terça-feira, 11 de junho de 2013

O Conceito Pelagiano de Pecado

O conceito pelagiano do pecado é completamente diverso do que foi apresentado acima. O único ponto de semelhança está em que o pelagiano também vê o pecado em relação à lei de Deus, e o considera uma transgressão da lei. Mas em todas as outras particularidades, sua concepção difere amplamente do conceito bíblico e agostiniano. 1. EXPOSIÇÃO DO CONCEITO PELAGIANO. Pelágio tomou o seu ponto de partida na capacidade do homem. Sua proposição fundamental é: Deus ordenou ao homem que praticasse o bem; daí, este deve ter capacidade para fazê-lo. Significa que o homem tem livre arbítrio no sentido absoluto da expressão, de modo que lhe é possível decidir a favor ou contra o que é bom, e também praticar tanto o bem como o mal. A decisão não depende de qualquer caráter moral que haja no homem, pois a vontade é inteiramente indeterminada. Se o homem vai fazer o bem ou o mal depende simplesmente da sua vontade livre e independente. Disto se segue, naturalmente, que não existe o que chamam de desenvolvimento moral do indivíduo. O bem e o mal estão localizados nas ações isoladas do homem. Desta posição fundamental decorre naturalmente o ensino de Pelágio a respeito do pecado. O pecado consiste somente nos atos isolados provenientes da vontade. A coisa chamada natureza pecaminosa não existe, como tampouco as chamadas disposições pecaminosas. O pecado é sempre uma escolha deliberada do mal, escolha feita por uma vontade perfeitamente livre e que igualmente pode escolher e seguir o bem. Mas se fosse assim, inevitavelmente se seguiria que Adão não foi criado num estado de santidade positiva, mas, sim, num estado de equilíbrio moral, Sua condição seria de neutralidade moral. Nesse caso, ele não era nem bom nem mau, e, portanto, não tinha natureza moral; mas ele escolheu o curso do mal, e assim se tornou pecaminoso. Considerando que o pecado consiste unicamente em atos isolados decorrentes da vontade, a idéia da sua propagação pela procriação é absurda. Uma natureza pecaminosa, se existisse tal coisa, poderia passar de pai a filho, mas os atos pecaminosos não podem ser propagados dessa maneira. Isso é por natureza uma impossibilidade. Adão foi o primeiro pecador, mas em nenhum sentido o seu pecado passou aos seus descendentes. O que chamam de pecado original, não existe. As crianças nascem num estado de neutralidade, começando exatamente como Adão começou, com a exceção de que levam a desvantagem de terem maus exemplos ao seu redor. O seu curso futuro terá que ser determinado pela própria livre escolha. A universidade do pecado é admitida, porquanto toda experiência a testifica. Deve-se à limitação e ao hábito de pecar, que se forma gradativamente. Estritamente falando, segundo o ponto de vista pelagiano, não há pecadores, mas tão somente atos pecaminosos isolados. Isso impossibilita completamente uma concepção religiosa da história da raça. 2. OBJEÇÕES AO CONCEITO PELAGIANO. Há várias objeções fortes ao conceito pelagiano do pecado, das quais as mais importantes são as seguintes: a. A posição fundamental de que Deus só responsabiliza o homem por aquilo que este é capaz de fazer, é absolutamente contrária ao testemunho da consciência e à palavra de Deus. É um fato inegável que, conforme o homem cresce no pecado, decresce a sua capacidade para o bem. Ele se torna, em proporção cada vez maior, um escravo do pecado. Segundo a teria em foco, isso também envolveria uma diminuição da sua responsabilidade. Mas isso equivale a dizer que o próprio pecado redime gradativamente as suas vitimas, aliviando-as da sua responsabilidade. Quanto mais pecador, menos responsável o homem é. Contra essa posição a consciência registra um vigoroso protesto. Paulo não diz que os pecadores endurecidos que ele descreve em Rm 1. 18-32 estavam virtualmente sem responsabilidade, mas, antes, considera-os dignos de morte. Disse Jesus que os ímpios judeus que se vangloriavam da sua liberdade, mas manifestaram a sua extrema iniqüidade procurando mata-lo, eram escravos do pecado, não compreendiam a Sua linguagem porque eram incapazes de ouvir a Sua palavra, e iam morrer em seus pecados, Jo 8.21, 22, 34, 43. Embora escravos do pecado, eram, não obstante, responsáveis. b. Negar que o homem tem por sua natureza uma estrutura moral é simplesmente rebaixa-lo ao nível dos animais. Segundo esse conceito, tudo da vida do homem que não seja uma consciente escolha da vontade, está privado de toda e qualquer qualidade moral. Mas a consciência dos homens em geral atesta o fato de que o contraste entre o bem e o mal aplica-se também às tendências, aos desejos, ao temperamento e às emoções do homem, sendo que esses elementos também possuem um caráter moral. No pelagianismo, o pecado e a virtude são reduzidos a apêndices superficiais do homem, de maneira nenhuma vinculados à sua vida interior. As passagens que damos a seguir mostram que a opinião da Escritura é completamente diversa: Jr 17.9; Sl 51.6, 10; Mt 15.19; Tg 4.1,2. c. Uma escolha da vontade que não seja de modo nenhum determinada pelo caráter do homem, não somente é inimaginável, como também é eticamente destituída de valor. Se uma boa ação do homem simplesmente acontece porque sim, e não se pode dar nenhuma razão que explique por que não sucedeu o oposto, noutras palavras, se a ação não é uma expressão do caráter do homem, falta-lhe por completo valor moral. É só como um expoente do caráter que uma ação tem o valor moral que se lhe atribui. d. A teoria pelagiana não pode explicar satisfatoriamente a universalidade do pecado. O mau exemplo dos pais e avós não oferece uma verdadeira explicação. A simples e abstrata possibilidade de um homem vir a pecar, mesmo quando fortalecida pelo mau exemplo, não explica como aconteceu que, de fato, todos os homens pecaram. Como se pode explicar que a vontade sempre e invariavelmente seguiu na direção do pecado, e nunca na direção oposta? É muito mais natural pensar numa disposição geral para pecar. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 229)