quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A NATUREZA DA OBRA INTERCESSÓRIA DE CRISTO

É evidente que a obra intercessória de Cristo não pode ser dissociada do Seu sacrifício expiatório, que compõe sua base necessária. É apenas a continuação da obra sacerdotal de Cristo, levada adiante até completar-se. Comparado com a obra sacrificial de Cristo, o Seu ministério de intercessão recebe diminuta atenção. Mesmo nos círculos fiéis ao Evangelho muitas vezes a impressão dada, embora talvez não intencionalmente, é a de que a obra realizada pelo Salvador na terra foi muito mais importante que os serviços que Ele agora presta no céu. Ao que parece, é para a compreensão de que, no Velho testamento, a ministração diária no templo culminava com a queima de incenso, o que se simbolizava o ministério da intercessão; e de que ritual anual do grande Dia da Expiação chegava ao seu ápice quando o sumo sacerdote passava além do véu com o sangue expiatório. Tampouco se pode dizer que o ministério da intercessão é compreendido suficientemente. Esta pode ser a causa, mas também pode ser o resultado, da falha geral dos cristãos em não fixar a atenção nele. A idéia predominante é que a intercessão de Cristo consiste exclusivamente das orações que Ele oferece em favor do Seu povo. Pois bem, não se pode negar que estas são uma parte importante da obra intercessória de Cristo, mas não são toda ela. O ponto fundamental que se deve lembrar é que o ministério da intercessão não deve ser dissociado da expiação, desde que ambos são apenas dois aspectos da mesma obra redentora de Cristo, e se pode dizer que os dois ministérios se fundem num só. Martin acha que ambos aparecem constantemente em justaposição e são tão estreitamente interrelacionadas na Escritura, que se sente justificado ao fazer a seguinte afirmação: “A essência da Intercessão é Expiação; e a Expiação é essencialmente uma Intercessão. Ou, talvez, para colocar o paradoxo mais suavemente: A Expiação é real – um sacrifício e uma oferta reais, e não mero sofrimento passivo – porque, em sua própria natureza, é uma intercessão ativa e infalível; ao passo que, por outro lado, a Intercessão é uma Intercessão real – uma Intercessão judicial, representativa e sacerdotal, e não mero exercício de influencia – porque é essencialmente uma Expiação, ou seja, uma oblação substitutiva, feita uma vez por todas no Calvário, agora apresentada perpetuamente e usufruindo perpétua aceitação no céu”. 1. Exatamente como o sumo sacerdote, no grande Dia da expiação, entrava no lugar santíssimo, isto é, no Santo dos Santos, com o sacrifício consumado, para apresentá-lo a Deus, assim Cristo entrou no Santo Lugar celestial com o Seu sacrifício consumado, perfeito e todo-suficiente, e o ofereceu ao pai. E exatamente como o sumo sacerdote, ao entrar no santo Lugar, vinha à presença de Deus trazendo simbolicamente as tribos no seu peito, assim Cristo apareceu diante de Deus como representante do Seu povo, e assim restabeleceu a humanidade na presença de Deus. É a este fato que o escritor de hebreus se refere quando diz: “Porque Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus”, Hb 9,24. Os teólogos reformados (calvinistas) freqüentemente dirigem a atenção ao fato de que a presença perpétua do sacrifício consumado de Cristo perante Deus contém em si mesma um elemento de intercessão como uma constante lembrança da perfeita expiação de Jesus Cristo. É um tanto semelhante ao sangue da páscoa, do qual disse o Senhor: “O sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes: quando eu vir o sangue, passarei por vós” (Ex 12.13). 2. Há também um elemento judicial na intercessão, precisamente como na expiação. Mediante a expiação, Cristo satisfez as justas exigências da lei, de modo que nenhuma acusação legal pode, com justiça, ser feita contra aqueles pelos quais Ele pagou o preço. Contudo, Satanás, o acusador sempre está propenso a lançar acusações contra os eleitos; mas Cristo as refuta todas, mostrando a obra que Ele consumou. Ele é o Paráclito, o Advogado do Seu povo, dando resposta a todas as acusações lançadas contra os Seus. Fazem-nos lembrar isto, não somente o nome “Paraclito”, mas também as palavras de Paulo em Rm 8.33, 34: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu, ou antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós”. Aí o elemento judicial está claramente presente. Cf. também Zc 3.1, 2. 3. A obra intercessória de Cristo não se restringe a responsabilizar-se Ele pelo nosso estado judicial; relaciona-se também com a nossa condição moral, com a nossa santificação gradativa. Quando nos dirigimos ao Pai em nome de Cristo, Ele santifica as nossas orações. Elas precisam disto porquanto muitas vezes são muito imperfeitas, triviais, superficiais, e até insinceras, ao passo que são dirigidas Àquele que é perfeito em santidade e em majestade. E, alem disso, tornando aceitáveis as nossas orações, Ele também santifica os nossos serviços no reino de Deus. Isso também é necessário, porque muitas vezes tomamos consciência de que eles não provem dos motivos mais puros; e de que, mesmo quando provem, estão longe daquela perfeição que os tornaria, em si mesmo, aceitáveis a um Deus santo. A doença do pecado acha-se neles todos. Daí dizer Pedro: “Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também vós mesmos como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo”, 1 Pe 2.4, 5. O ministério intercessório de Cristo é igualmente um ministério de amorosa atenção ao Seu povo. “Porque não temos um sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, antes foi ele tentado em todas as cousas, à nossa semelhança, mas em pecado. Pois naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados”, Hb 4.15; 2.18. 4. E em meio e por meio disso tudo, também há, finalmente, o elemento de oração pelo povo de Deus. Se a intercessão é parte integrante da obra expiatória de Cristo, segue-se que a oração intercessória se relaciona necessariamente com as coisas concernentes a Deus (Hb 5.1), para a consumação da obra da redenção. A Oração intercessória de Jo 17 evidencia que este elemento está incluído; ali Jesus diz explicitamente que ora pelos apóstolos e por todos aqueles que, pela palavra deles, viriam a crer nele. É um pensamento consolador este, que Cristo está orando por nós, mesmo quando somos negligentes em nossa vida de oração; que Ele está apresentando ao pai aquelas necessidades espirituais que não estavam presentes em nossas mentes e que freqüentemente omitimos, negligentes, em nossas orações; e que Ele ora para nossa proteção contra perigos dos quais nem sempre estamos cônscios , e contra os inimigos que nos ameaçam, embora não o percebemos. Ele está orando para que a nossa fé não feneça, e para que saiamos vitoriosos no fim. (Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg399)