terça-feira, 11 de junho de 2013

A Transmissão do Pecado

Tanto a Escritura como a experiência nos ensinam que o pecado é universal e, de acordo com a Bíblia, a explicação dessa universalidade está na queda de Adão. Estes dois pontos, a universalidade do pecado e a relação de Adão com a humanidade em geral, pedem consideração agora. Enquanto tem havido acordo geral quanto à universalidade do pecado, tem havido diferentes explicações da ligação entre o pecado de Adão e o dos seus descendentes. A. Resenha Histórica. 1. ANTES DA REFORMA. Os escritos dos apologetas nada contêm de definido a respeito do pecado original, ao passo que os de Irineu e Tertuliano ensinam claramente que a nossa condição pecaminosa é resultado da queda de Adão. Mas a doutrina da direta imputação do pecado de Adão aos seus descendentes, até a eles é estranha. Tertuliano tinha uma concepção realista da humanidade. Segundo ele, toda a raça humana estava potencial e numericamente em Adão e, portanto, pecou quando ele pecou, e se tornou corrupta quando ele se tornou corrupto. A natureza humana completa pecou em Adão e, daí, toda individualização dessa natureza também é pecaminosa. Orígenes, que foi profundamente influenciado pela filosofia grega, tinha um conceito diferente sobre o assunto, e praticamente não reconhecia ligação alguma entre o pecado de Adão e o dos seus descendentes. Ele via e explicação da pecaminosidade da raça humana primariamente no pecado pessoal de cada alma num estado pré-temporal, embora mencione também certo mistério de geração. Agostinho partilhava a concepção realista de Tertuliano. Apesar de falar de “imputação”, ainda não tinha em mente a imputação direta ou imediata da culpa de Adão à sua posteridade. Sua doutrina do pecado original não é inteiramente clara. Talvez isto se deva ao fato de que ele hesitava na escolha entre o traducionismo e o criacionismo. Embora acentuasse o fato de que todos os homens estavam seminalmente presentes em Adão e pecaram de fato nele, também se aproximava muito da idéia de que eles pecaram em Adão como seu representante. Contudo, sua ênfase principal recaía na transmissão da corrupção do pecado. O pecado é transmitido por propagação, e esta propagação do pecado de Adão é, ao mesmo tempo, um castigo por seu pecado. Wiggers expõe resumidamente a idéia com estas palavras: “A corrupção da natureza humana, na raça toda, foi o justo castigo da transgressão do primeiro homem, em quem todos os homens já existiam”. O grande oponente de Agostinho, Pelágio, negava essa conexão entre o pecado de Adão e o da sua posteridade. Como ele a via, a propagação do pecado pela geração natural envolvia a teoria traducionista sobre a origem da alma que ele considerava um erro herético; e a imputação do pecado de Adão a quem quer que fosse, a não ser a ele próprio, estaria em conflito com a retidão divina. O Conceito pelagiano foi rejeitado pela igreja, e o pensamento dos escolásticos em geral seguia as linhas indicadas por Agostinho, sempre recaindo a ênfase na transmissão da corrupção de Adão, e não na transmissão da sua culpa. Hugo de São Vítor e Pedro Lombardo sustentavam que a concupiscência real macula o sêmen no ato de procriação, e que essa mancha de algum modo contamina a alma em sua união com o corpo. Anselmo, Alexandre de Hales e Bonaventura salientavam a concepção realista da ligação entre Adão e sua posteridade. Toda a raça humana estava seminalmente presente em Adão, e, portanto, também pecou nele. Sua desobediência dói desobediência da raça humana inteira. Ao mesmo tempo, a geração era considerada a condição sine qua non da transmissão da natureza pecaminosa. Em Bonaventura e outros depois dele, a distinção entre a culpa original e a corrupção original foi expressa mais claramente. A idéia fundamental era que a culpa do pecado de Adão é imputada a todos os seus descendentes. Adão sofreu a perda da justiça original e com isso incorreu no desprazer divino. Como o resultado, todos os seus descendentes estão privados da justiça original