sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O FILHO, OU A SEGUNDA PESSOA DA TRINDADE

a. O nome “Filho” em sua aplicação à segunda pessoa. A segunda pessoa da Trindade é chamada “Filho” ou “Filho de Deus” em mais de um sentido do termo. (1) Num sentido metafísico. Deve-se sustentar isto contrariamente aos socinianos e aos unitários, que rejeitam a idéia de uma Divindade tripessoal, vêem em Jesus apenas um homem, e consideram o nome “Filho de Deus” a Ele aplicado, primariamente como um título honorário conferido a Ele. É muito evidente que Jesus Cristo é apresentado como o Filho de Deus na Escritura, independentemente de Sua posição e obra como Mediador. (a) Ele é mencionado como o Filho de Deus do ponto de vista da pré-encarnação, por exemplo em Jó 1.14, 18; Gl 4.4. (b) É chamado o “unigênito” Filho de Deus ou do pai, expressão que não se aplicaria a Ele, se Ele fosse o Filho de Deus somente num sentido oficial ou ético, Jo 1.14, 18; 3.16,18; 1 Jo 4.9. Comparar com 2 Sm 7.14; Jó 2.1; Sl 2.7; Lc 3.38; Jo 1.12. (c) Nalgumas passagens o contexto evidencia muito bem que o nome indica a divindade de cristo, Jô 5.18-25; Hb 1. (d) Embora Jesus ensine os Seus discípulos a falarem de Deus e a dirigir-se a Ele como “Pai nosso”, Ele mesmo fala dele chamando-lhe simplesmente “pai” ou “meu Pai”, e com isso mostra que estava cônscio de uma relação única, singular, com o Pai, Mt 6.9; 7.21; Jo 20.17. (e) De acordo com mt 11.27, Jesus, como o Filho de Deus, arroga-se um conhecimento único de Deus, conhecimento que ninguém mais pode possuir. (f) Os judeus certamente entendiam que Jesus afirmava que era o Filho de Deus num sentido metafísico; pois consideravam blasfêmia o modo como Ele falava de Si mesmo como o Filho de Deus, Mt 26.63; Jo 5.18; 10.36. - (2) Num sentido oficial ou messiânico. Nalgumas passagens este sentido é associado ao sentido mencionado acima. As passagens subseqüentes aplicam o nome “Filho de Deus” a Cristo como Mediador, Mt 8.29; 26.63 (onde este sentido vem ligado ao outro); 27.40; Jo 1.49; 11.27. Naturalmente, esta filiação e a messianidade se relacionam com a filiação originária de Cristo. É somente porque Ele era o Filho de Deus essencial e eterno, que podia ser chamado Filho de Deus como Messias. Além disso, a filiação e a messianidade refletem a filiação eterna de Cristo. É do ponto de vista desta filiação e messianidade que até Deus é chamado Deus do Filho, 2 Co 11.31; Ef 1.3, e às vezes é mencionado como Deus em distinção do Senhor, Jo 17.3; 1 Co 8.6; Ef 4.5, 6. (3) Num sentido natalício. Também se dá a Jesus o nome “Filho de Deus” em vista do fato de que deveu o Seu nascimento à paternidade de Deus. De acordo com a Sua natureza humana, ele foi gerado pela operação sobrenatural do Espírito Santo, e nesse sentido é o Filho de Deus. Lc 1.32, 35 o indica claramente, e provavelmente se pode inferir também de Jo 1.13. b. A subsistência pessoal do Filho. Deve-se defender a realidade da subsistência pessoal do Filho contra todos os modalistas que, de um modo ou de outro, negam as distinções pessoais da Divindade. Pode-se consubstanciar a doutrina da personalidade do Filho como segue: (1) O modo pelo qual a bíblia fala do pai e do Filho um ao lado do outro implica que um é tão pessoal como o outro, e também indica a existência de uma relação pessoal entre ambos. (2) O emprego dos apelativos “unigênito” e “primogênito” implica que a relação entre o pai e o Filho, conquanto singular, pode ser, não obstante, retratada aproximadamente como uma relação de geração e nascimento. O designativo “primogênito” encontra-se em Cl 1.15; Hb 1.6, e acentua o fato da geração eterna do Filho. Simplesmente significa que Ele já exista antes da criação dos céus e da terra. (3) O emprego distintivo do termo “Logos” na Escritura aponta na mesma direção. Este termo é aplicado ao Filho, em primeiro lugar não para expressar a Sua relação com o mundo (o que é