terça-feira, 11 de junho de 2013

O Caráter Essencial do Primeiro Pecado

O pecado é um dos mais tristes fenômenos da vida humana, e também o mais comum. Faz parte da experiência comum da humanidade e, portanto, impõe-se à atenção de todos os que não fecham deliberadamente os olhos para as realidades da vida humana. Há os que sonham por algum tempo com a bondade essencial do homem e falam com indulgência das palavras e ações isoladas que não se enquadram nos padrões éticos da boa sociedade, descrevendo-as como simples paixões e fraquezas, pelas quais o homem não é responsável e as quais prontamente cedem a medidas corretivas; mas, com o correr do tempo, com o fracasso de todas as medidas de reforma externa, e com a verificação de que a supressão de um mal só serve para liberar outro, essas pessoas ficam inevitavelmente desiludidas. Tomam consciência do fato de que estiveram lutando meramente com os sintomas de uma doença arraigada profundamente e que defrontam, não apenas o problema dos pecados, isto é, dos atos pecaminosos isolados, mas o problema muito maior e mais profundo do pecado, de um mal inerente à natureza humana. É exatamente o que estamos começando a presenciar na época atual. Muitos modernistas de hoje não hesitam em dizer que a doutrina de Rousseau a respeito da bondade inerente do homem evidenciou-se como um dos mais perniciosos ensinos do período do Iluminismo, e agora reclamam a presença de maior medida de realismo no reconhecimento do pecado. Assim, Walter Horton, que pleiteia uma teologia realista e acredita que esta requer a aceitação de alguns princípios marxistas, diz: “Creio que o cristianismo ortodoxo representa uma profunda compreensão de todo o predicamento humano. Creio que a dificuldade humana básica é aquela perversão da vontade, aquela traição contra a vontade divina, que se chama pecado; e creio que o pecador é, num certo sentido, uma enfermidade racial, transmissível de geração a geração. Ao afirmar essas coisas, os ‘pais’ cristãos e os reformadores protestantes falavam como realista, e podiam ter coletado pilhas de provas empíricas para suporte das suas idéias”. Em vista do fato de que o pecado é real e ninguém pode livrar-se dele na presente existência, não admira que os filósofos, como os teólogos, se decidiram a atracar-se com o problema do pecado, conquanto na filosofia seja mais conhecido como o problema do mal que do pecado, Consideramos abreviadamente algumas das mais importantes teorias filosóficas sobre o mal, antes de expormos a doutrina escriturística do pecado. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 221)

Teorias Filosóficas a Respeito da Natureza do Mal

TEORIA DUALISTA. Esta é uma das teorias que foram comuns na filosofia grega. Na forma do gnosticismo, conseguiu penetrar na Igreja Primitiva. Admite a existência de um princípio eterno do mal, e sustenta que no homem o espírito representa o princípio do bem, e corpo, o do mal. É objetável por várias razões: (a) É posição filosoficamente insustentável que haja fora de Deus algo que seja eterno e independente da Sua vontade. (b) Essa teoria retira do pecado o seu caráter ético, fazendo dele uma coisa puramente física e independente da vontade humana, e, deste modo, destrói na verdade a idéia de pecado, (c) Também elimina a responsabilidade do homem, apresentando o pecado como uma necessidade ou inevitabilidade física. Segundo essa teoria, o único meio de escarparmos do pecado consiste em livrar-nos do corpo. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 222)

TEORIA DE QUE O PECADO É MERA PRIVAÇÃO

De acordo com Leibnitiz, o presente mundo é o melhor mundo possível. A existência do pecado deve ser considerada inevitável. O pecado não pode ser atribuído à acaso pessoal de Deus e, portanto, deve ser considerado como simples negação ou privação, sem necessidade de nenhuma causa eficiente. As limitações da criatura o tornam inevitável. Essa teoria torna o pecado um mal necessário, desde que as criaturas são necessariamente limitadas, e o pecado é uma conseqüência inevitável dessa limitação. Sua tentativa de evitar fazer de Deus o autor do pecado não tem bom êxito pois, mesmo que o pecado fosse apenas uma negação sem nenhuma causa eficiente, Deus seria, não obstante, o autor da limitação da qual ele resultaria. Além disso, a teoria tende a obliterar a distinção entre o mal moral e o mal físico, visto que descreve o pecado como pouco mais que um infortúnio sobrevindo ao homem. Conseqüentemente, propende a embotar no homem a noção do mal ou da corrupção do pecado, destruir o sentimento de culpa e abrogar a responsabilidade moral do ser humano. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 222)

TEORIA DE QUE O PECADO É UMA ILUSÃO

Para Spinoza, como para Leibnitiz, o pecado é simplesmente um defeito, uma limitação da qual o homem está cônscio; mas enquanto Leibnitiz considera a noção do mal, que surge dessa limitação, como necessária, Spinoza sustenta que a resultante consciência do pecado deve-se simplesmente à inadequação do conhecimento do homem, que não consegue ver tudo sub specie aeternitatis, isto é, em unidade com a eterna e infinita essência de Deus. Se o conhecimento do homem fosse adequado, de sorte que visse tudo em Deus, ele não teria nenhuma idéia do pecado; este seria simplesmente inexistente para ele. Mas essa teoria, que apresenta o pecado como uma coisa puramente negativa, não explica os seus terríveis resultados que a experiência universal da humanidade atesta da maneira mais convincente. Levada adiante coerentemente, ela abroga todas as distinções éticas e reduz conceitos como “caráter moral” e “conduta moral” a frases sem sentido. De fato, reduz toda a vida do homem a uma ilusão: seu conhecimento, sua experiência, o testemunho da consciência, e assim por diante, pois todo o seu conhecimento é inadequado. Além disso, vai contra a experiência da humanidade, que atesta que os mais inteligentes são, muitas vezes, os maiores pecadores, sendo Satanás o maior de todos. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 222)

