sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A EXPIAÇÃO É OBJETIVA

Que dizer que a expiação influi primordialmente na pessoa por quem é feita. Se um homem age mal e presta satisfação do mal que praticou, esta satisfação visa a influir na pessoa que praticou o mal, e não na parte ofendida. No caso em foco, significa que a expiação foi destinada a propiciar a Deus e reconciliá-lo com o pecador. Esta é, indubitavelmente, a idéia primordial, mas não implica que não podemos falar também da reconciliação do pecador com Deus. A Escritura o faz em mais de um lugar, Rm 5.10; 2 Co 5.19, 20. Deve-se ter em mentem, porém, que isto não é equivalente a dizer que o pecador é expiado, o que significaria que Deus fez emendas ou reparações, que Ele prestou satisfação ao pecador. E mesmo quando dizemos que o pecador foi reconciliado, isto dever ser entendido como algo secundário. O Deus reconciliado justifica o pecador que aceita a reconciliação, e de tal modo opera em seu coração pelo Espírito Santo, que o pecador põe de lado a iníqua alienação de Deus e, assim, participa dos frutos da perfeita expiação de Cristo. Noutras palavras, o fato de que Cristo reconcilia a Deus com o pecador redunda numa ação reflexa da parte do pecador, em virtude da qual se pode dizer que o pecador se reconcilia com Deus. Desde que a expiação objetiva de Cristo é um fato consumado, e desde que agora é dever dos embaixadores de Cristo induzir os pecadores a aceitar a expiação e a pôr fim à sua hostilidade a Deus, não admira que ao aspecto secundário e subjetivo da reconciliação tenha, como tem, certa proeminência na Escritura. Esta exposição do car’ter objetivo da expiação é colocada em primeira plana porque representa a principal diferença entre os que aceitam a doutrina da expiação para satisfação e os que preferem alguma outra teoria. Surge aqui a questão sobre se este entendimento da expiação tem o apoio da escritura. Vê-se amplo apoio nela. Devemos notar as seguintes particularidades: a. O caráter fundamental do sacerdócio aponta claramente nessa direção. Enquanto os profetas representavam Deus entre os homens, os sacerdotes, em sua obra sacrificial e intercessória, representavam os homens na presença de Deus e, portanto, dirigiam-se a Deus. O escritor de Hebreus o expressa deste modo: “Porque todo sumo sacerdote, sendo tomado dentre os homens, é constituído nas cousas concernentes a Deus, a favor dos homens”, 5.1. Esta afirmação contém os seguintes elementos: (1) O sacerdote é tomado dentre os homens, é membro da raça humana, de maneira que pode representar os homens; (2) é constituído a favor dos homens, isto é, para agir no interesse dos homens; e (3) é constituído para representar os homens nas coisas concernentes a Deus, isto é, nas coisas que se dirigem rumo a Deus, que olham para Deus, que acabam em Deus. É isto uma clara indicação do fato de que a obra do sacerdote tem em vista primordialmente a Deus. O que não exclui a idéia de que a obra sacerdotal também tem uma influencia reflexa sobre os homens. b. A mesma verdade é transmitida pela idéia geral dos sacrifícios.Estes Têm evidentemente, um aspecto objetivo. Mesmo entre os gentios, eles eram apresentados, não aos homens, mas a Deus. Supunha-se que eles produziam efeito em Deus. A idéia escriturística do sacrifício não difere disso, em sua relação objetiva. Os sacrifícios do Velho testamento eram apresentados a Deus primeiramente para expiar o pecado, mas também como expressões de devoção e gratidão. Daí, o sangue tinha que ser levado às expressa presença de Deus. Diz o escritor de Hebreus que as “cousas concernentes a Deus” consistem em “oferecer assim dons como sacrifícios pelos pecados”. Os amigos de Jó foram concitados a apresentar sacrifícios “para que eu”diz o Senhor, “não vos trate segundo a vossa loucura”, Jó 42.8. os sacrifícios