sexta-feira, 8 de novembro de 2013

EXPOSIÇÃO DA DOUTRINA DA TRINDADE

Pode-se discutir melhor, e resumidamente, a doutrina da Trindade em conexão com várias proposições que constituem um epítome da fé professada pela Igreja sobre estes pontos. a. Há no Ser Divino apenas uma essência indivisível (ousia, essentia). Deus é um em Seu se essencial, ou seja, em Sua natureza constitucional. Alguns dos primeiros pais da Igreja empregavam o termo “substantia” como Sinônimo de “essentia”, mas os escritores mais recentes evitaram esse emprego do termo, em vista do fato de que na igreja latina “substantia” era o termo utilizado pra traduzir “hypostasis”, bem como “ousia” e, portanto, era ambíguo. No presente, muitas vezes os dois vocábulos são empregados um pelo outro. Não há objeção a isto, desde que se tenha em mente que eles têm conotações ligeiramente diversas. Shedd os distingue como segue: “Essência vem de esse, ser, e denota o ser ativo. Substância vem de substare, e denota a possibilidade latente do ser. ...O termo essência descreve Deus como a soma total das perfeições infinitas; o termo substância O descreve como a base subjacente das atividades infinitas. O primeiro é, comparativamente, uma palavra ativa; o último, uma palavra passiva. O primeiro é, comparativamente, um termo espiritual; o último, material. Falamos de substância material, não de essência material”. Desde que já foi discutida acima a unidade de Deus, não é necessário demorar-nos em minúcias no presente contexto. Esta proposição concernente à unidade de Deus baseia-se em passagens como Dt 6.4; Tg 2.19, sobre a existência autônoma e a imutabilidade de Deus, e no fato d que Ele é identificado com as Suas perfeições, como quando é chamado vida, luz, verdade, justiça, e assim por diante. b. Neste único Ser Divino Há três Pessoas ou subsistências individuais, o Pai e o Filho e o Espírito Santo. Provam-no as várias passagens já citadas como válidas para consubstanciar a doutrina da Trindade. Para indicar estas distinções da Divindade, os escritores gregos geralmente empregavam o termo hypostasis, enquanto que os autores latinos utilizavam o termo persona e, às vezes, substantia. Como aquele podia levar a mal-entendidos e este era ambíguo, os eruditos cunharam a palavra subsistência. A variedade dos termos empregados mostra que sempre se sentiu que são inadequados. Geralmente se admite que a palavra “pessoa” é apenas uma expressão imperfeita da idéia. Na linguagem comum ela designa um indivíduo racional e moral separado, dotado de consciência própria, e consciente da sua identidade em meio a todas as mudanças. A experiência ensina que onde temos uma pessoa, temos também uma essência individual distinta. Toda pessoa é um indivíduo distinto e separado, em quem a natureza é individualizada. Mas em Deus não há três indivíduos justapostos e separados uns dos outros, mas somente auto-distinções pessoais dentro da essência divina, que é não só genericamente, mas também numericamente, uma só. Conseqüentemente, muitos preferiram falar de três hipóstases em Deus, três diferentes modos, não de manifestação, como ensinava Sabélio, mas de existência ou de subsistência. Daí diz Calvino: “Então, com pessoa, quero dizer uma subsistência na essência divina – uma subsistência que, conquanto relacionada com as outras duas, distingue-se delas por suas propriedades incomunicáveis”. Isso é perfeitamente permissível e pode proteger-nos de entendimento errôneo, mas não deve levar-nos a perder de vista o fato de que as auto-distinções do Ser Divino implicam um “Eu” e “Tu” no Ser de Deus, que assumem relações pessoais uns com os outros. Ver Mt 3.16; 4.1; Jô 1.18; 3.16; 5.20-22; 14.26; 15.26; 16.13-15. c. Toda a indivisa essência de Deus pertence igualmente a cada uma das três pessoas. Quer dizer que a essência não é dividida entre as três pessoas, mas está com a totalidade absoluta da sua perfeição em cada uma das pessoas, de modo que têm unidade numérica de essência. A natureza divina distingue-se da natureza humana em que pode subsistir total