TEORIA DE QUE O PECADO É FALTA DE CONSCIÊNCIA DE DEUS, PELO FATO DE ESTAR A NATUREZA HUMANA PRESA AOS SENTIDOS

É o conceito de Schleiermacher. Segundo ele, a consciência do pecado, da parte do homem, depende da sua consciência de Deus. Quando o senso da realidade de Deus se desperta no homem, imediatamente toma consciência da oposição da sua natureza inferior àquela noção. Esta oposição segue-se da própria constituição de seu ser, de sua natureza sensorial, presa aos sentidos, da ligação da alma com um organismo físico. É, pois, uma imperfeição inerente, mas uma imperfeição que o homem sente como pecado e culpa. Contudo, isso não faz de Deus o autor do pecado, uma vez que o homem concebe erroneamente essa imperfeição como pecado. O pecado não tem existência objetiva, mas existe somente na consciência do homem. Mas essa teoria declara o homem constitutivamente mau. O mal estava presente no homem mesmo em seu estado original, quando sua consciência de Deus não era suficiente forte para dominar a natureza sensorial do homem, presa aos sentidos. Isso está em flagrante oposição à Escritura, quando esta sustenta que o homem erroneamente julga que esse mal é o pecado e, assim, entende o pecado e a culpa como puramente subjetivos. E embora Schleiermacher queira evitar esta conclusão, faz de Deus o autor do pecado, responsável por este, pois Ele é o Criador da natureza sensorial do homem. A teoria repousa também numa incompleta indução dos fatos, visto que não leva em conta o fato de que muitos dos mais odiosos pecados do homem não pertencem à sua natureza física, e, sim, à sua natureza espiritual, como por exemplo a avareza, a inveja, o orgulho, a malícia, e outros. Além disso, leva às conclusões mais absurdas como, por exemplo, a de que o ascetismo, enfraquecendo a natureza sensorial, o domínio dos sentidos, necessariamente enfraquece a força do pecado; a de que o homem vai ficando menos pecador conforme se vão enfraquecendo os seus sentidos; a de que o único redentor é a morte; e a de que os espíritos desencarnados ou incorpóreos, o diabo inclusive, não tem nenhum pecado. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 223)

TEORIA DO PECADO COMO FALTA DE CONFIANÇA EM DEUS E COMO OPOSIÇÃO AO SEU REINO, DEVIDO À IGNORÂNCIA

Como Schleiermacher, Ritschl também dá ênfase ao fato de que o pecado é entendido somente do ponto de vista da consciência cristã. Os que se acham fora dos limites da religião cristã, e os que estão ainda alheios à experiência da redenção, não têm nenhum conhecimento do pecado. Sob a influencia da obra redentora de Deus, o homem toma consciência da sua falta de confiança em Deus e da sua oposição ao reino de Deus, que constitui o bem supremo. O pecado não é determinado pela atitude do homem para com a lei de Deus, mas por sua relação com o propósito de Deus, que visa ao estabelecimento do Reino. O homem imputa a si próprio, como culpa, o seu fracasso em não conseguir tornar seu propósito de Deus, mas Deus o considera apenas como ignorância e, porque ignorância, é imperdoável. Esse conceito de Ritschal lembra-nos, por contraste, a máxima grega: Conhecimento é virtude, Absolutamente não faz justiça à posição escriturística de que o pecado é, acima de tudo, transgressão da lei de Deus e, portanto, torna o homem culpado à vista de Deus e merecedor de condenação. Além disso, a idéia de que o pecado é ignorância vai contra a voz da experiência cristã. O homem que leva sobre si o fardo o senso de pecado, certamente não pensa nisso daquele modo. Também é grato porque não somente os pecados cometidos na ignorância são doáveis, mas igualmente todos os demais, com a única exceção da blasfêmia contra o Espírito Santo. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 224)

TEORIA DE QUE O PECADO É EGOÍSMO

Assumem essa posição Mueller e A H. Strong, entre outros. Alguns que assumem essa posição concebem o egoísmo apenas como o oposto do altruísmo ou da generosidade; outros o entendem como a escolha do ego, em vez de Deus, como o supremo objeto do amor. Ora, essa teoria, especialmente quando concebe o egoísmo como a colocação do ego no lugar de Deus, é, de longe, a melhor das teorias mencionadas.Todavia, dificilmente se pode dizer que é satisfatória. Embora todo egoísmo seja pecado,e haja um elemento de egoísmo em todo pecado, não se pode dizer que o egoísmo é a essência do pecado. Só se pode definir propriamente o pecado com referencia à lei de Deus, referencia completamente ausente da definição em foco. Além disso, há muitos pecados nos quais o egoísmo está longe de ser o principio dominante. Quando um pai é abatido pela pobreza e vê a esposa e os filhos esmorecidos por falta de alimento, e, em, seu desesperado desejo de socorrê-los acaba recorrendo ao roubo, dificilmente se pode dizer que isso é puro egoísmo. Até pode ser que a idéia de ego estivesse inteiramente ausente. A inimizade para com Deus, a dureza de coração, a impenitência e a incredulidade são pecados hediondos, mas não podem ser simplesmente classificados como egoísmo. E certamente a idéia de que toda virtude é desinteresse próprio ou generosidade, o que parece constituir um necessário corolário da teoria que estamos considerando, não é válida, pelo menos numa das suas formas. Um, ato deixa de ser virtuoso quando a sua realização cumpre e satisfaz alguma exigência da nossa natureza. Ademais, a justiça, a fidelidade, a humanidade, a clemência, a paciência e outras virtudes podem ser cultivadas ou praticadas, não como formas de generosidade, mas como virtudes inerentemente excelentes, não meramente pela promoção da felicidade de outros, mas pelo que elas são em si mesmas. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 224)

TEORIA DE QUE O PECADO CONSISTE NA OPOSIÇÃO DAS PROPENSÕES INFERIORES DA NATUREZA HUMANA A UMA CONSCIÊNCIA MORAL DESENVOLVIDA GRADATIVAMENTE

Essa opinião foi desenvolvida, como foi assinalado no item anterior, por Tennant, em suas Conferências Hulseanas. É a doutrina do pecado elaborado de acordo com a teoria evolucionista. Os impulsos naturais e as qualidades herdadas, derivadas dos animais inferiores, compõem o material do pecado, mas não se tornam pecado concretamente enquanto não forem tolerados contrariamente ao senso moral da humanidade em seu desenvolvimento gradual. As teorias de McDowall e Fiske seguem linhas semelhantes. A teoria apresentada por Tennant hesita um tanto entre a idéia bíblica sobre o homem e a idéia apresentada pela teoria evolucionista, inclinado-se ora para um lado, ora para outro. Pressupõe que o homem tinha livre arbítrio – vontade livre – mesmo antes do despertar da sua consciência moral, de modo que podia fazer uma escolha quando era posto diante de um ideal moral; mas não explica como se pode conceber uma vontade livre e indeterminada num processo de evolução. A teoria limita o pecado às transgressões da lei moral cometidas com clara consciência de um ideal moral e, portanto, condenadas como más pela consciência. É, na verdade, apenas a velha idéia pelagiana do pecado enxertada na teoria evolucionista e, portanto, está aberta a todas as objeções que pesam sobre o pelagianismo. O defeito radical dessas teorias todas é que procuram definir o pecado sem levar em consideração que o pecado é essencialmente o abandono de Deus, a oposição a Deus e a transgressão da lei de Deus. Sempre se deve definir o pecado em termos da relação do homem com Deus e Sua vontade como vem expressa na lei moral. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 225)