serviam de instrumentos para amenizar a ira do Senhor. c. A palavra hebraica kipper (no piel) expressa a idéia de expiação do pecado pela cobertura do pecado ou do pecador. O sangue do sacrifico é interposto entre Deus e o pecador e, em vista da ira de Deus, Na Septuaginta e no Novo Testamento os termos hilaskom e hilasmos são empregados num sentido conexo. O verbo significa “tornar propicio”, e o substantivo, “apaziguamento” ou “meio de apaziguar”. São termos de caráter objetivo. No grego clássico muitas vezes ocorrem em construções gramaticais com o acusativo de theos (Deus), embora não haja exemplo disto na Bíblia. No Novo Testamento o correm em construções com o acusativo da coisa referida (hamartias), Hb 2.17, ou com peri e o genitivo da coisa (harmation), 1 Jo 2.2; 4 .10. Interpreta-se melhor a primeira passagem à luz do uso do hebraico kipper; a última pode ser interpretada de modo semelhante, ou com theon como o objeto compreendido. Há tantas passagens que falam da ira de Deus e de Deus estando irado com os pecadores, que estamos plenamente justificados por falar de uma propiciação de Deus, Rm 1.18; Gl 3.10; Ef 2.3; Rm 5.9. Em Rm 5.10 e 11.28 os pecadores são chamados “inimigos de Deus” (echthroi) num sentido passivo, indicando, não que são hostis a Deus, mas que são objetos de desprazer de Deus. Na primeira passagem este sentido é exigido por sua ligação com o versículo anterior; na ultima, pelo fato de que echthroi está em contraste com agapetoi, que significa “os que amam a Deus”, mas, sim, “amados de Deus”. d. As palavras katalasso e katalage significam “reconciliar” e “reconciliação”. Indicam uma ação pela qual a inimizade e certamente possuem, primeiramente, uma significação objetiva. O ofensor reconcilia, não a si próprio, mas a pessoa ofendida. Isto vem demonstrado claramente em Mt 5.23, 24: “Se, pois, ao trazeres ap altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma cousa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão (o que, neste contexto, só pode significar, reconcilia teu irmão contigo mesmo, o que é objetivo); e, então voltando, faze a tua oferta”. O irmão que supostamente fizera a ofensa é procurado para que o mal ou a injustiça feita seja retirada. Ele precisa propiciar ou reconciliar consigo o seu irmão, seja qual for a compensação requerida. Em conexão com a obra de Cristo, as palavras que estão sendo consideradas certamente denotam, nalguns casos, a efetuação de uma mudança na relação judicial entre Deus e o pecador pela retirada da demanda judicial. De acordo co 2 Co 5.19, o fato de que Deus reconciliou Consigo o mundo evidencia que Ele não lhe imputa os seus pecados. Isto não mostra nenhuma mudança moral ocorrida no homem, mas, sim o fato de que as exigências da lei estão satisfeitas e que Deus está satisfeito.Em Rm 5.10, 11 o termo “reconciliação” só pode ser entendido num sentido objetivo, pois, (1) dela se diz que foi efetuada pela morte de Cristo, ao passo que a reconciliação subjetiva é resultado da obra do Espírito; (2) foi efetuada enquanto ainda éramos inimigos, isto é, enquanto ainda éramos objetos da ira de Deus; e (3) é descrita no versículo 11 como uma coisa objetiva que recebemos. e. Os termos lytron e antilytron também são objetivos. Cristo é o Goel, o Libertador, At 20.28; 1 Co 6.20; 7.23. Ele resgata os pecadores das exigências da justiça retributiva de Deus. O preço é pago a Deus por Cristo como representante do pecador. É evidente que a Bíblia nos justifica abundantemente na atribuição que fazemos de um caráter objetivo à expiação.Além disso, estritamente falando, a expiação, no sentido próprio da palavra, é sempre objetiva. Não existe expiação subjetiva. Na expiação é sempre a parte que agiu mal que faz reparações àquele que foi prejudicado pela má ação. (Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.370)