma coisa natural, mas a teme como uma antinatural separação de coisas que se pertencem mutuamente. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 257)

MORTE ETERNA

Esta pode ser considerada como a culminância e a consumação da morte espiritual. As restrições do presente desaparecem, e a corrupção do pecado tem a sua obra completa. O peso total da ira de Deus desce sobre os condenados, e isto significa morte no sentido mais terrível da palavra. A condenação eterna deles é levada a corresponder ao estado interno das suas ímpias almas. Há angustias de consciência e sofrimentos físicos. E “a fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos” (Ap 14.11). A consideração mais ampla deste assunto pertence à escatologia. QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Por que muitos representantes do liberalismo modernista negam todas as punições positivas pelo pecado? 2. Será sustentável a posição de que as punições do pecado consistem exclusivamente nas conseqüências naturais do pecado? 3. Que objeções você faz a essa posição? 4. Como explicar a generalizada aversão à idéia de que a punição do pecado é uma vindicação da lei e da justiça de Deus? 5. As punições do pecado servem também de dissuasivos e de meios de reforma? 6. Qual é a concepção bíblica da morte? 7. Você pode provar pela escritura que ela inclui a morte física? 8. A doutrina da morte eterna harmoniza-se com a idéia de que a punição do pecado serve apenas de meio de reforma ou de dissuasivo? BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. III, p. 158-198; Kuyper, Dict, Dogm. , De Peccato, p. 93-112; Strong, Syst. Theol., p. 652-660; Raymond, Syst. Theol. II, p. 175-184; Shedd, Doctrine of Endless Punishment; Washington Gladden, Present day Theology, capítulos IV e V; Kennedy, St. Paul’s Conceptions of the last Things, p. 103-157; Dorner, Syst. Of Chr. Doct. III, p.114-132. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 258)

quarta-feira, 22 de maio de 2013

PREDESTINAÇÃO

Passando da discussão do decreto divino à da predestinação, continuamos tratando do mesmo assunto, mas passando do geral para o particular. A Palavra “predestinação” nem sempre é utilizada no mesmo sentido. Às vezes é empregada simplesmente como sinônimo respeite a todas as Suas criaturas morais. Mais freqüentemente, porem, denota “o conselho de Deus concernente aos homens decaídos, incluindo a eleição soberana de uns e a justa reprovação dos restantes”. Na presente discussão, o termo é utilizado primariamente no ultimo sentido acima, embora sem excluir totalmente o segundo sentido. (Berkhof, L – Teologia Sistemática)

segunda-feira, 29 de abril de 2013

O HOMEM NA ALIANÇA DA GRAÇA

I. Nome e Conceito da Aliança A. O Nome. 1. NO VELHO TESTAMENTO. A palavra hebraica para aliança é sempre berith, de derivação incerta. A opinião mais geral é a de que deriva do verbo hebraico barah, cortar, e que, portanto, contém uma reminiscência da cerimônia mencionada em Gn 15.17. mas alguns preferem pensar que deriva da palavra assíria beritu, que significa “ligar”, “atar”. Isto levaria logo a entender a aliança como um laço. A questão da derivação não tem grande importância para a elaboração da doutrina. A palavra berith pode indicar um acordo mútuo voluntário (diplêurico), mas também uma disposição ou um arranjo imposto por uma parte a outra (monoplêurico).* Seu sentido exato não depende da etimologia da palavra, nem do desenvolvimento histórico do conceito, mas, simplesmente das partes interessadas. Na medida em que uma das partes é subordinada e tem menos que dizer, a aliança adquire o caráter de uma disposição ou de um arranjo imposto por uma ou outra parte. Berith, então, vem a ser sinônimo de choq (estatuto ou ordenança determinada), Ex. 34.10; Is 59.21; Jr 31.36; 33.20; 34.13. Daí vemos também que Karath beith (cortar uma aliança) é expressão que se constrói não somente com as preposições ‘am e ben (com), mas também com lamedh (a, para), Js 9.6; Is 55.3; 61.8; Jr 32.40. naturalmente, quando Deus estabelece uma aliança com o homem, este caráter monoplêurico fica em muita evidência pois Deus e o homem não são partes iguais. Deus é o Soberano que impõe as Suas ordenanças às Suas criaturas. 2. NO NOVO TESTAMENTO. Na Septuaginta a palavra berith é traduzida por diatheke em todas as passagens em que ocorre, exceto em Dt 9.15 (martyrion) e 1 Rs 11.11 (entole). A palavra diatheke foi limitada a este uso, exceto em quatro passagens. Este uso da palavra parece, com efeito, peculiar, em vista do fato de que ela não é a palavra grega habitualmente empregada para designar aliança, mas, na verdade, indica uma disposição ou arranjo e, conseqüentemente, também um testamento. A palavra ordinariamente utilizada com referência a aliança é syvtheke. Os tradutores tiveram a intenção de substituir a idéias de aliança por outra? Evidentemente não, pois em Is 28.15 eles empregam as duas palavras sinonimamente, e ali diatheke significa evidentemente um pacto ou acordo. Daí, não atribuem este sentido a diatheke .Mas permanece a questão: Por que evitam eles tão geralmente o uso de syntheke e a substituem por uma palavra que denota disposição e não acordo? Com toda a probabilidade, a razão jaz no fato de que no mundo grego a idéia de aliança expressa por syntheke baseava-se tão amplamente na igualdade legal das partes que não podia, sem considerável modificação, ser incorporada no sistema escriturístico de pensamento. A idéia de que a prioridade pertence a Deus no estabelecimento da aliança, e de que Ele impõe soberanamente a Sua aliança ao homem, estava ausente da palavra grega usual. Daí a substituição desta pela palavra em que essa idéia era proeminente. Assim, semelhantemente a muitas outras palavras, a palavra diatheke recebeu novo significado, quando se tornou veículo do pensamento divino. Esta mudança é importante, em relação ao uso neotestamentário da palavra. Tem havido considerável diferença de opinião a respeito da apropriada tradução da palavra. Em cerca da metade das passagens nas quais ocorre, as versões Holandesa e Autorizada (AV) a traduzem por “aliança”. Enquanto que na outra metade, por “testamento”. A versão Revista Americana (ARV), porém, a traduz por “aliança” em toda parte, menos em Hb 9.156,17.* Não é senão natural, pois, que se levante a questão: Qual é o sentido neotestamentário da palavra? Alguns alegam que ela tem o seu sentido clássico de disposição ou testamento onde quer que se ache, no Novo Testamento, ao passo que outros afirmam que significa testamento nalguns lugares, mas que na grande maioria das passagens a idéia de aliança está proeminentemente em primeira plana. Este é indubitavelmente o conceito correto. Era de esperar, aprioristicamente, que o uso neotestamentário geralmente estaria de acordo com o da LXX; e um cuidadoso estudo das passagens pertinentes mostra que as versões que, como a Versão Revista Americana (ARV), traduzem diatheke por “testamento” somente em Hb 9.16, 17, estão na trilha certa, sem dúvida nenhuma. Com toda a probabilidade, não há nenhuma outra passagem onde esta tradução estaria certa, nem mesmo 2 Co 3.6,14. O fato de que várias traduções do Novo Testamento usam “testamento” em lugar de “aliança” em tantas passagens deve-se provavelmente a três causas: (a) o desejo de acentuar a prioridade de Deus na transação: (b) a suposição de que a palavra deve, quanto possível, ser traduzida em harmonia com Hb 9.16, 17; e (c) a influência da tradução latina, que uniformemente verteu diatheke para “testamentum”. B. O conceito. A idéia da aliança desenvolveu-se na história antes de Deus fazer uso formal do conceito na revelação da redenção. Foram feitas alianças entre os homens muito tempo antes de Deus estabelecer a Sua aliança com Noé e com Abraão, e isso preparou os homens para entenderem o sentido de uma aliança num mundo dividido pelo pecado, e os ajudou a compreenderem a revelação divina, quando esta apresentou a relação do homem com Deus em termos de uma relação pactual. Não significa, porém, que a idéia da aliança se originou do homem, sendo posteriormente copiada por Deus como uma forma apropriada de descrição da relação mútua entre Ele e o homem. O oposto é a verdade; o arquétipo de toda vida pactual acha-se no ser trinitário de Deus, e o que ser vê entre os homens é apenas uma pálida cópia (éctipo) do modelo divino. Deus ordenou a vida do homem de modo que a idéia da aliança nela se desenvolvesse como uma das colunas da vida social e, depois de desenvolvida, Ele introduziu formalmente como expressão da relação existente entre Ele e o homem. A relação pactual entre Deus e o homem existe desde o princípio mesmo e, portanto, já existia muito antes do estabelecimento formal da aliança com Abraão. Embora a palavra berith seja empregada muitas vezes com referencia a alianças entre os homens, sempre inclui uma idéia religiosa. Uma aliança é um pacto ou acordo entre duas partes ou mais. Pode ser, e entre os homens geralmente o é, um acordo a que as partes, que podem encontrar um terreno básico de igualdade, chegam voluntariamente, depois de uma cuidadosa estipulação de seus deveres e privilégios mútuos; mas também pode ser da natureza de uma disposição ou de um arranjo imposto por uma parte superior à outra, que lhe é inferior, sendo aceito por esta. Geralmente é ratificado por uma cerimônia solene, com a consciência da presença de Deus, e, com isso, obtém caráter inviolável cada parte de obriga ao cumprimento de certas promessas, com base nas condições estipuladas. Agora, não devemos dizer que não podemos falar com propriedade de uma aliança entre Deus e o homem pelo fato de serem desiguais as partes e, daí, partir do pressuposto de que a aliança da graça nada mais é, senão a promessa de salvação na forma de uma aliança. Se a aliança da graça nada mais é, senão a promessa de salvação n forma de uma aliança. Se o fizermos, não faremos justiça à idéia da aliança revelada na escritura. É mais que certo que, tanto a aliança das obras (como subseqüentemente se verá) como a aliança da graça, são originariamente monoplêuricas, são de natureza de arranjos ordenados e instituídos por Deus, e Deus tem a prioridade em, ambas; mas, sem embargo, são alianças. Por Sua graça, Deus condescendeu em baixar ao nível do homem e a honrá-lo, tratando-o mais ou menos na base da igualdade. Ele estipula as Suas exigências e outorga as Suas promessas e o homem assume os seus deveres assim impostos a ele e, desta maneira, herda as bênçãos divinas. Na aliança das obras o homem não podia satisfazer as exigências da aliança, em virtude dos seus dotes naturais, mas na aliança da graça ele é capacitado a satisfazê-las, unicamente pela influencia regeneradora e santificante do Espírito Santo. Deus realiza no homem o querer e o efetuar, concedendo-lhe de graça tudo quanto dele requer. Chama-se aliança da graça porque é a revelação ímpar da graça de Deus, e porque o homem recebe todas as bênçãos prometidas na aliança como dádivas da graça divina. (Teologia Sistemática – L. Berkhof. Pg 260)