A Idéia Bíblica do Pecado

Ao dar a idéia bíblica do pecado, é necessário chamar a atenção para diversas particularidades. O PECADO É O MAL NUMA CATEGORIA ESPECÍFICA. Hoje em dia ouvimos falar muito do mal, e relativamente pouco do pecado; e isso é muito enganoso. Nem todo mal é pecado. Não se deve confundir o pecado com o mal físico, com aquilo que é danoso ou calamitoso. É possível falar, não só do pecado mas da doença, como um mal, ma, então, a palavra “mal” é empregada em dois sentidos totalmente diversos. Acima da esfera física está a esfera ética, na qual é aplicável o contraste entre o bem moral e o mal moral, e é somente nesta esfera que podemos falar de pecado. E mesmo nesta esfera não é desejável substituir a palavra “pecado” pela palavra “mal” sem acrescentar algum qualificativo, pois aquela é mais especifica do que esta. O pecado é um mal moral. Muitos nomes empregados na Escritura para designar o pecado indicam o seu teor moral. Chatta’th dirige a atenção para o pecado como feito que era o alvo e que consiste num desvio do caminho certo. ’Avel e ’avon indicam que é uma falta de integridade e retidão, uma saída da vereda designada. Pesha’ refere-se a ele como uma revolta ou uma recusa de sujeição à autoridade legitima, uma positiva transgressão da lei, e um rompimento da aliança. E resha’ o assinala como uma fuga ímpia e culposa da lei. Ademais, é designado como culpa por ’asham, como infidelidade e traição por ma’al, como vaidade por ’aven e como perversão ou distorção da natureza (torção) por ’avah. As palavras neotestamentárias correspondentes, como hamartia, adikia, parabasis, paraptoma, anomia, paranomia e outras, indicam as mesmas idéias. Em vista do emprego dessas palavras e do modo pelo qual a Bíblia normalmente fala do pecado, não se pode duvidar do seu teor ético. Não é uma calamidade que sobreveio inopinadamente ao homem, envenenou sua vida e arruinou sua felicidade, mas um curso que o homem decidiu seguir deliberadamente e que leva consigo misera inaudita. Fundamentalmente não é uma coisa passiva, como uma fraqueza, um defeito, ou uma imperfeição pela qual não podemos ser responsabilizados, mas uma ativa oposição a Deus, e uma positiva transgressão da Sua lei, constituindo culpa. O pecado é o resultado de uma escolha livre, porém má, do homem. Este é o ensino claro da Palavra de Deus, Gn 3.1-6; Is 48.8; Rm 1.18-32; 1 Jo 3.4. A aplicação da filosofia evolucionista ao estudo do Velho Testamento levou alguns eruditos à convicção de que a idéia ética do pecado não se desenvolveu até o tempo dos profetas, mas esta opinião não encontra apoio na maneira como os mais antigos livros da Bíblia falam do pecado. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 226)

O PECADO TEM CARÁTER ABSOLUTO

Na esfera ética, o constante entre o bem e o mal é absoluto. Não há condição neutra entre ambos. Apesar de indubitavelmente haver graus nos dois, não há graduação entre o bem e o mal. A transição de um para o outro não é de caráter quantitativo, e sim, qualitativo. Um ser moral bom não se torna mau por uma simples diminuição da sua bondade, mas somente por uma mudança qualitativa radical, por um volver ao pecado. O pecado não é um grau menor de bondade, mas mal positivo. Isso é ensinado claramente na Bíblia. Quem não ama a Deus é, por isso, caracterizado como mau. A Escritura não reconhece nenhuma posição de neutralidade. Ela concita o ímpio a voltar-se para a retidão e, às vezes, fala do justo como caindo no mal; mas não contem nem uma só indicação de que um ou outro alguma vez fica numa posição neutra. O homem esta do lado certo ou do lado errado, Mt 10.32, 33; 12.30; Lc 11.23; Tg 2.10. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 226)

O PECADO SEMPRE TEM RELAÇÃO COM DEUS E SUA VONTADE

Os mais antigos teólogos compreendem que é impossível ter uma correta concepção do pecado sem vê-lo em relação a Deus e Sua vontade e, portanto, acentuavam este aspecto e normalmente falavam do pecado como “falta de conformidade com a lei de Deus”. É, sem duvida, uma correta definição formal do pecado. Mas surge a questão: Qual é precisamente o conteúdo material da lei? Que é ela exige? Respondendo-se esta questão, será possível determinar o que é o pecado num sentido material. Ora, não há duvida de que a grande e central exigência da lei é o amor a Deus. E se ponto de vista material, a bondade consiste em amar a Deus, o mal moral consiste no oposto. É a separação de Deus, a oposição a Deus, o ódio a Deus, e isto se manifesta em constante transgressão da lei de Deus, em pensamento, palavra e ato. As seguintes passagens mostram claramente mente que a Escritura vê o pecado em relação a Deus e Sua lei, quer como lei escrita nas tabuas do coração, quer como dada por meio de Moises, Rm 1.32; 2.12-14; 4.15; Tg 2.9; 1 Jo 3.4. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 226)