e indivisivelmente em mais de uma pessoa. Enquanto que três pessoas humanas têm apenas unidade de natureza ou essência, isto é, participam da mesma espécie de natureza ou essência, as pessoas da Divindade têm unidade numérica de essência, isto é, possuem a mesma essência, essência idêntica. A natureza humana pode ser considerada como uma espécie, da qual cada homem tem ma parcela individual, de sorte que há uma unidade específica (termo derivado de “espécie”); mas a natureza divina é indivisível e, portanto, idêntica, nas pessoas da Divindade. É numericamente uma e a mesma, pelo que a unidade da essência das pessoas é uma unidade numérica. Segue-se daí que a essência divina não é uma existência independente justaposta paralelamente às três pessoas. Ela não tem existência à parte e fora das três pessoas. Se tivesse, não haveria verdadeira unidade, mas uma divisão que levaria ao tetrateísmo. A distinção pessoal é uma, dentro da essência divina. Esta tem, nos termos usualmente empregados, três modos de subsistência. Outra conclusão que se tira da anterior é que não pode haver subordinação de uma pessoa a outra da Divindade quanto ao ser essencial, e, portanto, nenhuma diferença na dignidade pessoal.deve-se defender esta verdade contra o subordinacionismo de Orígenes e doutros chamados “pais da igreja” primitivos, dos arminianos, de Clarke e doutros teólogos anglicanos. A única subordinação de que podemos falar é uma subordinação quanto à ordem e ao relacionamento. É especialmente quando refletimos na relação das três pessoas da essência divina, que todas as analogias nos falham e ficamos profundamente conscientes de que a Trindade é um mistério que ultrapassa a nossa possibilidade de compreensão. É a incompreensível glória da Divindade. Assim como a natureza humana é tão rica, em sua amplíssima plenitude, que não pode ser incorporada, toda ela, num só indivíduo, e só obtém adequada expressão na humanidade como um todo, também o Ser Divino só se revela em Sua plenitude em Sua tríplice subsistência de Pai e Filho e Espírito Santo. d. A subsistência e as operações das três pessoas do Ser Divino são assinaladas por certa ordem definida. Há uma certa ordem na Trindade ontológica.Quanto à subsistência pessoal o Pai é a primeira pessoa, o Filho é a segunda, e o Espírito Santo é a terceira. Mal se precisa dizer que esta ordem não pertence a nenhuma prioridade de tempo ou de dignidade essencial, mas somente à ordem de derivação lógica. O Pai não é gerado por nenhuma das outras duas pessoas, nem delas procede; o Filho é eternamente gerado pelo Pai, e o Espírito procede do Pai e do Filho desde a eternidade. A geração e a processão ocorrem dentro do Ser Divino, e implicam certa subordinação quanto ao modo da subsistência pessoal, não porém subordinação no que se refere à posse da essência divina. Esta Trindade ontológica e sua ordem inerente constitui a base metafísica da Trindade econômica. Portanto, nada mais natural que a ordem existente na Trindade essencial se reflita nas opera ad extra (obras externas ao ser essencial) que se atribuem mais particularmente a cada uma das pessoas. A Escritura indica claramente esta ordem nas chamadas praepositiones distinctionales, ek, dia, e en, utilizadas para expressar a idéia de que todas as coisas provêm do Pai, mediante o Filho, e no Espírito Santo. e. há certos atributos pessoais pelos quais se distinguem as três pessoas. Chamam-se também opera ad intra, porque são obras realizadas no interior do Ser Divino e não se finalizam na criatura. São operações pessoais, não realizadas pelas três pessoas juntas, e são incomunicáveis. A geração é um ato exclusivo do Pai, a filiação pertence exclusivamente ao Filho, e a processão só pode ser atribuída ao Espírito Santo. Como opera ad intra, estas obras se distinguem das opera ad extra, que são as atividades e efeitos pelos quais a Trindade se manifesta exteriormente. Nunca estas obras se devem exclusivamente a uma das pessoas, mas sempre são obras do Ser Divino completo. Ao mesmo tempo, é verdade que, na