terça-feira, 30 de julho de 2013

O Homem Como a Imagem de Deus

De acordo com a Escritura, a essência do homem consiste em ser ele a imagem de Deus. Como tal, ele se distingue de todas as demais criaturas e se ergue supremo como a cabeça e coroa da criação inteira. A Escritura assevera que o homem foi criado à imagem e conforme a semelhança de Deus, Gn 1.26, 27; 9.6; Tg 3.9, e fala do homem como um ser que é e leva a imagem de Deus, 1 Co 11.7; 15.49. Os termos “imagem” e “semelhança” tem sido distinguido de varias maneiras. Alguns eram de opinião que o termo “imagem” referia-se ao corpo, e o termo “semelhança”, à alma. A gostinho sustentava que o primeiro se referia às faculdades intelectuais da alma, e o ultimo, às faculdades morais. Belarmino considerava a palavra “imagem” como um designativo dos dons naturais do homem, e a palavra “semelhança” como uma descrição daquilo que foi acrescentado sobrenaturalmente ao homem. Ainda outros afirmavam que “imagem” indica a conformidade inata com Deus, e “semelhança”, a adquirida. É muito mais provável, porem, como foi exposto na seção anterior, que ambas as palavras expressem a mesma idéia, e que “semelhança” seja apenas um acréscimo epizegético para designar a imagem como sumamente parecida ou muito semelhante. A idéia expressa pelas duas palavras é a da própria imagem de Deus. A doutrina da imagem de Deus no homem é da maior importância na teologia, pois essa imagem é a expressão daquilo que é mais distinto no homem e em sua relação com Deus. O fato de ser o homem imagem de Deus distingue-o dos animais e de todas as outras criaturas. Quando podemos saber da Escritura, até mesmo os anjos não compartem com os homens essa honra, embora às vezes o assunto seja apresentado como se compartissem. Calvino chega a dizer que “não se pode negar que os anjos também foram criados à semelhança de Deus visto que, como Cristo declara (Mt 22.30), a nossa perfeição suprema consiste em sermos semelhantes a eles”. Mas nessa declaração o grande reformador não leva devidamente em conta o ponto especifico da comparação presente na afirmação de Jesus. Em muitos casos, a suposição de que os anjos também foram criados à imagem de Deus resulta de uma concepção da imagem que a limita às nossas qualidades morais e intelectuais. Mas a imagem inclui também o corpo do homem e seu domínio sobre a criação inferior. Os anjos jamais são apresentados como da criação, mas como espíritos ministradores enviados para servir aos herdeiros da salvação. As mais importantes concepções da imagem de Deus no homem são as que damos a seguir. 1. A CONCEPÇÃO REFORMADA (CALVINISTA). As igrejas reformadas, seguindo as pegadas de Calvino, têm uma concepção da imagem de Deus muito mais compreensiva que as dos luteranos e dos católicos romanos. Entretanto, mesmo eles não concordam quanto ao seu conteúdo exato. Dabney, por exemplo, sustenta que este não consiste de coisa alguma que seja absolutamente essencial à natureza humana pois, neste caso, a perda teria redundado na destruição da natureza do homem; mas, que consiste apenas de algum accidens. Por outro lado, McPherson afirma que ela pertence à natureza essencial do homem, e diz: “A teologia protestante teria evitado muita confusão e muitos requintes doutrinários desnecessários e nada convincentes, se não tivesse ficado embaraçada com a idéia de que tinha a obrigação de definir o pecado como a perda da imagem, ou de algo pertencente à imagem”. Ao que parece, então, os dois teólogos cotados estão em posições irremediavelmente divergentes. Também há outras diferenças em evidência na teologia reformada (calvinista). Alguns limitam a imagem às qualidades morais da justiça e da santidade com as quais o homem foi criado, enquanto outros incluem toda a natureza moral e racional do homem, e ainda outros acrescentam o corpo. Diz Calvino que a verdadeira sede da imagem de Deus está na alma, embora alguns raios da sua glória brilhem também no corpo. Acha ele que a imagem consistia especialmente naquela integridade original da natureza do homem, perdida por causa do pecado, integridade que se revela no verdadeiro conhecimento, justiça e santidade. Ao mesmo tempo ele acrescenta “que a imagem de Deus abrange tudo que na natureza do homem sobrepuja a de todas as outras espécies de animais”. Esta concepção mais ampla da imagem de Deus veio a ser a predominante na teologia reformada (calvinista). Daí dizer Witsius: “A imagem de Deus consistia antecedenter, na natureza espiritual e imortal do homem; formaliter, em sua santidade; consequenter, em seu domínio”. Opinião muito semelhante é expressa por Turretino. Em resumo, pode-se dizer que a imagem de Deus consiste (a) Da alma ou do espírito do homem, isto é, das qualidades de simplicidade, espiritualidade, invisibilidade e imortalidade. (b) Dos poderes ou faculdades psíquicas do homem como um ser racional e moral, a saber, o intelecto e a vontade com as suas funções. (c) Da integridade moral e intelectual da natureza do homem, que se revela no verdadeiro conhecimento, justiça e santidade, Ef 4.24; Cl 3.10. (d) Do corpo, não como substância material, mas como o apto órgão