O PECADO INCLUI A CULPA E A CORRUPÇÃO

A culpa é o estado de merecimento da condenação ou de ser passível de punição pela violação de uma lei ou de uma exigência moral. Ela expressa a relação do pecado com a justiça ou da penalidade com a lei. Mesmo assim, porém, apalavra tem duplo sentido. Pode indicar uma qualidade inerente ao pecador, a saber, o seu demérito, más qualidades ou cumplicidade, que o faz merecedor de castigo. Dabney fala disso como “culpa potencial”. É inseparável do pecado, jamais se encontra em quem não é pessoalmente pecador, e é permanente, de modo que, uma vez estabelecida, não pode ser removida pelo perdão. Mas também pode indicar a obrigação de satisfazer a justiça, pagar a penalidade do pecado – a “culpa de fato”, como lhe chama Dabney. Não é inerente ao homem, mas é o estatuto penal do legislador, que fixa a penalidade da culpa. Pode ser removida pela satisfação pessoal ou vicária das justas exigências da lei. Embora muitos neguem que o pecado inclui culpa, essa negação não se harmoniza com o fato de que o pecado é ameaçado com castigo, e de fato o recebe, e evidentemente contradiz claras afirmações da escritura, Mt 6.12; Rm 3.19; 5.18; Ef 2.3. Por corrupção entendemos a corrosiva contaminação inerente, a que todo pecador está sujeito. É uma realidade na vida de todos os indivíduos. É inconcebível sem a culpa, embora a culpa, como incluída numa relação penal, seja concebível sem a corrupção imediata. Mas é sempre seguida pela corrupção. Todo aquele que é culpado em Adão, também nasce com uma natureza corrupta, em conseqüência. Ensina-se claramente a doutrina da corrupção do pecado em passagens como, Jó 14.4; Jr 17.9; Mt 7.15-20; Rm 8.5-8; Ef 4.17-19. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 227)

O PECADO TEM SUA SEDE NO CORAÇÃO

O pecado não reside nalguma faculdade da alma, mas no coração, que na psicologia da Escritura é o órgão central da alma, onde estão as saídas da vida. E desse centro, sua influencia e suas operações espalham-se para o intelecto, a vontade, as emoções – em suma, a todo homem , seu corpo inclusive. Em seu estado pecaminoso, o homem completo é objeto de desprazer de Deus. Há um sentido em que se pode dizer que o pecado teve origem na vontade do homem, caso em que a vontade não designa uma volição efetiva, na medida em que isto sucede com a natureza volitiva do homem. Havia uma tendência do coração, subjacente à volição efetiva, quando o pecado entrou no mundo. Esta maneira de ver está em perfeita harmonia com as descrições bíblicas, em passagens como as seguintes: Pv 4.23; Jr 17.9; Mt 15.19, 20; Lc 6.45; Hb 3.12. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 227)

O PECADO NÃO CONSISTE APENAS DE ATOS MANIFESTOS

O pecado não consiste somente de atos patentes, mas também de hábitos pecaminosos e de uma condição pecaminosa da alma. Estes três âmbitos se interrelacionam do seguinte modo: O estado pecaminoso á a base dos hábitos pecaminosos, e estes se manifestam em ações pecaminosas. Também há verdade, porém, na alegação de que os atos pecaminosos repetidos levam ao estabelecimento de hábitos pecaminosos. As ações e as disposições pecaminosas do homem devem ser atribuídas a uma natureza corrupta, que as explica. As passagens citadas no parágrafo anterior consubstanciam esta opinião, pois provam com clareza que o estado ou a condição do homem é completamente pecaminosa. E se for necessário levantar a questão sobre se os pensamentos e os sentimentos do homem natural, chamado “carne” na Escritura, devam ser considerados como constituindo pecado, poder-se-ia responder indicando passagens como as seguintes: Mt 5.22, 28; Rm 7.7; Gl 5.17, 24, e outras. Em conclusão, pode-se dizer que se pode definir o pecado como falta de conformidade com a lei moral de Deus, em ato, disposição ou estado. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 227)

O Conceito Pelagiano de Pecado

O conceito pelagiano do pecado é completamente diverso do que foi apresentado acima. O único ponto de semelhança está em que o pelagiano também vê o pecado em relação à lei de Deus, e o considera uma transgressão da lei. Mas em todas as outras particularidades, sua concepção difere amplamente do conceito bíblico e agostiniano. 1. EXPOSIÇÃO DO CONCEITO PELAGIANO. Pelágio tomou o seu ponto de partida na capacidade do homem. Sua proposição fundamental é: Deus ordenou ao homem que praticasse o bem; daí, este deve ter capacidade para fazê-lo. Significa que o homem tem livre arbítrio no sentido absoluto da expressão, de modo que lhe é possível decidir a favor ou contra o que é bom, e também praticar tanto o bem como o mal. A decisão não depende de qualquer caráter moral que haja no homem, pois a vontade é inteiramente indeterminada. Se o homem vai fazer o bem ou o mal depende simplesmente da sua vontade livre e independente. Disto se segue, naturalmente, que não existe o que chamam de desenvolvimento moral do indivíduo. O bem e o mal estão localizados nas ações isoladas do homem. Desta posição fundamental decorre naturalmente o ensino de Pelágio a respeito do pecado. O pecado consiste somente nos atos isolados provenientes da vontade. A coisa chamada natureza pecaminosa não existe, como tampouco as chamadas disposições pecaminosas. O pecado é sempre uma escolha deliberada do mal, escolha feita por uma vontade perfeitamente livre e que igualmente pode escolher e seguir o bem. Mas se fosse assim, inevitavelmente se seguiria que Adão não foi criado num estado de santidade positiva, mas, sim, num estado de equilíbrio moral, Sua condição seria de neutralidade moral. Nesse caso, ele não era nem bom nem mau, e, portanto, não tinha natureza moral; mas ele escolheu o curso do mal, e assim se tornou pecaminoso. Considerando que o pecado consiste unicamente em atos isolados decorrentes da vontade, a idéia da sua propagação pela procriação é absurda. Uma natureza pecaminosa, se existisse tal coisa, poderia passar de pai a filho, mas os atos pecaminosos não podem ser propagados dessa maneira. Isso é por natureza uma impossibilidade. Adão foi o primeiro pecador, mas em nenhum sentido o seu pecado passou aos seus descendentes. O que chamam de pecado original, não existe. As crianças nascem num estado de neutralidade, começando exatamente como Adão começou, com a exceção de que levam a desvantagem de terem maus exemplos ao seu redor. O seu curso futuro terá que ser determinado pela própria livre escolha. A universidade do pecado é admitida, porquanto toda experiência a testifica. Deve-se à limitação e ao hábito de pecar, que se forma gradativamente. Estritamente falando, segundo o ponto de vista pelagiano, não há pecadores, mas tão somente atos pecaminosos isolados. Isso impossibilita completamente uma concepção religiosa da história da raça. 2. OBJEÇÕES AO CONCEITO PELAGIANO. Há várias objeções fortes ao conceito pelagiano do pecado, das quais as mais importantes são as seguintes: a. A posição fundamental de que Deus só responsabiliza o homem por aquilo que este é capaz de fazer, é absolutamente contrária ao testemunho da consciência e à palavra de Deus. É um fato inegável que, conforme o homem cresce no pecado, decresce a sua capacidade para o bem. Ele se torna, em proporção cada vez maior, um escravo do pecado. Segundo a teria em foco, isso também envolveria uma diminuição da sua responsabilidade. Mas isso equivale a dizer que o próprio pecado redime gradativamente as suas vitimas, aliviando-as da sua responsabilidade. Quanto mais pecador, menos responsável o homem é. Contra essa posição a consciência registra um vigoroso protesto. Paulo não diz que os pecadores endurecidos que ele descreve em Rm 1. 18-32 estavam virtualmente sem responsabilidade, mas, antes, considera-os dignos de morte. Disse Jesus que os ímpios judeus que se vangloriavam da sua liberdade, mas manifestaram a sua extrema iniqüidade procurando mata-lo, eram escravos do pecado, não compreendiam a Sua linguagem porque eram incapazes de ouvir a Sua palavra, e iam morrer em seus pecados, Jo 8.21, 22, 34, 43. Embora escravos do pecado, eram, não obstante, responsáveis. b. Negar que o homem tem por sua natureza uma estrutura moral é simplesmente rebaixa-lo ao nível dos animais. Segundo esse conceito, tudo da vida do homem que não seja uma consciente escolha da vontade, está privado de toda e qualquer qualidade moral. Mas a consciência dos homens em geral atesta o fato de que o contraste entre o bem e o mal aplica-se também às tendências, aos desejos, ao temperamento e às emoções do homem, sendo que esses elementos também possuem um caráter moral. No pelagianismo, o pecado e a virtude são reduzidos a apêndices superficiais do homem, de maneira nenhuma vinculados à sua vida interior. As passagens que damos a seguir mostram que a opinião da Escritura é completamente diversa: Jr 17.9; Sl 51.6, 10; Mt 15.19; Tg 4.1,2. c. Uma escolha da vontade que não seja de modo nenhum determinada pelo caráter do homem, não somente é inimaginável, como também é eticamente destituída de valor. Se uma boa ação do homem simplesmente acontece porque sim, e não se pode dar nenhuma razão que explique por que não sucedeu o oposto, noutras palavras, se a ação não é uma expressão do caráter do homem, falta-lhe por completo valor moral. É só como um expoente do caráter que uma ação tem o valor moral que se lhe atribui. d. A teoria pelagiana não pode explicar satisfatoriamente a universalidade do pecado. O mau exemplo dos pais e avós não oferece uma verdadeira explicação. A simples e abstrata possibilidade de um homem vir a pecar, mesmo quando fortalecida pelo mau exemplo, não explica como aconteceu que, de fato, todos os homens pecaram. Como se pode explicar que a vontade sempre e invariavelmente seguiu na direção do pecado, e nunca na direção oposta? É muito mais natural pensar numa disposição geral para pecar. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 229)

O Conceito Católico romano do Pecado

Conquanto os Cânones e Decretos do Concilio de Trento sejam um tanto ambíguos sobre a doutrina do pecado, o conceito católico romano do pecado predominante pode ser expresso como segue: O verdadeiro pecado sempre consiste num ato consciente da vontade. É certo que as disposições e os hábitos que não estão de acordo com a vontade de Deus são de caráter pecaminoso; contudo, não se lhes pode chamar pecados, no sentido estrito da palavra. A concupiscência que está presente no homem e por trás do pecado, ganhou domínio sobre o homem no paraíso e, assim, precipitou a perda do donun superadditum da justiça original, não pode ser considerada pecado, mas somente a lenha (fomes) ou o combustível par o pecado. A pecaminosidade dos descendentes de Adão é primordialmente uma condição negativa, apenas, consistindo na ausência de algo que devia estar presente, isto é, da justiça original, que não é essencial à natureza humana. Alguma coisa essencial estaria faltando somente se, como alguns sustentam, a justitia naturalis também fosse perdida. As objeções a esse conceito evidenciam-se perfeitamente no que foi dito com relação à teoria pelagiana. Um simples lembrete delas parece mais que suficiente. Até onde sustenta que o verdadeiro pecado consiste somente numa escolha deliberada da vontade e em atos manifestos, as objeções levantadas contra o pelagianismo lhe são pertinentes. A idéia de que a justiça original foi acrescentada sobrenaturalmente à constituição natural do homem, e de que a sua perda não macula a natureza humana, é antibíblica, como foi demonstrada em nossa discussão da imagem de Deus no homem. De acordo com a Bíblia, a concupiscência é pecado, verdadeiro pecado, e raiz de muitas ações pecaminosas. Expusemos isso quando consideramos o conceito bíblico do pecado. QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. A filosofia conseguiu explicar com sucesso a origem do pecado? 2. A escritura dá apoio à idéia de que, originariamente, o pecado não tinha qualidade ética? 3. Quais as objeções ao conceito de que o pecado é mera privação? 4. Devemos conceber o pecado como uma substância? 5. Com o nome de quem se associa essa idéia? 6. Esse pecado existe isolado do pecador? 7. Como podemos provar que o pecado sempre deve ser julgado pela lei de Deus? 8. Paulo favoreceu o antigo dualismo grego, quando falou do “corpo do pecado” e empregou o termo “carne” para designar a natureza pecaminosa do homem? 9. É recomendável a tendência de falar do “mal”, e não do “pecado”? 10. Que se quer dizer com a interpretação social do pecado? 11. Essa forma de interpretação reconhece o pecado pelo que ele é fundamentalmente? BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm III, p. 121-158; III, Kuyper, Dict. Dogm., De Peccato, p. 27-35; Hodge, Syst. Theol.II,p.130-192; Vos, Geref. Dogm. II, p.21-32; Dabney, Syst. And Polem. Theol , p 306-317;. MacPherson, Chr. Dogm., p. 257-264; Pope, Chr. Theol.II, p. 29-42; Orchard, Modern Theories of Sin; Moxon, The Doctrine of Sin; Alexander, Syst. Of Bibl. Theol. I, p. 232-265; Brown, Chr, Theol. in Outline, p. 261-282; Clarck, An Outline of Chr, Theol. ,p. 227-239; Orr, God’s Image in Man, p. 197-246; Mackintosh, Christianity and Sin, cf. índice; Candlish, The Bibl. Doct. Of Sin, p.31-34; Talma, De Anthopologie van Calvijn, p. 92-117; Tennant, The Concept of Sin. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 230)

A Transmissão do Pecado

Tanto a Escritura como a experiência nos ensinam que o pecado é universal e, de acordo com a Bíblia, a explicação dessa universalidade está na queda de Adão. Estes dois pontos, a universalidade do pecado e a relação de Adão com a humanidade em geral, pedem consideração agora. Enquanto tem havido acordo geral quanto à universalidade do pecado, tem havido diferentes explicações da ligação entre o pecado de Adão e o dos seus descendentes. A. Resenha Histórica. 1. ANTES DA REFORMA. Os escritos dos apologetas nada contêm de definido a respeito do pecado original, ao passo que os de Irineu e Tertuliano ensinam claramente que a nossa condição pecaminosa é resultado da queda de Adão. Mas a doutrina da direta imputação do pecado de Adão aos seus descendentes, até a eles é estranha. Tertuliano tinha uma concepção realista da humanidade. Segundo ele, toda a raça humana estava potencial e numericamente em Adão e, portanto, pecou quando ele pecou, e se tornou corrupta quando ele se tornou corrupto. A natureza humana completa pecou em Adão e, daí, toda individualização dessa natureza também é pecaminosa. Orígenes, que foi profundamente influenciado pela filosofia grega, tinha um conceito diferente sobre o assunto, e praticamente não reconhecia ligação alguma entre o pecado de Adão e o dos seus descendentes. Ele via e explicação da pecaminosidade da raça humana primariamente no pecado pessoal de cada alma num estado pré-temporal, embora mencione também certo mistério de geração. Agostinho partilhava a concepção realista de Tertuliano. Apesar de falar de “imputação”, ainda não tinha em mente a imputação direta ou imediata da culpa de Adão à sua posteridade. Sua doutrina do pecado original não é inteiramente clara. Talvez isto se deva ao fato de que ele hesitava na escolha entre o traducionismo e o criacionismo. Embora acentuasse o fato de que todos os homens estavam seminalmente presentes em Adão e pecaram de fato nele, também se aproximava muito da idéia de que eles pecaram em Adão como seu representante. Contudo, sua ênfase principal recaía na transmissão da corrupção do pecado. O pecado é transmitido por propagação, e esta propagação do pecado de Adão é, ao mesmo tempo, um castigo por seu pecado. Wiggers expõe resumidamente a idéia com estas palavras: “A corrupção da natureza humana, na raça toda, foi o justo castigo da transgressão do primeiro homem, em quem todos os homens já existiam”. O grande oponente de Agostinho, Pelágio, negava essa conexão entre o pecado de Adão e o da sua posteridade. Como ele a via, a propagação do pecado pela geração natural envolvia a teoria traducionista sobre a origem da alma que ele considerava um erro herético; e a imputação do pecado de Adão a quem quer que fosse, a não ser a ele próprio, estaria em conflito com a retidão divina. O Conceito pelagiano foi rejeitado pela igreja, e o pensamento dos escolásticos em geral seguia as linhas indicadas por Agostinho, sempre recaindo a ênfase na transmissão da corrupção de Adão, e não na transmissão da sua culpa. Hugo de São Vítor e Pedro Lombardo sustentavam que a concupiscência real macula o sêmen no ato de procriação, e que essa mancha de algum modo contamina a alma em sua união com o corpo. Anselmo, Alexandre de Hales e Bonaventura salientavam a concepção realista da ligação entre Adão e sua posteridade. Toda a raça humana estava seminalmente presente em Adão, e, portanto, também pecou nele. Sua desobediência dói desobediência da raça humana inteira. Ao mesmo tempo, a geração era considerada a condição sine qua non da transmissão da natureza pecaminosa. Em Bonaventura e outros depois dele, a distinção entre a culpa original e a corrupção original foi expressa mais claramente. A idéia fundamental era que a culpa do pecado de Adão é imputada a todos os seus descendentes. Adão sofreu a perda da justiça original e com isso incorreu no desprazer divino. Como o resultado, todos os seus descendentes estão privados da justiça original e, nessas condições, são objetos da ira divina. Além disso, de algum modo a corrupção do pecado de Adão passou à sua posteridade, mas a maneira como se deu essa transmissão era matéria de discussão entre os escolásticos. Visto que não eram traducionistas e, portanto, não podiam dizer que a alma, que, afinal de contas, é a verdadeira sede do mal no homem, passa de pai a filho pelo processo de geração natural, perceberam que tinha que ser dita alguma coisa mais para explicar a transmissão do mal inerente. Alguns diziam que este é transmitido por meio do corpo, o qual, por sua vez, contamina a alma assim que entra em contato com ela. Outros, sentindo o perigo dessa explicação, procuravam-na no simples fato de que todo homem nasce agora no estado em que Adão estava antes de ser dotado da justiça original, e, assim, está sujeito à luta entre a carne, livre e desenfreada, e o espírito. Em Tomaz de Aquino, a ênfase realista reaparece, e vigorosamente, embora numa forma modificada. Ele assinalou que a raça humana constitui um organismo e que, como o ato de um membro do corpo – digamos , a mão – é considerado como ato da pessoa, assim o pecado de um membro do organismo da humanidade é imputado ao organismo todo. 2. APÓS A REFORMA. Embora os reformadores não concordassem com os escolásticos quanto à natureza do pecado original, a opinião que tinham da sua transmissão não continha quaisquer elementos novos. As idéias de Adão como representante da raça humana, e da imputação “imediata” da sua culpa aos seus descendentes, não foram expressas com clareza em suas obras. De acordo com Lutero, somos tidos como culpados por Deus por Deus por causa do pecado herdado de Adão e que reside em nós. Calvino fala num tom um tanto semelhante. Ele sustenta que, desde que Adão foi, não somente o progenitor da raça humana, mas também a sua raiz, todos os seus descendentes nascem com natureza corrupta; e que tanto a culpa do pecado de Adão como a própria corrupção inata são-lhes imputadas como pecado. O desenvolvimento da teologia federal trouxe à primeira plana a idéia de Adão como o representante da raça humana, e possibilitou uma distinção mais clara entre a transmissão da culpa e a da corrupção nata constitui também culpa aos olhos de Deus, a teologia federal deu ênfase ao fato de que há uma imputação “imediata”da culpa de Adão aos que ele representou como o chefe da aliança. Os socinianos e os arminianos rejeitaram a idéia da imputação do pecado de Adão aos seus descendentes. Placeus, da escola de Saumur, defendeu a idéia da imputação “mediata”. Negando toda imputação imediata, ele sustentava que, porque herdamos de Adão uma natureza pecaminosa, merecemos ser tratados como se tivéssemos cometido a ofensa original. Este ensino foi uma novidade na teologia reformada (calvinista), e Rivet não teve dificuldade para provar isso, coletando longa lista de testemunhos. Seguiu-se um debate no qual a imputação “imediata” e a “mediata” foram apresentadas como doutrinas mutuamente exclusivas; e no qual se fez parecer que a questão real era se o homem é culpado à vista de Deus unicamente por causa do pecado de Adão, imputando àqueles, ou unicamente por causa do seu próprio pecado inerente. A primeira destas não é a doutrina das igrejas reformadas (calvinistas), e a segunda não foi ensinada nelas antes da época de Placeus. Os ensinamentos deste se introduziram na teologia da Nova Inglaterra, e se tornaram a principal característica da Nova Escola (New Haven). Na teologia modernista, a doutrina da transmissão do pecado de Adão a sua posteridade é inteiramente desacreditada. Ela prefere buscar a explicação do mal existente no mundo numa herança animal, que não é pecaminosa. Por estranho que pareça. Até Barth e Brunner, apesar de se oporem violentamente ao modernismo teológico, não consideram a pecaminosidade universal da raça humana como resultado do pecado de Adão. Historicamente, este ocupa um lugar único, meramente como o primeiro pecador. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 234)