ordem econômica das obras de Deus, algumas das obras ad extra são atribuídas mais particularmente a uma pessoa, algumas mais especialmente a outra, e assim com cada uma das três pessoas divinas. Conquanto sejam obras das três pessoas conjuntamente, atribui-se a criação primariamente ao Pai, e redenção ao Filho e a santificação ao Espírito Santo. Esta ordem das operações divinas indica a ordem essencial de Deus e forma a base daquilo que geralmente se conhece como Trindade econômica. f. a igreja confessa que a Trindade é um ministério que transcende a compreensão do homem. A Trindade é um mistério, não somente no sentido bíblico de que se trata de uma verdade anteriormente oculta e depois revelada, mas também no sentido de que o homem não pode compreendê-la e não pode torná-la inteligível. É inteligível em algumas de suas relações e de seus modos de manifestação, mas é ininteligível em sua natureza essencial. Os numerosos esforços feitos para explicar o mistério foram especulativos, e não teológicos. Invariavelmente redundaram no desenvolvimento de conceitos triteístas ou modalistas de Deus, na negação ou da unidade da essência divina ou da realidade das distinções pessoais dentro da essência. A real dificuldade está na relação em que as pessoas da Divindade estão com a essência divina e uma com as outras; e esta é uma dificuldade que a igreja não é capaz de remover, podendo apenas tentar reduzi-la a suas apropriadas proporções mediante uma apropriada definição de termos. Ela jamais tentou explicar o mistério da Trindade, mas procurou somente formular a doutrina de modo que fossem evitados os erros que a ameaçam. 4. VÁRIAS ANALOGIAS SUGERIDAS PARA LANÇAR LUZ SOBRE O ASSUNTO. Desde os albores da era cristã fizeram-se tentativas para lançar luz sobre o Ser trinitário de Deus, sobre a trindade na unidade e a unidade na trindade, com analogias extraídas de várias fontes. Embora defeituosas, não se pode negar tiveram algum valor na discussão trinitária. Isto se aplica particularmente às analogias oriundas da natureza constitucional ou da psicologia do homem. Em vista do fato de que o homem foi criado à imagem de Deus, é simplesmente natural admitir que, se existem vestígios da vida trinitária nas criaturas, os mais claros deles hão de achar-se no homem. a. Algumas dessas analogias ou ilustrações foram tiradas da natureza inanimada e do reino vegetal, como a da água da nascente, o riacho e o rio, ou a do vapor subindo na atmosfera, a nuvem e a chuva, ou a da chuva, a neve e o gelo; e como a da árvore com a sua raiz, o seu tronco e os seus ramos. Estas e todas as demais ilustrações similares são muito defeituosas. É evidente que lhes falta inteiramente a idéia de personalidade; e conquanto exemplifiquem uma natureza ou substancia comum, não são exemplos de uma essência comum que esteja presente, não apenas em parte, mas em sua inteireza, em cada uma de suas partes ou formas constituintes. b. Outras, de maior importância, foram extraídas da vida do homem, particularmente da constituição da mente humana e seus processos. Estas foram consideradas especialmente relevantes porque o homem é portador da imagem de Deus. A esta classe pertencem as analogias da unidade psicológica de intelecto, afetos e vontade (Agostinho); da unidade lógica de tese, antítese e síntese (Hegel); e da unidade metafísica de sujeito, objeto e sujeito-objeto (Olshausen, Shedd). Em todos estes casos temos certa trindade numa unidade, mas nenhuma Tri-personalidade numa unidade de substancia. c. Tem-se chamado a atenção também para a natureza do amor, que pressupõe um sujeito e um objeto e requer a união de ambos, de modo que, quando o amor concretiza perfeitamente a sua obra, três elementos são incluídos. Mas é fácil ver que esta analogia é defeituosa, desde que coordena duas pessoas e um relacionamento. Não ilustra, absolutamente, uma tri-personalidade. Além disso, refere-se apenas a uma qualidade, e não a uma substancia possuída em comum pelo sujeito e pelo objeto. Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg.