terça-feira, 4 de junho de 2013

A Natureza e o Propósito das Punições

A palavra “punição” vem do termo latino poena, significando punição, expiação ou pena. Denota a dor ou o sofrimento infligido em razão de algum mal praticado . Mais especificamente, pode-se definir como a dor ou perda infligida direta ou indiretamente pelo Legislador, em vindicação da Sua justiça ultrajada pela violação da lei. Origina-se na retidão de Deus, ou em Sua justiça punitiva, pela qual Ele se mantém como o Santo e necessariamente exige santidade e justiça de todas as Suas criaturas nacionais. A punição é a penalidade que natural e necessariamente se requer do pecador por causa do seu pecado; é, de fato, um débito para com a justiça essencial de Deus. As punições do pecado são de duas espécies diferentes. Há uma punição que é o necessário concomitante do pecado, pois, pela sua própria natureza, o pecado causa separação entre Deus e o homem, leva consigo culpa e corrupção e enche o coração de medo e de vergonha. Mas há também uma espécie de punição imposta de fora ao homem pelo supremo Legislador, como toda sorte de calamidades nesta existência e o castigo do Inferno no futuro. Neste ponto surge a questão quanto ao objetivo ou propósito de punição do pecado. E sobre isso há considerável diferença de opinião. Não devemos ver a punição do pecado como simples questão de vingança e como infligida com o desejo de ferir alguém que previamente feriu. Os três conceitos mais importantes a respeito do propósito da punição são os seguintes: 1. VINDICAR A RETIDÃO OU JUSTIÇA DIVINA. Diz Turretino: “Se a justiça é um atributo de Deus, então o pecado tem que receber o que lhe é devido, que é a punição”. A lei requer que o pecado seja punido por causa do seu demérito inerente, independente de quaisquer outras considerações. Aplica-se este princípio quando da administração das leis humanas e das leis divinas. A justiça exige a punição do transgressor. Deus está por trás da lei e, portanto, também se pode dizer que a punição visa à vindicação da justiça e santidade do grande legislador. A santidade de Deus reage necessariamente contra o pecado, e esta reação se manifesta na punição do pecado. Este princípio é fundamental quanto a todas as passagens da Escritura que falam de Deus como reto Juiz, que retribui a todo homem de acordo com os seus merecimentos. “Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça; é justo e reto”, Dt 32.4. “Longe de Deus o praticar ele a perversidade, e do Todo-Poderoso o cometer injustiça. Pois retribuirá ao homem segundo as suas obras, e faz que cada um toque segundo seu caminho”, Jó 34.10, 11. “A cada um retribuis segundo as suas obras”, Sl 62.12. “Justo és, Senhor, e retos os teus juízos”, Sl 119.137. “Eu sou o Senhor, e faço misericórdia, juízo e justiça na terra”, Jr 9.24. “Ora, se invocais como pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação”. 1 Pe 1.17. A vindicação da justiça e santidade de Deus, e daquela justa lei que é a própria expressão do Seu se, é certamente o propósito primordial da punição do pecado. Contudo, há dois outros conceitos que erroneamente colocam alguma coisa mais no primeiro plano. 2. REFORMAR O PECADOR. Nos dias presentes há uma idéia, colocada em primeira plana, de que não há nenhuma justiça punitiva de Deus que exija inexoravelmente a punição do pecador, e que Deus não está irado com o pecador, mas o ama, e só lhe inflige dolorosas experiências com o fim de reclama-lo para Si e leva-lo de volta ao lar paterno. Este conceito é antibíblico, obliterando a distinção entre punição e castigo disciplinar. A penalidade do pecado não parte do amor e misericórdia do legislador, mas, sim, da Sua justiça. Se a reforma se segue à imposição da punição, isto não se deve à penalidade como tal, mas é fruto de alguma operação da graça de Deus pela qual Ele transforma aquilo que em si mesmo é um mal para o pecador numa coisa benéfica. Deve-se manter a distinção entre punição e castigo disciplinar. A Bíblia nos ensina, por um lado, que Deus ama e castiga o Seu povo, Jó 5.17; Sl 6.1; 94.12; 118.18; Pv 3.11; Is 26.16; Hb 12.5-8; Ap 3.19; e por outro lado, que Ele aborrece e pune os que praticam o mal, Sl 5.5; 7.11; Na 1.2; Rm 12.5, 6; 2 Ts 1.6; Hb 10.26, 27. Além disso, a punição deve ser reconhecida como justa, isto é, como estando em harmonia com a justiça, para ser reformatória. Segundo a teoria em foco, o pecador que já se reformou não poderá mais ser punido; tampouco se poderia punir alguém que esteja completamente fora da possibilidade de reformar-se, de modo que não poderia haver punição para Satanás; a pena de morte imposta ao pecador teria que ser abolida, e a punição eterna não teria razão de ser. 3. DISSUADIR DO PECADO OS HOMENS. Outra teoria de geral aceitação em nossos dias é a de que o pecador deve ser punido para a proteção da sociedade, dissuadindo outros de cometerem a mesmas faltas. Não se pode duvidar de que este fim é freqüentemente obtido na família, no estado e no governo moral do mundo, mas este é um resultado acidental que Deus misericordiosamente efetua pela imposição da pena. Certamente não pode ser esta a base para a imposição da pena. Não há nenhuma justiça em punir um indivíduo simplesmente pelo bem da sociedade. O fato é que o pecador sempre é punido por seu pecado, e acidentalmente isto pode ser para benefício da sociedade. E aqui se pode dizer outra vez que nenhuma punição terá efeito dissuasivo, se não for justa e reta. A punição só produz bom efeito quando é evidente que a pessoa a quem é imposta merece realmente punição. Se essa teoria fosse verdadeira, um criminoso podia ser logo posto em liberdade, caso não houvesse a possibilidade de que outros fossem dissuadidos do pecado pela punição dele. Além disso, o homem poderia cometer um crime, agindo corretamente ao faze-lo, se tão somente estivesse disposto a sofrer a penalidade. Segundo essa teoria, a punição em nenhum sentido se baseia no passado, mas é totalmente prospectiva. Mas, nesta suposição, é muito difícil explicar por que a punição invariavelmente leva o pecador a olhar retrospectivamente e a confessar, com o coração contrito, os pecados passados, como notamos em passagens como as seguintes: Gn 42.21; Nm 21.7; 1 Sm 15.24, 25; 2 Sm 12. 13; 24.10; Ed 9.6, 10, 13; Ne 9.33-35; Jó 7.21; Sl 51.1-4; Jr 3.25. Estes exemplos poderiam ser multiplicados. Em oposição a ambas as teorias aqui consideradas, deve-se sustentar que a punição do pecado é totalmente retrospectiva em seu objetivo primordial, conquanto a imposição da pena possa ter conseqüências benéficas para o indivíduo e para a sociedade. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 255)