da alma, e que participa da imortalidade desta; e como o instrumento por meio do qual o homem pode exercer domínio sobre a criação inferior. (e) Do domínio do homem sobre a terra. Contrariamente aos socianinos, alguns eruditos reformados foram longe demais na direção oposta, quando consideraram esse domínio com uma coisa não pertencente de modo algum à imagem, mas sim, como o resultado de uma concessão especial de Deus. Em conexão com a questão, se a imagem de Deus pertence à essência do homem propriamente dita, a teologia reformada não hesitou em dizer que ela constitui a essência do homem. Todavia, ela distingue entre os elementos da imagem de Deus que o homem não pode perder sem deixar de ser homem, elementos que consistem das qualidades e poderes da alma humana, e aqueles elementos que o homem pode perder e continuar sendo homem, a saber, as boas qualidades éticas da alma e seus poderes. Neste sentido restrito, a imagem de Deus é idêntica ao que se chama justiça original. É a perfeição moral da imagem que podia ser perdida por causa do pecado, e foi. 2. A CONCEPÇÃO LUTERANA. A concepção da imagem de Deus predominante entre os luteranos difere substancialmente da dos reformados ou calvinistas. Pessoalmente, Lutero às vezes falava como se tivesse uma ampla concepção da imagem, mas, na realidade, seu conceito a respeito era restrito. Conquanto houvesse durante o século dezessete, e ainda hoje os haja, alguns teólogos luteranos com mais ampla concepção da imagem de Deus, a grande maioria deles a restringem às qualidades espirituais das quais o homem foi dotado originariamente, isto é, a chamada justiça original. Agindo assim, eles não reconhecem suficientemente a natureza essencial do homem como distinta da dos anjos, por um lado, e da dos animais, por outro. De posse dessa imagem, os homens são como os anjos, que também a possuem; e em comparação com o que ambos têm em comum, sua diferença é de pequena importância. Por meio do pecado, o homem perdeu inteiramente a imagem de Deus, e o que agora o distingue dos animais tem muito pouca significação religiosa ou teológica. A grande diferença entre aquele e estes está na imagem de Deus, e esta o homem perdeu inteiramente. Em vista disso, também é natural que os luteranos adotem o traducionismo, e assim ensinem que a alma do homem origina-se como a dos animais, isto é, pela procriação. Isso também explica o fato de que os luteranos dificilmente reconhecem a unidade moral da raça humana, mas acentuam enfaticamente a sua unidade física, e a reprodução exclusivamente física do pecado. Barth aproxima-se mais da posição luterana que a da reformada quando busca a imagem de Deus num “ponto de contato” entre Deus e o homem, numa certa conformidade com Deus, e depois afirma que isto não somente foi arruinado, mas até mesmo aniquilado pelo pecado. 3. O CONCEITO CATÓLICO ROMANO. Os católicos romanos não concordam totalmente em sua concepção da imagem de Deus. Limitamo-nos aqui a uma exposição do conceito predominante entre eles. Eles sustentam que, quando da criação, Deus dotou o homem de certos dons naturais, como a espiritualidade da alma, a liberdade da vontade e a imortalidade do corpo. A espiritualidade, a liberdade e a imortalidade são dos naturais e, como tais, constituem a imagem natural de Deus. Além disso, Deus “temperou” (ajustou) os poderes naturais uns junto aos outros, colocando os inferiores na devida subordinação aos superiores. A harmonia assim estabelecida é chamada justitia – justiça natural. Mas, mesmo assim, permaneceu no homem a tendência natural dos apetites e paixões inferiores de rebelar-se contra a autoridade dos poderes superiores da razão e da consciência. Essa tendência, chamada concupiscência, não é pecado em si mesma, mas passa a ser pecado quando recebe o consentimento da vontade e passa à ação voluntária. A fim de capacitar o homem a manter sob controle a sua natureza inferior, Deus acrescenta aos dons naturais (dona naturalia) certos dons sobrenaturais (dona supernaturalia). Estes incluíam o dom acrescentado (donum superadditum) da justiça original (a sobrenatural semelhança com Deus), dado por acréscimo como um dom alheio à constituição original do homem, seja imediatamente ao tempo da criação, ou nalgum ponto posterior, como recompensa pelo uso apropriado dos poderes naturais. Estes dons sobrenaturais, o donum superadditum da justiça original inclusive, foram perdidos devido ao pecado, mas a sua perda não rompeu a natureza essencial do homem. 4. OUTROS CONCEITOS DA IMAGEM DE DEUS. Segundo os socinianos e alguns dos mais antigos arminianos, a imagem de Deus consiste do domínio do homem sobre a criação inferior, e nisto somente. Os anabatistas sustentavam que o primeiro homem, como criatura finita e terrena, ainda não era imagem de Deus, mas só podia tornar-se tal pela regeneração. Os pelagianos e muitos arminianos e racionalistas viam, com poucas variações, a imagem de Deus somente na livre personalidade do homem em seu caráter racional, em sua disposição ético-religiosa e em seu destino, que é viver em comunhão com Deus. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 200)