quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O REINADO ESPIRITUAL DE CRISTO

1. NATUREZA DESTE REINADO. O reinado espiritual de Cristo é o Seu governo real sobre o regnum gratae,isto é, sobre o Seu povo ou Sua igreja. É um reinado espiritual, porque se relaciona com uma esfera espiritual. É o governo mediatário estabelecido nos corações e nas vidas dos crentes. Ademais, é espiritual porque leva direta e imediatamente a um fim espiritual, a salvação do Seu povo. E, finalmente, é espiritual porque administrado, não pela força ou por meios externos, mas pela Palavra e pelo Espírito, que é o espírito de verdade, de sabedoria, de justiça e santidade, de graça e misericórdia. Este reinado revela-se na reunião da igreja e em seu governo, proteção e perfeição. A Bíblia fala a seu respeito em muitos lugares, tais como, Sl 2.6; 45.6, 7 (cf. Hb 1.8, 9); 132.11; Is 9.6, 7; Jr 23.5, 6; Mq 5.2; Zc 6.13; Lc 1.33; 19.27, 38; 22.29; Jo 18.36, 37; At 2.30-36, e outros. A natureza espiritual deste reinado é indicada pelo fato, entre outros, de que Cristo é repetidamente chamado Cabeça da igreja, Ef 1.22; 4.15; 5.23; Cl 1.18; 2.19. Este vocábulo, no sentido em que é aplicado a Cristo, é, nalguns casos, praticamente equivalente a “Rei” (Cabeça num sentido figurado, alguém revestido de autoridade), como em 1 Co 11.3; Ef 1.22; 5.23; Noutros casos, porém, é empregado no sentido literal e orgânico, Ef 4.15; Cl 1.18; 2.19, e, em parte, também em Ef 1.22. Nunca (exceto em 1 Co 11.3) a palavra é empregada sem a implicação desta concepção orgânica. As duas idéias estão muito ligadas. É justamente porque Cristo é a Cabeça da igreja, que Ele a pode governar como Rei, de maneira orgânica e espiritual. A relação entre ambos os aspectos pode ser demonstrada como segue: (1) O governo de Cristo como Cabeça indica a união mística entre Cristo e Seu corpo, a igreja, e, portanto, pertence à esfera do ser. Seu reinado indica, porém, que Ele está revestido de autoridade, e pertence à esfera judicial. (2) O governo de Cristo como Cabeça é subserviente à Sua realeza. O Espírito que Cristo, como a cabeça da igreja, lhe comunica, é também o meio pelo qual Ele exerce o Seu poder real na igreja sobre ela. Os preliminares da atualidade insistem veementemente em que Cristo é igreja e sobre ela. Os premilenistas da atualidade insistem veementemente em que Cristo é a Cabeça da igreja, mas, via de regra, negam que Ele seja o seu Rei. Isto equivale a dizer que Ele não é o Governante autorizado da igreja, e que os oficiais da igreja não O representam no governo da igreja. Eles não somente se recusam a admitir que Ele é o Rei da igreja, mas também negam inteiramente o Seu reinado atual, exceto, talvez, como um reinado de jure (de direito), um reinado que Lhe pertence por direito, mas que ainda não se tornou efetivo. Ao mesmo tempo, sua prática é melhor que a sua teoria, pois na vida prática eles reconhecem, deveras incoerentemente, a autoridade de Jesus Cristo. 2. O REINO ABRANGIDO PELA REALEZA DE CRISTO. Este reino tem as seguintes características: a. Está baseado na obra de redenção. O regnum gratiae não se originou na obra criadora de Deus, mas, como o nome indica, em Sua graça redentora. Ninguém é cidadão deste reino em virtude da sua humanidade. Unicamente os redimidos têm essa honra e privilégio. Cristo pagou o resgate pelos Seus e, por Seu Espírito, aplica a eles os méritos do Seu sacrifício perfeito. Conseqüentemente, eles agora Lhe pertencem e O reconhecem como o seu Senhor e Rei. b. É um reino espiritual. Na dispensação do Velho Testamento, este reino projetava-se fracamente no reino teocrático de Israel. Mesmo na Velha dispensação, a realidade deste reino achava-se somente na vida interior dos crentes. O reino nacional de Israel, no qual Deus era Rei, legislador e Juiz, e o rei terreno era apenas o vice-regente de Jeová, designado para executar os Seus juízos, era apenas um símbolo, sombra e tipo daquela gloriosa realidade, especialmente como estava destinada a manifestar-se nos dias do Novo Testamento. Com a vinda da nova dispensação, todas as sombras do velho Testamento se desvaneceram, e com elas também o reino teocrático. Do seio de Israel a realidade espiritual do reino surgiu e assumiu existência independente da teocracia do Velho testamento. Daí, o caráter espiritual do