A Aliança da Redenção

A. A discussão Separada Disto é Desejável. Há diferentes explanações a respeito das partes da aliança da graça. Alguns entendem que são o Deus triúno e o homem, este sem qualificação ou qualificado de algum modo, como por exemplo, “o pecador”, “o eleito” ou “o homem em Cristo”; outros entendem que são Deus o Pai, representando a Trindade, e Cristo, representando os eleitos; outros ainda, desde o dia de Coccejus (Coceio), distinguem as duas alianças, a saber, a aliança da redenção (pactum salutis) entre o Pai e o Filho, e, baseada nesta, a aliança da graça entre o Deus triúno e os eleitos, ou entre Aquele e o pecador eleito. Dessas explanações, a segunda leva certa vantagem, de um ponto de vista sistemático. Pode reivindicar o apoio de passagens como Rm 5.12-21 e 1 Co 15.21, 22, 47-49, e salienta a inseparável conexão que há entre o pactum salutis e a aliança da graça. Ela põe em relevo a unidade da aliança em Cristo. Defendem-na, entre outros, Boston, Gib, Dick, A. Kuyper, H Kuyper e A.Kuyper Jr. Todavia, a terceira explanação é mais precisa, mais fácil de entender e, portanto, mais proveitosa numa discussão prática da doutrina da aliança. Ela evita muita confusão que incide sobre a outra teoria, e é seguida pela maioria dos teólogos reformados (calvinistas), como Mastricht, à Marck, Turretino, Witsius, Heppe, os Hodge, Shedd, Vos, Bavinck e Honing. Não há diferença essencial entre essas duas explanações. Diz o Dr. Hodge: “Não há diferença doutrinária entre os que preferem uma exposição às outra; entre os que encerram todos os fatos da Escritura relativos a este assunto numa só aliança entre Deus e Cristo como o representante do Seu povo, e os que os distribuem em duas alianças”. Sendo assim, está fora de dúvida que a terceira maneira de apresentar a matéria merece a preferência. Mas, ao segui-la, devemos atentar para o que diz Shedd: “Apesar desta distinção (entre a aliança da redenção e a da graça) ser favorecida pelas afirmações bíblicas, não se segue que há duas alianças separadas e independentes, em antítese à aliança das obras. A aliança da graça e a da redenção são dois modos ou duas fases da única aliança evangélica da misericórdia”. (Teologia Sistemática – L. Berkhof. Pg 261)

