sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O ESPÍRITO SANTO, OU A TERCEIRA PESSOA DA TRINDADE

a. O nome aplicado à terceira pessoa da Trindade. Apesar de se nos dizer em Jo 4.24 que Deus é Espírito*, o nome se aplica mais particularmente à terceira pessoa da Trindade. O termo hebraico com o qual Ele é designado é Ruach, e o grego, é pneuma, ambos os quais, como o vocábulo latino spiritus, derivam de raízes que significam “soprar”, “respirar”. Daí, também podem ser traduzidos por “sopro” ou “fôlego”, Gn 2.7; 6,17; Ez 37.5, 6, ou “vento”, Gn 8.1: 1 Rs 19.11: Jo 3.8. O Velho Testamento geralmente emprega o termo “espírito” sem qualificativos, ou fala do “Espírito de Deus” ou “Espírito do Senhor”, e utiliza a expressão “Espírito Santo” somente em Sl 51.11; Is 63.10, 11, enquanto que o Novo Testamento esta veio a ser uma designação da terceira pessoal da Trindade. É um fato notável que, enquanto o Velho Testamento repetidamente chama a Deus “o Santo de Israel”, Sl 71.22; 89.18; Is 10.20; 41.3; 48.17, o Novo Testamento raramente se aplica o adjetivo “santo” a Deus em geral, mas utiliza freqüentemente para caracterizar o Espírito. Com toda a probabilidade isto se deve ao fato de que foi especialmente no Espírito e Sua obra santificadora que Deus se revelou como Santo. É o Espírito Santo que faz Sua habitação nos corações dos crentes, que os separa para Deus, e que os purifica do pecado. b. A personalidade do Espírito Santo. As expressões “Espírito de Deus” e “Espírito Santo” não sugerem personalidade com a clareza que o temo “Filho” sugere. Além disso, a pessoa do Espírito Santo não apareceu de forma pessoal claramente discernível entre os homens, como aconteceu com a pessoa do Filho de Deus. Como resultado, a personalidade do Espírito Santo muitas vezes foi posta em questão e, portanto, merece atenção especial. A personalidade do Espírito foi negada na Igreja Primitiva pelos monarquistas e pneumatomaquianos. Nesta negação eles foram seguidos pelos socianos dos dias da Reforma. Mas recentemente, Schleiermacher, Ritschil, os unitários, os modernistas dos dias atuais e todos os sabelianos modernos rejeitam a personalidade do Espírito Santo. Muitas vezes se diz hoje em dia que as passagens que parecem implicar a personalidade do Espírito Santo simplesmente contêm personificações. Mas as personificações certamente são raras nos escritos em prosa do Novo Testamento, e podem ser reconhecidas com facilidade. Ademais, essa explicação evidentemente destrói o sentido de algum, as dessas passagens como, por exemplo, Jo 14.26; 16.7-11; Rm 8.26. A prova bíblica da personalidade do Espírito Santo é mais que suficiente: (1) Designativos próprios de personalidade Lhe são dados. Embora pneuma seja neutro, o pronome masculino ekeinos é utilizado como referência ao Espírito Santo em Jo 16.14; e em Ef 1.14 algumas das melhores autoridades têm o pronome relativo masculino hos. Além disso, é-lhe aplicado o nome Parakletos, Jo 14.26; 15.26; 16.7, termo que não pode ser traduzido por “conforto”, “consolação”, nem pode ser considerado como nome de alguma influência abstrata. Um fato que indica que se trata de uma pessoa é que o Espírito Santo, como Consolador, é colocado em justaposição com Cristo como o Consolador que estava para partir, a quem o mesmo termo é aplicado em 1 Jo 2.1. É verdade que este termo é seguido pelos neutros Ho e auto em Jo 14.16-18, mas isto se deve ao fato de que intervém o vocábulo pneuma. (2) São-lhe atribuídas características de pessoa, como inteligência, Jo 14.26; 15.26; Rm 8.16, vontade, At 16.7; 1 Co 12.11; e sentimentos, Is 63.10; Ef 4.30. Demais, Ele realiza atos próprios de personalidade. Sonda, fala, testifica, ordena, revela, luta, cria, faz intercessão, vivifica os mortos, etc, Gn 1.2; 6.3; Lc 12.12; Jo 14.26; 15.26; 16.8; At 8.29; 13.2; Rm 8.11; 1 Co 2.10, 11. O realizador destas coisas não pode ser um simples poder ou influência, mas tem que ser uma pessoa. (3) É apresentado como mantendo tais relações com outras pessoas, que implicam Sua própria personalidade. Ele é colocado na justaposição com os apóstolos em At 15.28, com Cristo em Jo 16.14, e com o Pai e o Filho em Mt 28.19; 2 Co 13.13; 1 Pe 1.1, 2; Jd 20, 21. Uma boa exegese exige que nestas passagens o Espírito Santo seja considerado uma pessoa. (4) Também há passagens em que se distingue entre o Espírito e o Seu Poder, Lc 1.35; 4.14; At 10.38; Rm 15.13; 1 Co 2.4. Tais passagens seriam