reino expõe-se mais claramente no Novo Testamento denomina reino de Deus ou reino dos céus. Cristo é o Rei mediatário. O premilenismo equivocadamente ensina que a expressões “reino de Deus” e “reino dos céus”, no sentido em que são empregadas nos evangelhos, referem-se as duas realidades diferentes, a saber, ao reino universal de Deus e ao futuro reino mediatário de Cristo. É mais que evidente, como alguns dos seus próprios líderes se sentem constrangidos a admitir, que as duas expressões são empregadas uma pela outra nos evangelhos. Transparece isto do fato de que, conquanto Mateus e Lucas muitas vezes registrem as mesmas declarações de Jesus, o primeiro O apresenta empregando a expressão “reino dos céus”, e o segundo a substitui pela expressão “reino de Deus”; comparem-se Mt 13, Mc 4, Lc 8.1-10, e muitas outras passagens. A natureza espiritual do reino é exposta de diversas maneiras. Negativamente, é indicado com clareza que o reino não é um reino externo e natural dos judeus, Mt 8. 11, 12; 21.43; Lc 17.21; Jo 18.36. Positivamente, aprendemos que só se pode entrar neste reino pela regeneração, Jo 3.3, 5; que ele é como uma semente lançada na terra, Mc 4.26-29, como a semente de mostarda, Mc 4.30, e como fermento, Mt 13.33. está nos corações das pessoas, Lc 17.21, é “justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo”, Rm 14.17, e não é deste mundo, mas é um reino caracterizado pela verdade, Jo 18.36, 37. os cidadãos deste reino são descritos como humildes de espírito, mansos, misericordiosos, pacificadores, limpos de coração e como os que têm fome e sede de justiça. A natureza espiritual do reino deverá ser salientada contra todos os que negam a realidade presente do reino mediatário de Deus e sustentam que ele tomará a forma de uma teocracia restabelecida por ocasião do retorno de Jesus Cristo. Em conexão com a tendência atual de considerar o reino de Deus simplesmente como uma nova condição social, um reino ético de fins, a ser estabelecido por esforços humanos tais como a educação, determinações legais e reformas sociais, é bom ter em mente que a expressão “reino de Deus” nem sempre é empregada no mesmo sentido. Fundamentalmente, a expressão denota uma idéia abstrata, e não concreta, a saber, o governo de Deus estabelecido e reconhecido nos corações dos pecadores. Se isso for compreendido claramente, a futilidade de todos os esforços humanos e de todos os recursos exteriores ficará logo patente. Todo e qualquer esforço humano é incapaz de estabelecer o governo de Deus num único homem que seja, e de levar algum homem ao reconhecimento desse governo. Na medida em que Deus estabelece o Seu governo nos corações dos pecadores, Ele mesmo cria uma esfera na qual exerce o Seu governo e à qual dispensa os maiores privilégios e as bênçãos mais seletas. E, ainda, na proporção em que o homem se ajusta ao governo de Deus e obedece às leis do reino, uma nova condição das coisas resultará naturalmente. De fato, se todos os que agora são cidadãos do reino obedecessem de verdade às suas leis em todos os domínios da vida, o mundo ficaria tão diferente que dificilmente seria reconhecido. Em vista de tudo o que foi dito, não causa surpresa que a expressão “reino de Deus” seja empregada em vários sentidos na Escritura, como, por exemplo, para denotar o reinado de Deus ou do Messias, Mt 6.10; a esfera sobre a qual este governo se estende e a condição das coisas a que ele dá surgimento, Mt 7.21; 19.23, 24; 8.12; a totalidade das bênçãos e privilégios que fluem do reinado de Deus ou do Messias, Mt 13.44, 45; e a condição de coisas que assinala o auge triunfal do reino de Deus em Cristo, Mt 22.2-14; Lc 14.16-24; 13.29. c. É um reino presente e futuro. Por um lado, é uma realidade espiritual presente e sempre em desenvolvimento nos corações e nas vidas dos homens, e, como tal, exerce influência numa esfera cada vez mais ampla. Jesus e os apóstolos se referem claramente ao reino como já presente no tempo deles, Mt 12.28; Lc 17.21; Cl 1.13. Isto deve ser mantido contra a grande maioria dos premilenistas dos dias atuais. Por outro lado, é também uma esperança futura, uma realidade escatológica; de fato, o aspecto escatológico do reino é o mais proeminente dos dois, Mt 7.21, 22; 19.23; 22.2-14; 25.1-13, 34; Lc 22.29, 30; 1 Co 6.9; 15.50; Gl 5.21; Ef 5.5; 1 Tm 2.12; 