terça-feira, 4 de junho de 2013

A TEOLOGIA DA CRISE E O PECADO ORIGINAL

Talvez seja bom, nesta altura, definir abreviadamente a posição da teologia da Crise, ou do bartianismo, com relação à doutrina do pecado original. Walter Lowrie diz corretamente: “Barth tem muito que dizer sobre a Queda – mas nada sabe do ‘pecado original’. Que o homem é um ser decaído, podemos ver com clareza; mas a Queda não é um evento para o qual podemos apontar, na história; pertence decididamente à pré-história, à Urgeschichte, num sentido metafísico”. Brunner tem algo que dizer sobre isso em sua obra sobre O Homem em Revolta (Man in Revolt). Ele não aceita a doutrina do pecado original no sentido tradicional e eclesiástico da expressão. O primeiro pecado de Adão não podia ser lançado na conta de todos os seus descendentes, e não foi; tampouco rendou esse pecado num estado pecaminoso, que passou à sua posteridade e que atualmente é a frutífera raiz de todo pecado real e concreto. “Jamais o pecado é um estado, mas é sempre um ato. Mesmo ser um pecador não é um estado, mas, sim, um ato, porque é ser uma pessoa”. Na opinião de Brunner, o conceito tradicional contém um indesejável elemento de determinismo, e não salvaguarda a responsabilidade do homem. Mas a sua rejeição salienta acertadamente a solidariedade da raça humana quanto ao pecado, e a transmissão “da natureza espiritual, do ‘caráter’, dos pais aos filhos”. Contudo, ele busca a explicação da universalidade do pecado noutra coisa que não o “pecado original”. O homem que Deus criou não era simplesmente um homem só, mas uma pessoa responsável, criada em ligação comunitária com outras pessoas e para viver comunitariamente. O indivíduo isolado não passa de uma abstração. “na criação nós somos uma unidade individualizada e articulada, um corpo com muitos membros.” Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele. Prosseguindo, diz ele: “Se a nossa origem é isso, nossa oposição a esta origem não pode ser uma experiência, um ato, do individuo como tal... Certamente cada indivíduo é um pecador como um indivíduo; mas, ao mesmo tempo ele é o todo em sua solidariedade unida, o corpo, a humanidade real e completa.” Portanto, houve solidariedade quando o homem pecou; a raça humana caiu e se afastou de Deus; mas pertence à própria natureza do pecado negarmos nós esta solidariedade no pecado. O resultado desse pecado inicial é que agora o homem é pecador; mas o fato de que o homem agora é pecador não deve ser considerado como a causa das suas ações pecaminosas individuais. Não se pode admitir essa relação causal, pois todo pecado que o homem comete é uma nova decisão contra Deus. A declaração de que o homem é pecador não significa que ele se acha num estado ou condição de pecado, mas, sim, que ele está de fato engajado numa rebelião contra Deus. Como Adão, nós também nos afastamos de Deus, e “aquele que comete esta apostasia não pode senão repeti-la continuadamente, não porque se lhe tornou um hábito, mas porque este é o caráter distintivo deste ato”. O homem não pode inverter o curso, mas continua a pecar, sem parar. A Bíblia nunca fala do pecado, senão como o ato de afastar-se de Deus. “Mas no próprio conceito de ‘ser pecador’. Este ato é concebido como um ato que determina a existência completa do homem.” Nessa descrição há muita coisa que lembra a descrição realista de Tomaz de Aquino. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 246)