quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Os Atributos Comunicáveis

(Deus como Espírito Pessoal) Se os atributos discutidos no capítulo anterior salientam o absoluto Ser de Deus, os que restam considerar acentuam a Sua natureza pessoal. É nos atributos comunicáveis que Deus se posiciona como Ser moral, consciente, inteligente livre, como Ser pessoal no mais elevado sentido da palavra. A questão se uma existência pessoal combina com as idéias do absoluto se há muito prendeu a atenção dos filósofos, e ainda é objeto de debate. A resposta depende em grande medida do sentido que se atribua à palavra “absoluto”. Na filosofia a palavra tem sido empregada em três sentidos diversos, que podem ser denominados sentidos agnóstico, lógico e causal. Quanto ao sentido agnóstico, o Absoluto é o irrelacionado do qual nada se pode conhecer, uma vez que só se conhecem as coisas em suas relações. E se não se pode conhecer nada dele, não se lhe pode atribuir personalidade. Além disso, desde que não se pode pensar em personalidade desvinculada de relações, não pode ser identificada com um Absoluto que em sua própria essência é o irrelacionado. No Absoluto lógico o individual está subordinado ao universal, e o universal mais elevado é a realidade última. Deste modo é a substância absoluta de Spinoza, como também o espírito absoluto de Hegel. Pode expressar-se no finito e por ele, mas nada que seja finito pode expressar a sua natureza essencial. Atribuir-lhe personalidade seria limitá-lo a um modo de ser, e destruiria o seu caráter absoluto. De fato, tal absoluto ou realidade última é apenas um conceito abstrato e vazio, sem conteúdo nenhum. O conceito causal do Absoluto apresenta-o como o fundamento último de todas as coisas. Não depende de nada que lhe seja alheio, mas faz todas as coisas dependerem dele. Ademais, ele não é necessária e completamente irrelacionado, mas pode entrar em várias relações com as criaturas finitas. Tal concepção do Absoluto não é incoerente com a idéia de personalidade. Além disso, devemos ter em mente que, em sua argumentação, os filósofos sempre estiveram operando com a idéia de personalidade como concretizada no homem, e não viam que, em Deus, a personalidade pode ser infinitamente mais perfeito. Na verdade, personalidade perfeita só se acha em Deus, e o que vemos no homem é apenas uma cópia finita do original. Ainda mais, há uma tripersonalidade em Deus, da qual não se acha analogia alguma nos seres humanos. Para provar a personalidade de Deus têm sido apresentadas provas naturais muito parecidas com as citadas em prol da existência de Deus. (1) A personalidade humana requer um Deus pessoal para sua explicação. O homem não é um ser auto-existente e eterno, mas u ser finito, com princípio e fim. A causa pressuposta deve ser suficiente para explicar totalmente o efeito. Visto que o homem é um produto pessoal, o poder que originou também deve ser pessoal. Doutro modo, existe no efeito alguma coisa superior ao que quer que se ache na causa; e isto seria completamente impossível. (2) O mundo em geral dá testemunho da personalidade de Deus. Em toda a sua estrutura e constituição ele revela os mais claros sinais de uma inteligência infinita, das emoções mais profundas, mais elevadas e mais ternas, e de uma vontade todo-poderosa. Conseqüentemente, somos constrangidos a subir do mundo para o Criador do mundo como um Ser com inteligência, sensibilidade e vontade, isto é, como uma pessoa. (3) A natureza moral e religiosa do homem também aponta para a personalidade de Deus. A Sua natureza Lhe impõe um senso de obrigação de fazer o que é reto, isto implica necessariamente a existência de um Legislador supremo. Além disso, a sua natureza religiosa constantemente o incita a procurar comunhão pessoal com algum Ser superior; e todos os elementos e atividades da religião requerem um Deus pessoal como seu objeto e fim último. Mesmo as religiões panteístas, assim chamadas, muitas vezes testificam inconscientemente de crença num Deus pessoal. O fato é que coisas como penitência, fé e obediência, comunhão e amor, lealdade no servir e sacrifício, confiança na vida e na morte, não tem sentido, a menos que encontrem seu objeto apropriado num Deus Pessoal. Mas, conquanto todas estas considerações sejam verdadeiras e tenham valor como testimonia, não são as provas de que a teologia depende em sua doutrina da personalidade de Deus. Ela busca prova na revelação que Deus faz de Si na Escritura. O termo “pessoa” não é aplicado a Deus na Bíblia, se bem que há vocábulos, como o hebraico panim e o grego prosopon, que chegam bem perto de expressar a idéia. Ao mesmo tempo, a Escritura atesta a personalidade de Deus de diversas maneiras. A presença de Deus, como descrita pelos escritores do Velho e do Novo Testamentos, é uma, é uma presença claramente pessoal. E as representações antropomórficas e antropopáticas de Deus na Escritura, embora devem ser interpretadas de modo que não militem contra a pura espiritualidade e santidade de Deus, só podem justificar-se com o pressuposto de que o Ser a quem se aplicam é uma pessoa real, com atributos pessoais, muito embora sem limitações humanas. De capa a capa Deus é apresentado como um Deus pessoal, com quem os homens têm capacidade e permissão de conversar, em quem podem confiar, que os sustenta nas suas provações, e enche os seus corações da alegria da libertação e vitória. E finalmente, a mais alta revelação de Deus de que a Bíblia dá testemunho é uma revelação pessoal. Jesus Cristo revela o Pai de maneira tão perfeita que pôde dizer a Filipe: “Quem me vê a mim, vê o Pai”, Jo 14.9. provas mais pormenorizadas aparecerão na discussão dos atributos comunicáveis. A. A Espiritualidade de Deus. A Bíblia não nos dá uma definição de Deus. O que mais se aproxima disso é a palavra dita por Jesus à mulher samaritana: “Deus é Espírito”, Jo 4.24. Trata-se, ao menos, de uma declaração que visa a dizer-nos numa única palavra o que Deus é. O Senhor não diz meramente que Deus é um espírito, mas que Ele é Espírito. E devido a esta clara declaração, é simplesmente próprio discutir primeiro a espiritualidade de Deus. Pelo ensino da espiritualidade de Deus, a teologia salienta o fato de que Deus tem um Ser substancial exclusivamente Seu e distinto do mundo, e que este Ser substancial é imaterial, invisível, e sem composição nem extensão. A espiritualidade de Deus inclui o pensamento de que todas as qualidades que pertencem à perfeita idéia de Espírito se acham nele: que Ele é um Ser auto-consciente e auto-determinante. Desde que Ele é Espírito no sentido mais absoluto e mais puro da palavra, não há nele nenhuma composição de partes. A idéia de espiritualidade exclui necessariamente a atribuição de qualquer coisa semelhante a corporalidade a Deus e, assim, condena as fantasias de alguns antigos gnósticos e dos místicos que a Bíblia fala de mãos e pés, olhos e ouvidos, boca e narinas de Deus, mas, ao fazê-lo, está falando antropomórfica ou figuradamente daquele que, de longe, transcende o nosso conhecimento humano, e de quem só podemos falar aos gaguejos, à maneira dos homens. Atribuindo espiritualidade a Deus, podemos afirmar que Ele não tem nenhuma das propriedades pertencentes à matéria, e que os sentidos corporais não O podem discernir. Paulo fala dele como o “Rei eterno, imortal, invisível” (1 Tm 1.17), e como “o Rei dos reis e Senhor dos senhores; o único que possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra e poder eterno. Amém”. (1 Tim 6. 15, 16). (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 59)