absolutamente secundário), mas para indicar a Sua profunda relação com o Pai, relação como a que existe entre uma palavra e o orador que a profere. Diferentemente da filosofia a Bíblia apresenta o Logos como pessoal e o identifica com o Filho de Deus, Jo 1.1-14; 1 Jo 1.1-3. (4) A descrição do Filho como a imagem ou mesmo como a expressa imagem de Deus em 2 Co 4.4; Cl 1.15; Hb 1.3. Deus sobressai claramente na Escritura como um Ser pessoal. Se o Filho de Deus é a expressa imagem de Deus, necessariamente é uma pessoa também. c. A geração eterna do Filho. A propriedade característica do Filho consiste em que Ele é eternamente gerado do pai (resumidamente denominada “filiação”) e toma parte com o Pai na espiração do Espírito. A doutrina da geração do Filho é sugerida pela representação bíblica da primeira e da secunda pessoas da Trindade como estando na relação do pai e o Filho um com o outro. Não somente os nomes “Pai” e “Filho” sugerem a geração deste por aquele, mas também o Filho é repetidamente chamado “o Unigênito”, Jo 1.14, 18; 3.16, 18; 1 Jo 4.9. Várias particularidades merecem ênfase em conexão com a geração do Filho: (1) É um ato necessário de Deus. Orígenes, um dos primeiros a falar da geração do Filho, considerava-a como um ato dependente da vontade do Pai e, portanto, livre. Outros, em diversas ocasiões, expressaram a mesma opinião. Mas Atanásio e outros perceberam claramente que uma geração dependente da vontade facultativa do Pai tornaria contingente a existência do Filho e assim O privaria da Sua divindade. Então o Filho não seria igual e homoousios ao Pai, pois o Pai existe necessariamente e não pode ser entendido como não existente. A geração do Filho deve ser considerada como um ato necessário e perfeitamente natural de Deus. Não significa que este ato não esteja relacionado com a vontade do pai nalgum sentido da palavra. É um ato da vontade necessária do pai, o que significa simplesmente que a Sua vontade concomitante agrada-se perfeitamente com ele. (2) É um ato eterno do pai. Este ponto segue-se naturalmente do anterior. Se a geração do Filho é um ato necessário do pai, de modo que é impossível entende-lo como não gerando, naturalmente participa do pai na eternidade. Não significa, porém, que seja um ato que se realizou completamente no passado distante, mas antes, que é um ato atemporal, o ato de um eterno presente, um ato que se realiza continuadamente e, todavia, sempre de maneira completa. Sua eternidade segue-se não somente da eternidade de Deus, mas também a imutabilidade divina e da verdadeira divindade do Filho. Acresce que também se pode inferir das passagens bíblicas que ensinam ou a preexistência do Filho ou a Sua igualdade com o Pai, Mq 5.2; Jo 1.14, 18; 3.16; 5.17, 18, 30, 36; At 13.33; Jo 17.5; Cl 1.16; Hb 1.3. A declaração do Sl 2.7, “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”, geralmente é citada para provar a geração do Filho, mas, segundo alguns, com mui duvidosa propriedade, Cf. At 13.33; Hb 1.5. Supõem eles que essas palavras se referem à elevação de Jesus como Rei Messiânico, e ao reconhecimento dele como Filho de Deus num sentido oficial, estando provavelmente ligadas à promessa registrada em 2 Sm 7.14, exatamente como se vêem em Hb 1.5. (3) É geração da subsistência pessoal, e não da essência divina do Filho. Alguns falam como se o pai gerasse a essência do Filho, mas isto equivale a dizer que Ele gerou a Sua própria essência, pois a essência do Pai e do Filho é exatamente a mesma. É melhor dizer que o pai gera a subsistência pessoal do Filho, mas com isso também Lhe comunica a essência divina em sua inteireza. Mas, ao fazê-lo, devemos evitar a idéia de que o Pai gerou primeiramente a segunda pessoa e depois comunicou a essência divina e esta pessoa, pois isto levaria à conclusão de que o Filho não foi gerado da essência divina, mas foi criado do nada. Na obra de geração houve comunicação da essência: foi um ato indivisível. E, em virtude desta comunicação, o Filho também tem vida em Si mesmo. Isso está de acordo com a declaração de Jesus: “Porque assim como mo pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo”, Jo 5.26. (4) É geração que deve ser entendida como espiritual e divina. Em oposição aos arianos, que insistiram em que a geração do Filho implicava necessariamente separação ou divisão do Ser Divino, os chamados pais da igreja acentuavam o fato de que não se deve entender esta geração de maneira física ou que lembre o processo de geração das criaturas, mas deve ser entendida como espiritual e divina, excluindo toda idéia de divisão ou mudança. Ela traz distinctio e distributio, não porém diversitas e divisio ao Ser Divino (Bavinck). Sua mais notável analogia acha-se no pensamento e na alocução do homem, e a própria Bíblia parece indicar isto, quando fala do Filho como o Logos. (5) Pode-se dar a seguinte definição da geração do Filho: É o ato eterno e necessário da primeira pessoa da Trindade, pelo qual Ele, dentro do Ser Divino, é a base de uma segunda subsistência pessoal, semelhante à Sua própria, e dá a esta segunda pessoa posse da essência divina completa, sem nenhuma divisão, alienação ou mudança. d. A divindade do Filho. A divindade do Filho foi negada na Igreja Primitiva pelos ebionitas e pelos “alogi” (alogoa), e também pelos monarquistas e pelos arianos.Nos dias da Reforma os socinianos seguiram o exemplo daqueles e falavam de Jesus como mero homem. A mesma posição foi tomada por Schleiermacher e Ritschl, por um batalhão de eruditos liberais, particularmente da Alemanha, pelos unitários e pelos modernistas e humanistas dos dias atuais. Esta negação só é possível para os que desconsideram os ensinos da Escritura, pois a Bíblia contém abundantes provas da divindade de Cristo. Vemos que a Escritura (1) asseverava explicitamente a divindade do Filho. Em passagens como Jo 1.1; 20,28; Rm 9.5; Fp 2.6; Tt 2.13; 1 Jo 5.20; (2) aplica a Ele nomes divinos, Is 9.6; 40.3; Jr 23.5, 6; Jl 2.32 (comp. At 2.21); 1 Tm 3.16: (3) atribui a Ele perfeições divinas,tais como existência eterna, Is 9.6; Jo 1.1, 2; Ap 1.8; 22.13, onipresença, Mt 18.20; 28.20; Jo 3.13, onisciência, Jo 2.24, 25; 21.17; Ap 2.23, onipotência, Is 9.6; Fp 3.21; Ap 1.8, imutabilidade, Hb 1.10-12; 13.8, e em geral todos os atributos pertencentes ao pai, Cl 2.9: (4) fala dele como realizando obras divinas, como a criação, Jo 1.3, 10; Cl 1.16; Hb 1.2,10, a providência, Lc 10.22; Jo 3.35; 17.2; Ef 1.22; Cl 1.17; Hb 1.3, o perdão de pecados, Mt 9.2-7; Mc 2. 7-10; Cl 3.13, a ressurreição e o juízo, Mt 25.31, 32; Jo 5.19-29; At 10.42; 17.31; Fp 3.21; 2 Tm 4.1, a final dissolução e renovação de todas as coisas Hb 1.10-12; Fp 3.21; Apo 21.5, e (5) Lhe outorga honra divina, Jo 5.22, 23; 14.1; 1 Co 15.19; 2 Co 13.13; Hb 1.6; Mt 28.19. e. O lugar do Filho na Trindade econômica. Deve-se notar que a ordem da existência na Trindade essencial ou ontológica reflete-se na Trindade econômica. O Filho ocupa o segundo lugar nas opera ad extra. Se todas as coisas provêm do Pai, provêm mediante o Filho, 1 Co 8.6. Se o Pai é apresentado como a causa absoluta de todas as coisas, o Filho sobressai claramente como a causa mediadora. Isto se aplica à esfera natural, onde todas as coisas são criadas e mantidas por meio do Filho, Jo 1.3, 10; Hb 1.2, 3. Ele é a luz que ilumina todo homem que vem ao mundo, Jo 1.9. Aplica-se também à obra de redenção. No Conselho da Redenção Ele toma sobre Si a tarefa de ser a Segurança do Seu povo, e executar o plano de redenção feito pelo Pai, Sl 40.7, 8. Realiza-o mais particularmente em Sua encarnação, em Seus sofrimentos e em Sua morte, Ef 1.3-14. Em conexão com a Sua função os atributos de sabedoria e poder, 1 Co 1.24; Hb 1.3, e de misericórdia e graça, são atribuídos especialmente a Ele, 2 Co 13.13; Ef 5.2, 25. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 87)