A Universalidade do Pecado

Poucos se inclinarão a negar a presença do mal no coração humano, mas há muitas divergências quanto à natureza desse mal e quanto ao modo como se originou. Mesmo os pelagianos e os socinianos estão prontos a admitir que o pecado é universal. Este é um fato que se impõe à atenção de toda gente. 1. HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DA FILOSOFIA O ATESTA. A história das religiões dá testemunho da universalidade do pecado. A pergunta de Jó, “Como seria justo o homem perante Deus?” (ver Jó 25.4) não foi feita somente nos domínios da revelação especial, mas também fora deles, no mundo gentílico. As religiões pagãs atestam uma consciência universal do pecado, e a necessidade de reconciliação com o Ser Supremo. Há um sentimento generalizado de que os deuses estão ofendidos e devem ser aplacados de algum modo. Há uma voz universal da consciência dando testemunho do fato de que o homem carece do ideal e está condenado à vista de algum Poder mais alto. Altares cheirando ao sangue dos sacrifícios, muitas vezes dos sacrifícios de filhos queridos, repetidas confissões de más ações, e orações para livramento do mal – tudo aponta para a consciência de pecado. Os missionários vêem isso por onde vão. A história da filosofia indica o mesmo fato. Os mais antigos filósofos gregos já tiveram que lutar com o problema do mal moral, e desde a época deles, nenhum filósofo de renome pôde ignora-lo. Todos foram constrangidos a admitir a sua universalidade, e isso a despeito do fato de que não foram capazes de explicar o fenômeno. Houve, é verdade, um otimismo superficial no século dezoito, que sonhava com a inerente bondade do homem, mas, em sua insensatez, fugia dos fatos e recebeu cortante censura de Kant. Muitos teólogos modernistas forma induzidos a crer e a pregar essa bondade humana inerente como na verdade evangélica, mas hoje em dia muitos deles o qualificam como um dos mais perniciosos erros do passado. Uma coisa é certa: os fatos da vida não autorizam esse otimismo. 2. A BÍBLIA O ENSINA CLARAMENTE. Há inequívocas declarações a Escritura que indicam a pecaminosidade universal do homem, como nas seguintes passagens: 1 Rs 8.46; Sl 143.2; Pv 20.9; Ec 7.20; Rm 3.1-12, 19, 20, 23; Gl 3.22; Tg 3.2; 1 Jo 1.8, 10. Várias passagens da Escritura ensinam que o pecado é herança do homem desde a hora do seu nascimento e, portanto, está presente na natureza humana tão cedo que não há possibilidade de ser considerado como resultado de imitação, Sl 51.5; Jó 14.4; Jo 3.6. Em Ef 2.3 diz o apóstolo Paulo que os efésios eram “por natureza” filhos da ira, como também os demais”. Nesta passagem a expressão “por natureza”indica uma coisa inata e original, em distinção daquilo que é adquirido. Então, o pecado é uma coisa original, da qual participam todos os homens e que os faz culpados diante de Deus. Além disso, de acordo com a Escritura, a morte sobrevém mesmo aos que nunca exerceram uma escolha pessoal e consciente, Rm 5.12-14. esta passagem implica que o pecado existe no caso de crianças, antes de possuírem discernimento moral. Desde que sucede que as crianças morrem e, portanto, o efeito do pecado está presente na situação delas, é simplesmente natural supor que a causa também está presente. Finalmente, a Escritura ensina também que todos os homens se acham sob condenação e, portanto, necessitam da redenção que há em Cristo Jesus. Nunca se declara que as crianças constituem exceção a essa regra; Cf. As passagens recém-citadas e também Jo 3.3, 5; 1 Jo 5. 12. Não contradizem isto as passagens que atribuem certa justiça ao homem, como Mt 9.12, 13; At 10.35; Rm 2.14; Fp 3.6; 1 Co 1.30, pois esta pode ser a justiça civil, cerimonial ou pactual, a justiça da lei ou a justiça que há em Cristo Jesus. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 235)

A Relação do pecado de Adão com o da Raça

1. NEGAÇÃO DESSA RELAÇÃO. Alguns negam a relação causal do pecado de Adão com a pecaminosidade da raça, total ou parcialmente. a. Os pelagianos e os socinianos negam absolutamente que haja alguma ligação necessária entre o nosso pecado e o de Adão. O primeiro pecado foi de Adão somente, e nada tem a ver com a sua posteridade, de forma alguma. O máximo que eles admitiram é que o mal exemplo de Adão induziu à imitação. b. Os semipelagianos e os mais antigos arminianos ensinam que o homem herdou a incapacidade natural de Adão, mas não é responsável por essa incapacidade, de modo que não se liga a isso nenhuma culpa, e até se pode dizer que, nalguma medida, Deus está na obrigação de prover cura para isso. Os arminianos wesleyanos admitem que essa corrupção inata também envolve culpa. c. A teoria da Nova Escola (New Haven) ensina que o homem nasce com uma tendência inerente para pecar, em virtude da qual a sua preferência moral é invariavelmente errada; mas que essa tendência não pode propriamente ser chamada pecado, dado que, sempre e exclusivamente, o pecado consiste em consciente e intencional transgressão da lei. d. A teologia da crise acentua a solidariedade do pecado na raça humana, mas nega que o pecado se tenha originado num ato de Adão no paraíso. A Queda pertence à pré ou super-história, e já era uma coisa do passado quando o Adão histórico entrou em cena. É o segredo da predestinação de Deus. A narrativa da Queda é um mito. Adão aparece como o tipo de Cristo, tendo-se em conta quanto se possa ver nele que a vida sem pecado é possível em comunhão com Deus. Diz Brunner: “Em Adão todos pecaram – é a afirmação bíblica; mas como? A Bíblia não nos diz isso. A doutrina do pecado original é implantada nela”. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 236)

