terça-feira, 30 de julho de 2013

CRIACIONISMO

Para este modo de ver, cada alma individual deve ser considerada como uma imediata criação de deus, devendo a sua origem a um ato criador direto, cuja ocasião não se pode determinar com precisão. A alma é, supostamente, uma criatura pura, mas unida a um corpo depravado. Não significa necessariamente que a alma é criada primeiro. Separadamente do corpo, corrompendo-se depois pelo contato com o corpo, o que pareceria pressupor que o pecado é algo físico. Pode simplesmente significar que a alma, conquanto chamada à existência por um ato criador de deus, é, contudo, pré-formada na vida física do feto, isto é, na vida dos pais e, assim, adquire a sua vida não acima e fora daquela complexidade de pecado que pesa sobre toda a humanidade, mas debaixo dessa complexidade e nela. a. Argumentos em favor do criacionismo. São as seguintes, as mais importantes considerações em favor dessa teoria: (1) É mais coerente com as descrições gerais da Escritura, que o traducionismo. O relato original da criação indica marcante distinção entre a criação do corpo e a da alma. Aquele é tomado da terra, ao passo que esta vem diretamente de Deus. Esta distinção se mantém através de toda a Bíblia, onde o corpo e a alma não somente são apresentados como substâncias diferentes, mas também como tendo origens diferentes, Ec 12.7; Is 42.5; Zc 12.1; Hb 12.9. Cf. Nm 16.22. Da passagem de Hebreus, mesmo Delitzch, apesar de traducionista, diz: “Dificilmente poderá haver um texto-prova mais clássico em favor do criacionismo”. (2) É claramente mais coerente com a natureza da alma humana, que o traducionismo. A natureza imaterial e espiritual e, portanto indivisível, da alma do homem, geralmente admitida por todos os cristãos, é expressamente reconhecida pelo criacionismo. Por outro lado, o traducionismo defende uma derivação da essência que, como geralmente se admite, necessariamente implica separação ou divisão da essência. (3) Evita os perigos latentes que corre o traducionismo na área da cristologia, e faz maior justiça à descrição escriturística da pessoa de Cristo. Ele foi verdadeiro homem, possuindo verdadeira natureza humana, corpo real e alma racional, nasceu de mulher, fez-se semelhante a nós em todos os pontos – e, todavia, sem pecado. Diversamente de todos os outros homens, Ele não participou da culpa e corrupção da transgressão de Adão. Isso foi possível porque Ele não compartiu a mesma essência numérica que pecou em Adão. b. Objeções ao criacionismo. O criacionismo expõe-se às seguintes objeções: (1) A objeção mais séria é exposta por Strong com as seguintes palavras: “Se essa teoria admite que a alma era possuída originalmente de tendências depravadas, faz de Deus o autor direto do mal moral; se ela sustenta que a alma foi criada pura, faz de Deus indiretamente o autor do mal moral, ensinando que Ele introduz essa alma pura num corpo que inevitavelmente a corromperia”. Esta é, indubitavelmente, uma séria dificuldade, e geralmente é considerada como o argumento decisivo contra o criacionismo. Agostinho já tinha chamado a atenção para o fato de que o criacionista devia procurar evitar este risco. Deve-se ter em mente, porém, que, ao contrário do traducionista, o criacionista não considera o pecado original inteiramente como matéria de herança. Os descendentes de Adão são pecadores, não como resultado de serem postos em contato com um corpo pecaminoso, mas em virtude do fato de que Deus lhes imputa a desobediência original de Adão. E é por essa razão que Deus retira deles a justiça original, seguindo-se naturalmente a corrupção do pecado. (2) O criacionismo considera que o pai terreno gera somente o corpo do seu filho – certamente não a parte mais importante da criança – e, portanto, não explica o reaparecimento das características morais e mentais dos pais nos filhos. Além disso, por tomar esta posição, ele atribui aos animais irracionais poderes de reprodução mais nobres que ao homem, pois o animal se multiplica segundo sua espécie. A última consideração não tem muita importância. E no concernente às semelhanças morais e mentais de pais e filhos, não é preciso supor necessariamente que essas semelhanças só podem ser explicadas com base na hereditariedade. Nosso conhecimento da alma ainda é muito deficiente, para falarmos com absoluta segurança sobre este ponto. Mas essas semelhanças podem achar explicação, em parte no exemplo dos pais, em parte na influência do corpo, sobre a alma, e em parte no fato de que Deus não cria todas as almas igualmente, mas em cada caso particular cria uma alma adaptada ao corpo ao qual se unirá, e ao complexo relacionamento em que será introduzida. (3) O criacionismo não está em harmonia com a relação atual de Deus com o mundo e com a Sua maneira de agir nele, visto ensinar uma atividade criadora direta de Deus, e assim ignora o fato de que Deus presentemente age por meio de causas secundárias e cessou Sua obra criadora. Esta objeção não é muito grave para os que não têm uma concepção deísta do mundo. É uma pressuposição gratuita, dizer que Deus cessou a Sua atividade criadora no mundo. 5. OBSERVAÇÕES FINAIS. a. Requer-se cautela ao falar sobre este assunto. Deve-se admitir que os argumentos de ambos os lados são muito equilibrados, apresentando peso igual. Em vista deste fato, não é surpreendente que Agostinho tenha achado difícil fazer uma escolha entre os dois. A Bíblia não faz nenhuma afirmação direta a respeito da origem da alma do homem, exceto no caso de Adão. As poucas passagens da Escritura aduzidas em favor de uma teoria ou da outra, dificilmente podem ser chamadas conclusivas num ou noutro caso. E, uma vez que não temos claro ensino da Escritura sobre o ponto em questão, é necessário falar com cautela sobre o assunto. Não pretendamos sabedoria acima daquilo que está escrito. Vários teólogos são de opinião que há um elemento de verdade nestas duas teorias, que se deve reconhecer. Dorner mesmo sugere a idéia de que cada uma das três teorias discutidas representa um aspecto da verdade completa: “O traducionismo, consciência genérica; o preexistencialismo, consciência própria, ou o interesse da personalidade como um pensamento divino, eterno e separado; o criacionismo, consciência de Deus”. b. Alguma forma de criacionismo merece preferência. Parece-nos que o criacionismo merece preferência porque (1) não encontra a insuperável dificuldade filosófica que pesa sobre o traducionismo; (2) evita os erros cristológicos que o traducionismo envolve; e (3) harmoniza-se mais com a nossa idéia de aliança. Ao mesmo tempo, estamos convencidos de que a atividade criadora de Deus originando almas humanas deve ser entendida como estando mais estreitamente ligada ao processo natural da geração de novos indivíduos. O criacionismo não tem a pretensão de poder eliminar todas as dificuldades, mas, ao mesmo tempo, serve de advertência contra os seguintes erros: (1) que a alma é divisível; (2) que todos os homens são numericamente da mesma substância; e (3) que Cristo assumiu a mesma natureza numérica que caiu em Adão. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 192)