2 Tm 4.18; Hb 12.28; 2 Pe 1.11. Essencialmente, o reino futuro consistirá, como o do presente, no governo de Deus estabelecido e reconhecido nos corações dos homens. Mas, por ocasião da gloriosa vinda de Jesus Cristo, este estabelecimento e reconhecimento será aperfeiçoado, as forças ocultas do reino serão reveladas, e o governo espiritual de Cristo verá sua consumação num reinado visível e majestoso. Todavia, é um erro supor que o reino presente se desenvolverá quase imperceptivelmente até transformar-se no reino do futuro. A Bíblia ensina claramente que o reino futuro será anunciado por grandes mudanças cataclísmicas, Mt 24.21-44; Lc 17.22-37; 21.5-33; 1 Ts 5.2, 3; 2 Pe 3.10-12. d. É estreitamente relacionado com a igreja, embora não completamente idêntico a ela. A cidadania do reino é co-extensiva com o número de membros da igreja invisível. Seu campo de operações, contudo, é maior que o da igreja, desde que visa ao domínio sobre a vida em todas as suas manifestações. A igreja visível é a organização externa do reino mais importante, e a única instituída divinamente. Ao mesmo tempo, é o meio par excellence, dado por Deus, para a propagação do reino de Deus na terra. É bom notar que a expressão “reino de Deus” às vezes é empregado num sentido que o torna praticamente equivalente à igreja visível, Mt 8.12; 13.24-30, 47-50. Apesar de se poder distinguir entre a igreja e o reino, não se deve procurar a distinção ao longo das linhas indicadas pelo premilenismo, que considera o reino como sendo essencialmente um reino de Israel, e a igreja como o corpo de Cristo, formado de judeus e gentios na presente dispensação. Israel era a igreja do Velho Testamento e, em sua essência espiritual, constitui uma unidade com a igreja do Novo testamento, At 7.38; Rm 11.11-24; Gl 3.7-9; Ef 2.11-22. 3. DURAÇÃO DESTE REINADO. a. Seu começo. As opiniões diferem sobre este ponto. Os premilenistas coerentes negam o presente reinado mediatário de Cristo e acreditam que Ele não ocupará o trono como Mediador enquanto não introduzir o milênio, quando do Seu segundo advento. E os socinianos afirmam que Cristo não foi sacerdote nem rei antes da Sua ascensão. A posição geralmente aceita pela igreja é que Cristo recebeu a Sua designação como Rei mediatário nas profundezas da eternidade, e que começou a agir como tal imediatamente após a Queda, Pv 8.23; Sl 2.6. Durante a antiga dispensação, Ele levou a cabo a Sua obra como Rei, em parte por intermédio dos juizes de Israel e em parte por intermédio dos reis típicos. Mas, embora Lhe fosse permitido governar como Mediador mesmo antes da Sua encarnação, não assumiu pública e formalmente o Seu trono nem inaugurou o Seu reino espiritual antes da Sua ascensão e elevação à mão direita de Deus, At 2.29-36; Fp 2.5-11. b. Seu término (?). a opinião predominante é que o reinado espiritual de Cristo sobre a Sua igreja, quanto ao seu caráter essencial, continuará eternamente, embora sofrendo importantes alterações em seu método de operação na consumação do mundo. A duração eterna do reinado espiritual de Cristo é ensinada explicitamente nas seguintes passagens: Sl 45.6 (comp. Com Hb 1.8); 72.17; 89.36, 37; Is 9.7; Dn 2.44; 2 Sm 7.13, 16; Lc 1.33; 2 Pe 1.11. O Catecismo de Heidelberg também fala de Cristo como o “nosso rei eterno”. Semelhantemente o faz a Confissão Belga, no capítulo XXVII. Além disso, as funções de Rei e de Cabeça exercidas por Cristo estão inextricavelmente entrelaçadas. As funções exercidas como Cabeça são subservientes às funções reais e, às vezes, são claramente expostas como as incluindo, Ef 1.21, 22; 5.22-24. Mas, certamente, Cristo jamais deixará de ser a Cabeça da Sua igreja, jamais a deixará como um corpo sem cabeça. Finalmente, o fato de que Cristo é sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque, também serve de argumento em favor da duração eterna do reinado espiritual de Cristo, desde que o Seu ofício mediatário constitui uma unidade. Contudo, Dick e Kuyper defendem a idéia de que este reinado de Cristo cessará quando Ele completar a salvação do seu povo. A única passagem da escritura à qual eles recorrem é 1 Co 15.24-28, mas, evidentemente, esta passagem não se refere ao reinado espiritual de Cristo, mas, sim, ao Seu reinado sobre o universo. (Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg406)