Dados Bíblicos Quanto à Aliança da Redenção

O nome “conselho de paz” é derivado de Zc 6.13.* Coceio e outros viam nesta passagem referencia a um acordo entre o pai e o Filho. Foi um erro, pois as palavras se referem à união dos ofícios real e sacerdotal do messias. O caráter escriturístico do nome não pode ser defendido, mas, naturalmente, isto não põe em descrédito a realidade do conselho de paz. A doutrina deste conselho eterno repousa na seguinte base escriturística: 1. A escritura indica claramente o fato de que o plano da redenção estava incluído no decreto ou conselho eterno de Deus, Ef 1.4 em diante; 3.11; 2 Ts 2.13; 2 Tm 1.9; Tg 2.5; 1 Pe 1.2 etc. Pois bem, vemos que na economia da redenção, em certo sentido, há uma divisão de trabalho: o Pai é o originador, o Filho o executor e o Espírito Santo o aplicador. Isto só pode ser resultado de um acordo voluntário entre as pessoas da Trindade, de sorte que as Suas relações internas assumem a forma de uma vida pactual. De fato, é exatamente na vida trinitária que vemos o arquétipo das alianças históricas; vemos nela uma aliança no sentido próprio e mais completo da palavra, encontrando-se as partes num terreno de igualdade – uma verdadeira Syntheke. 2. Há passagens da Escritura que não somente mostram que o plano divino de salvação dos pecadores é eterno, Ef 1.4; 3.9,11, mas também indicam que esse plano é da natureza de uma aliança. Cristo fala das promessas a Ele feitas antes do Seu advento, e repetidamente se refere a uma comissão ou delegação de poderes que recebeu do Pai, Jo 5.30, 43; 6.38-40; 17.4-12. E em Rm 5.12-21 e 1 Co 15.22, Ele é claramente considerado o chefe representativo, isto é, o chefe de uma aliança. 3. Sempre temos os elementos essenciais de uma aliança, a saber, partes contratantes, promessas e condição ou condições, temos uma aliança. No Sl 2.7-9 mencionam-se as partes e se indica uma promessa. O caráter messiânico desta passagem é afiançado por At 13.33; Hb 1.5; 5.5. No Sl 40.7-9, também atestado como messiânico pelo Novo Testamento, (Hb 10.5-7), o Messias expressa a Sua prontidão para fazer a vontade do pai tornando-se um sacrifício pelo pecado. Cristo fala repetidamente de uma tarefa que o Pai Lhe confiou, Jo 6.38, 39; 10.18; 17.4. A declaração registrada em Lc 22.29 é particularmente significativa: “Assim como o Pai me confiou um reino, eu vo-lo confio”. O verbo empregado aqui é diatithemi, do qual deriva a palavra diatheke, e cujo sentido é designar por disposição voluntária, testamento ou aliança. Além disso, em Jo 17.5 Cristo reivindica uma recompensa, em Jo 17.6, 9, 24 (cf. também Fp 2.9-11), Ele se refere ao Seu povo e à Sua glória vindoura como uma recompensa a Ele dada pelo Pai. 4. Há duas passagens veterotestamentárias que ligam diretamente a idéia da aliança ao Messias, a saber, o Sl 89.3, que se baseia em 2 Sm 7.12-14, e que Hb 1.5 prova tratar-se de uma passagem messiânica; e Is 42.6, onde a pessoa aludida é o Servo do Senhor. O contexto mostra claramente que este Servo não é simplesmente Israel. Além disso, há passagens nas quais o Messias fala de Deus como Seu Deus, a saber, Sl 22.1, 2 e 30.8, empregando assim a linguagem pactual de hábito. (Teologia Sistemática – L. Berkhof. Pg 262)