tautalógicas, sem sentido, e até absurdas, se fossem interpretadas com base no princípio de que o Espírito é pura e simplesmente um poder impessoal. Pode-se ver isto substituindo o nome “Espírito Santo” pela palavra “poder” ou “influência”. c. A relação do Espírito Santo com as outras pessoas da Trindade. As primeiras controvérsias trinitárias levaram à conclusão de que o Espírito Santo, como o Filho, é da mesma essência do pai e, portanto, é consubstancial com Ele. E a longa discussão acerca da questão, se o Espírito Santo procedeu somente do pai ou também do Filho, foi firmada finalmente pelo Sínodo de Toledo em 589*, pelo acréscimo da palavra “Filioque” (e do Filho) à versão latina do Credo de Constantinopla: “Credimos in Spiritum Sanctum qui a Patre Filioque procedidit” (“Cremos no Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho”). Esta processão do Espírito Santo, resumidamente chamada espiração, é Sua propriedade pessoal. Muito do que foi dito a respeito da geração do Filho também se aplica à espiração do Espírito Santo, e não é necessário repetir. Notem-se, contudo, os seguintes pontos de distinção entre ambas: (1) A geração é obra exclusiva do Pai; a espiração é obra do pai e do Filho. (2) Pela geração o Filho é habilitado a tomar parte na obra de espiração, mas o Espírito Santo não adquire esse poder. (3) Segundo a ordem lógica, a geração precede à espiração. Devemos lembrar, porém, que isso tudo não implica nenhuma subordinação essencial do Espírito Santo ao Filho. Na espiração, como na geração, há uma comunicação da substância total da essência divina, de modo que o Espírito Santo está em igualdade com o Pai e o Filho. A doutrina da processão do Espírito Santo do Pai e do Filho baseia-se em Jo 15.26, e no fato de que o Espírito é chamado também o Espírito de Cristo e do Filho, Rm 8.9; Gl 4.6, e é enviado por Cristo ao mundo. Pode-se definir a espiração como o terno e necessário ato da primeira e da segunda pessoa da Trindade pelo qual elas, dentro do Ser Divino, vêm a ser a base da subsistência pessoal do Espírito Santo, e propiciam à terceira pessoa a posse da substância total da essência divina, sem nenhuma divisão, alienação ou mudança. O Espírito Santo está na relação mais estreita possível com as outras pessoas. Em virtude da Sua processão do Pai e do Filho, o Espírito é descrito como estando na relação mais estreita possível com as outras duas pessoas. De 1 Co 2.10, 11 podemos inferir, não que se deve identificar o Espírito com a autoconsciência de Deus, mas, sim, que Ele é tão estreitamente relacionado com Deus o pai como a alma humana o é com o homem. Em 2 Co 3.17 lemos: “Ora, o Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade”. Aí o Senhor (Cristo) é identificado com o Espírito, não quanto à personalidade, mas quanto à maneira de agir. Na mesma passagem o Espírito é chamado “o Espírito do Senhor”. A obra para a qual o Espírito Santo foi enviado à igreja no dia de Pentecostes estava baseada em Sua unidade com o Pai e com o Filho. Ele veio como o Paráclito para tomar o lugar de Cristo e realizar a Sua obra na terra, isto é, para ensinar, proclamar, testificar ou dar testemunho etc., como o Filho fizera. Pois bem, no caso do Filho, esta obra de revelação estava firmada em Sua unidade com o Pai. Justamente assim a obra do Espírito baseia-se em Sua unidade com o Pai e com o Filho, Jo 16.14, 15. Notem-se as palavras de Jesus nesta passagem: “Ele me glorificará porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar. Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso é que vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar”. d. A divindade do Espírito Santo. Pode-se estabelecer a veracidade da divindade do Espírito Santo com base na Escritura seguindo uma linha de comprovação muito semelhante à que foi empregada com relação ao Filho: (1) São-lhe dados nomes divinos, Êx 17.7 (comp. Hb 3.7-9); At 5.3, 4; 1 Co 3.16; 2 Tm 3.16; 2 Pe 1.21. (2) São-lhe atribuídas perfeições divinas, como onipresença, Sl 139.7-10, onisciência, Is 40.13, 14 (comp. Rm 11.34); 1 Co 2.10, 11, onipotência, 1 Co 12.11; Rm 15.19, e eternidade, Hb 9.14 (?). (3) Ele realiza obras divinas, como a criação, Gn 1.2; Jó 26.13; 33.4, renovação providencial, Sl 104.30, regeneração, Jo 3.5, 6; Tt 3.5, e a ressurreição dos mortos, Rm 8.11. (4) É-lhe prestada honra divina, Mt 28.19; Rm 9.1; 2 Co 13.13. e. A obra do espírito Santo na economia divina. Certas obras são