e, nessas condições, são objetos da ira divina. Além disso, de algum modo a corrupção do pecado de Adão passou à sua posteridade, mas a maneira como se deu essa transmissão era matéria de discussão entre os escolásticos. Visto que não eram traducionistas e, portanto, não podiam dizer que a alma, que, afinal de contas, é a verdadeira sede do mal no homem, passa de pai a filho pelo processo de geração natural, perceberam que tinha que ser dita alguma coisa mais para explicar a transmissão do mal inerente. Alguns diziam que este é transmitido por meio do corpo, o qual, por sua vez, contamina a alma assim que entra em contato com ela. Outros, sentindo o perigo dessa explicação, procuravam-na no simples fato de que todo homem nasce agora no estado em que Adão estava antes de ser dotado da justiça original, e, assim, está sujeito à luta entre a carne, livre e desenfreada, e o espírito. Em Tomaz de Aquino, a ênfase realista reaparece, e vigorosamente, embora numa forma modificada. Ele assinalou que a raça humana constitui um organismo e que, como o ato de um membro do corpo – digamos , a mão – é considerado como ato da pessoa, assim o pecado de um membro do organismo da humanidade é imputado ao organismo todo. 2. APÓS A REFORMA. Embora os reformadores não concordassem com os escolásticos quanto à natureza do pecado original, a opinião que tinham da sua transmissão não continha quaisquer elementos novos. As idéias de Adão como representante da raça humana, e da imputação “imediata” da sua culpa aos seus descendentes, não foram expressas com clareza em suas obras. De acordo com Lutero, somos tidos como culpados por Deus por Deus por causa do pecado herdado de Adão e que reside em nós. Calvino fala num tom um tanto semelhante. Ele sustenta que, desde que Adão foi, não somente o progenitor da raça humana, mas também a sua raiz, todos os seus descendentes nascem com natureza corrupta; e que tanto a culpa do pecado de Adão como a própria corrupção inata são-lhes imputadas como pecado. O desenvolvimento da teologia federal trouxe à primeira plana a idéia de Adão como o representante da raça humana, e possibilitou uma distinção mais clara entre a transmissão da culpa e a da corrupção nata constitui também culpa aos olhos de Deus, a teologia federal deu ênfase ao fato de que há uma imputação “imediata”da culpa de Adão aos que ele representou como o chefe da aliança. Os socinianos e os arminianos rejeitaram a idéia da imputação do pecado de Adão aos seus descendentes. Placeus, da escola de Saumur, defendeu a idéia da imputação “mediata”. Negando toda imputação imediata, ele sustentava que, porque herdamos de Adão uma natureza pecaminosa, merecemos ser tratados como se tivéssemos cometido a ofensa original. Este ensino foi uma novidade na teologia reformada (calvinista), e Rivet não teve dificuldade para provar isso, coletando longa lista de testemunhos. Seguiu-se um debate no qual a imputação “imediata” e a “mediata” foram apresentadas como doutrinas mutuamente exclusivas; e no qual se fez parecer que a questão real era se o homem é culpado à vista de Deus unicamente por causa do pecado de Adão, imputando àqueles, ou unicamente por causa do seu próprio pecado inerente. A primeira destas não é a doutrina das igrejas reformadas (calvinistas), e a segunda não foi ensinada nelas antes da época de Placeus. Os ensinamentos deste se introduziram na teologia da Nova Inglaterra, e se tornaram a principal característica da Nova Escola (New Haven). Na teologia modernista, a doutrina da transmissão do pecado de Adão a sua posteridade é inteiramente desacreditada. Ela prefere buscar a explicação do mal existente no mundo numa herança animal, que não é pecaminosa. Por estranho que pareça. Até Barth e Brunner, apesar de se oporem violentamente ao modernismo teológico, não consideram a pecaminosidade universal da raça humana como resultado do pecado de Adão. Historicamente, este ocupa um lugar único, meramente como o primeiro pecador. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 234)