O Filho na Aliança da Redenção

1. A POSIÇÃO OFICIAL DE Cristo NESTA ALIANÇA. A posição de Cristo na aliança da redenção é dupla. Em primeiro lugar, Ele é Penhor ou Fiador (grego eggyos); a palavra grega é usada somente em Hb 7.22. A derivação desta palavra é incerta e, daí, não nos pode ajudar a estabelecer o seu sentido. Mas este não é duvidoso. Penhor ou Fiador é aquele que se faz responsável pelo cumprimento das obrigações legais de outrem. Na aliança da redenção Cristo se encarregou de expiar os pecados do Seu povo, sofrendo pessoalmente a punição necessária, e de satisfazer as exigências da lei pelo mesmo povo. E, ao tomar o lugar do homem delinqüente, Ele se fez o ‘’ultimo Adão e, como tal, é o Chefe da aliança, o Representante de todos quantos o Pai Lhe deu. Então, na aliança da redenção Cristo é o Penhor ou Fiador e o Chefe. Ele tomou sobre Si as responsabilidades do Seu povo. É também o seu Fiador na aliança da graça, que desabrocha da aliança da redenção. Tem-se levantado a questão, se o ofício de Cristo como Penhor ou Fiador no conselho de paz foi condicional ou incondicional. A jurisprudência romana reconhece dois tipos de fiador, um designado fidejussor e o outro expromissor. O primeiro é condicional; o segundo é incondicional. O primeiro é um fiador que se encarrega de pagar por outra pessoa, dado que esta não paga o que deve. O peso da culpa permanece sobre os ombros da parte culpada até a hora do pagamento. O segundo, porém, é um fiador que se encarrega incondicionalmente de pagar de pagar por outrem, livrando imediatamente a parte culpada da sua responsabilidade. Coceio e sua escola sustentavam que, no conselho de paz, Cristo se fez fidejussor e que, conseqüentemente, os crentes do tempo do Velho Testamento não gozavam pleno perdão dos pecados. Inferiam de Rm 3.25 que para aqueles santos só havia uma paresis, um passar por alto o pecado, e não a aphesis, isto é, o perdão completo, enquanto Cristo não fez realmente a expiação pelo pecado. Entretanto, os seus oponentes afirmavam que Cristo encarregou-se incondicionalmente de prestar satisfação por Seu povo e, portanto, foi um fiador no sentido especifico de expromissor. Esta é a única posição sustentável, pois: (a) Os crentes veterotestamentários receberam plena justificação ou perdão, embora o seu conhecimento disto não fosse tão completo e tão claro como é na dispensação do Novo testamento. Não há diferença essencial entre a situação dos crentes do Velho Testamento e a dos crentes do Novo, Sl 32.2, 2, 5; 51.1-3, 9-11; 103.3, 12; Is 43.25; Rm 3.3, 6-16; Gl 3.6-9. A posição de Coceio lembra uma das posições dos católicos romanos, com o seu Limbus Patrum. (b) A teoria de Coceio faz a obra de Deus, em Sua provisão para a redenção dos pecadores, depender da incerta obediência do homem, de maneira inteiramente sem base. Não há sentido em dizer que Cristo se fez fiador condicional, como se ainda fosse possível ao pecador pagar por si mesmo. A provisão para a redenção dos pecadores é absoluta. Não equivale a dizer que Ele não trata o pecador como pessoalmente culpado enquanto não for justificado pela fé, pois o que Deus faz é exatamente isso. (c) Em Rm 3.25, a passagem a que Coceio recorre, o apóstolo emprega a palavra paresis (deixar de lado ou passar por alto), não porque os crentes individuais da dispensação do Velho Testamento não receberam pleno perdão do pecado, mas porque, durante o tempo daquela dispensação, o perdão do pecado tinha a forma de uma paresis, dado que o pecado não fora adequadamente punido em Cristo e a justiça absoluta de Cristo não fora revelada na cruz. (Teologia Sistemática – L. Berkhof. Pg 263)

O CARÁTER DESTA ALIANÇA ASSUMIDA POR CRISTO

Conquanto seja um fato que a aliança da redenção constitui a base eterna da aliança da graça e, no que interessa aos pecadores, constitui também o seu protótipo eterno, para Cristo foi uma aliança das obras, e não da graça. Para Ele a lei da aliança original estava em vigor, a saber, que a vida eterna só poderia ser obtida pelo cumprimento das exigências da lei. Como o último Adão, Cristo obtém a vida eterna para os pecadores como recompensa por Sua fiel obediência, e de modo nenhum como uma dádiva imerecida da graça. E aquilo que Ele fez, na qualidade de Representante e Fiador de todo o Seu povo, este já não tem a obrigação de fazer. A obra está realizada, a recompensa é merecida, e os crentes são feitos participantes dos frutos da obra consumada, mediante a graça. (Teologia Sistemática – L. Berkhof. Pg 265)