atribuídas mais particularmente ao Espírito Santo, não somente na economia geral de Deus, mas também na economia especial da redenção. Em geral se pode dizer que a tarefa especial do Espírito Santo consiste em levar as coisas à completação agindo imediatamente sobre a criatura e nela. Justamente como Ele é a pessoa que completa a Trindade, assim a Sua obra é a completação do contato de Deus com as Suas criaturas e a consumação da obra de Deus em todas as esferas. Ela se segue à obra do Filho, como a obra do Filho segue-se à do Pai. É importante ter isto em mente, pois, se a obra do Espírito Santo for divorciada do objetivo da obra do Filho, um falso misticismo fatalmente surgirá como resultado. A obra do Espírito inclui as seguintes ações na esfera natural: (1) A geração da vida. Como o ser provém do Pai, e o pensamento vem mediante o Filho, assim a vida é mediada pelo Espírito, Gn 1.3; Jó 26.13; Sl 33.6 (?); Sl 104.30. Com relação a isso, Ele dá o toque final à obra da criação. (2) A inspiração geral e a qualificação dos homens. O Espírito Santo inspira e qualifica os homens para as suas tarefas oficiais, para trabalho na ciência e nas artes, etc., Ex 28.3; 31.2, 3, 6; 35.35: 1 Sm 11.6; 16.13, 14. De maior importância ainda é a obra do Espírito Santo na esfera da redenção. Aqui podem ser mencionados os seguintes pontos: (1) O preparo e a qualificação de Cristo para a Sua obra mediadora. Ele preparou para Cristo um corpo e, assim, capacitou-o a tornar-se um sacrifício pelo pecado, Lc 1.35; Hb 10.5-7. Nas palavras “corpo me formaste”, o escritor de Hebreus segue a Septuaginta. O sentido é: Pela preparação de um corpo santo, me capacitaste a ser um sacrifício pelo pecado. Em seu batismo Cristo foi ungido com o Espírito Santo Lc 3.22, e recebeu do Espírito Santo dons habilitadores sem medida, Jo 3.24 (2) A inspiração da Escritura. O Espírito Santo inspirou a Escritura e deste modo trouxe aos homens a revelação especial de Deus, 1 Co 2.13; 2 Pe 1.21, o conhecimento da obra de redenção que há em Cristo Jesus. (3) A formação e o aumento da igreja. O Espírito Santo forma e dá crescimento à igreja, o corpo místico de Jesus Cristo, pela regeneração e pela santificação, e habita nela como o princípio da nova vida, Ef 1.22, 23; 2.22; 1 Co 3.16; 12.4s. (4) Ensino e direção da igreja. O Espírito Santo dá testemunho de Cristo e guia a igreja em toda verdade. Em fazendo isto, Ele manifesta a glória de Deus e de Cristo, aumenta o nosso conhecimento do Salvador, livra de erro a igreja e a prepara para o seu destino eterno, Jo 14.26; 15.26; 16.13, 14; At 5.32; Hb 10.15; 1 Jo 2.27. QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Contém a literatura pagã alguma analogia da doutrinada Trindade? 2. O desenvolvimento da doutrina da Trindade parte da Trindade ontológica ou da econômica? 3. Pode-se compreender a Trindade econômica isolada da ontológica? 4. Por que a doutrinada Trindade é discutida por alguns como introdutória da doutrina da redenção? 5. Qual é a concepção hegeliana da Trindade? 6. E a da Swedenborg? 7. Onde encontramos sabelianismo na teologia moderna? 8. Por que é objetável sustentar que a Trindade é puramente econômica? 9. Que objeções podem ser feitas ao conceito que o humanismo moderno tem a Trindade? 10. Por que Barth trata da Trindade nos prolegômenos da teologia? 11. Qual é a significação prática da doutrina da Trindade? BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dog. II, p. 260-347; Kuyper, Dict. Dogm., De Deo II, p. 3-255; Vos, Geref. Dogm. I, p.36-81; Mastricht, Godgeleerdheit I, p. 576-662; Turretino, Opera, Locus Tertius; Hodge, Syst. Theol. I, p. 442-534; Dabney, Syst. And Polem. Theo., p. 174-211; Curtiss, The Chr Fith, p. 483-510; Harris, God, Creator and Lord of All I, p. 194-407; Illingworth, The Doutrine, of the Trinity, p. 159-269; Clarke, The Chr. Doct. Of God, p. 227-248; Bartlett, The Triune God; Liddon, The Divinity of Our Lord; Mackintosh, The Doctrine of the person of Jesus Christ; Warfield, The Lord of Glory, ibid., The Spirit of God in the Old Testament; and The Biblical Doctrine of the Trinity (ambas em Biblical Doctrines), p. 101s; ibid., Calvin’s Doctrine of the Trinity (em Calvin and Calvinism); Kuyper, Het Werk van den Heiligen Geest, cf. Indice; Owen, A Discourse Concerning the Holy Spirit, cf. Indice; Smeaton, The Doct, of the Holy Spirit; Pohle-Preuss, The Divine Trinity. (Teologia sistemática – Louis Berkhof. Pg 91)