Teoria Realista

O mais antigo método usado para explicar a relação existente entre o pecado de Adão e a culpa e corrupção de todos os seus descendentes foi a teoria realista. Essa teoria pretende que a natureza constitui uma única unidade, não apenas genérica, mas também numericamente. Adão possuía a natureza humana completa, e nele ela se corrompeu, por ato de apostasia dela em Adão. Individualmente, os homens não são substâncias isoladas, mas, sim, manifestações da mesma substância geral; são numericamente um só. Essa natureza humana universal tornou-se corrupta e culpada em Adão, e, conseqüentemente, cada individualização dela nos descendentes de Adão também é corrupta e culpada desde o inicio da sua existência. Quer dizer que todos os homens pecaram de fato em Adão, antes de ter começo a individualização da natureza humana. Essa teoria foi aceita por alguns dos “pais da igreja” primitivos e por alguns dos escolásticos, e foi defendida mais recentemente pelo dr. Shedd. Contudo, está sujeita a diversas objeções: (1) Descrevendo as almas dos homens como individualizações da substância espiritual geral que estava presente em Adão, parece implicar que a substância da alma é de natureza material, e assim nos larga inevitavelmente nalgum tipo de materialismo. (2) É contrária ao testemunho da consciência e não protege suficientemente os interesses da personalidade humana. Todo homem tem consciência de que é uma personalidade à parte, e, portanto, é muito mais que uma simples onda que passa no oceano geral da existência. (3) Ela não explica por que os descendentes de Adão são responsabilizados somente pelo primeiro pecado dele, e não por seus pecados posteriores, nem pelos pecados de todas as gerações de antepassados subseqüentes a Adão. (4) tampouco essa teoria responde a importante indagação, por que Cristo não foi responsabilizado pela prática fatual do pecado em Adão, pois certamente Ele compartilhou a mesma natureza que pecou de fato em Adão. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 237)

A doutrina da aliança das obras

Esta implica que Adão tinha dupla relação com os seus descendentes, a saber, a de chefe natural da humanidade, e a de chefe representativo de toda a raça humana na aliança das obras. (1) A relação natural. Em sua relação natural, Adão foi o pai de toda a humanidade. Quando foi criado por Deus, estava sujeito a mudança, e não tinha direito legítimo a um estado imutável. Estava obrigado a obedecer a Deus, e esta obediência não lhe dava direito a nenhuma recompensa. Por outro lado, se pecasse, ficaria sujeito à corrupção e ao castigo, mas o pecado seria só dele, e não poderia ser lançado na conta dos seus descendentes. Dabney sustenta que, de acordo com a lei de que os iguais se reproduzem (o igual gera o seu igual), a corrupção de Adão passaria aos seus descendentes. Mas, seja como for – e é útil especular sobre isso – eles não poderiam se responsabilizados por essa corrupção. Não poderiam ser considerados culpados em Adão meramente em virtude da relação natural que havia entre ele e a raça. A apresentação reformada (calvinista) habitual é diferente. (2) A relação pactual. À relação natural de Adão com os seus descendentes, Deus, por Sua graça, acrescentou uma relação pactual composta de vários elementos positivos: (a) Um elemento de representação. Deus ordenou que nessa aliança Adão não estaria só por si próprio, mas como o representante de todos os seus descendentes. Conseqüentemente, ele foi o chefe da raça, não somente num sentido paterno, mas também num sentido federal. (b) Um elemento de prova. Enquanto que, sem essa aliança, Adão e os seus descendentes estariam num continuado estado de prova, em constante risco de pecar, a aliança garantiu que a perseverança persiste por um período fixo de tempo, seria recompensada com o estabelecimento do homem num permanente estado de santidade e bem-aventurança. (c) Um elemento de recompensa ou punição. Segundo os termos da aliança, obteria legítimos direitos à vida eterna, se cumprisse as condições da aliança. E não somente ele, mas também todos os seus descendentes participarem dessa bênção. Portanto, em sua operação normal, as disposições pactuais seriam de incalculável benefício para a humanidade. Mas havia a possibilidade de que o homem desobedecesse, e, nesse caso, os resultados seriam correspondentemente desastrosos. A transgressão do mandamento incluso na aliança redundaria em morte. Adão escolheu o curso da desobediência, corrompeu-se pelo pecado, tornou-se culpado aos olhos de Deus e, como tal, sujeito à sentença de morte. E porque ele era o representante federal da raça, sua desobediência afetou os seus descendentes todos. Em Seu reto juízo, Deus imputa a culpa do primeiro pecado, cometido pelo chefe da aliança, a todos quantos se relacionam federalmente com ele. E, como resultado, nascem também numa condição depravada e pecaminosa, e essa corrupção inerente envolve culpa também. Esta doutrina explica por que somente o primeiro pecado de Adão, e não os seus pecados subseqüentes nem os dos outros antepassados nossos, é-nos imputado, e também salvaguarda a impecabilidade de Jesus, pois Ele não era uma pessoa humana e, portanto, não fazia parte da aliança das obras. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 238)

Teoria da imputação mediata

Essa teoria nega que a culpa do pecado de Adão seja diretamente imputada aos seus descendentes, e apresenta a matéria como segue: Os descendentes de Adão herdam dele a sua corrupção inata por um processo de geração natural, e somente com base na depravação inerente que eles compartem com ele, são considerados culpados da apostasia dele. Não nascem corruptos porque são culpados em Adão, mas são considerados culpados porque são corruptos. Sua condição não se baseia em sua posição legal, mas a sua posição legal se baseia em sua condição. Essa teoria, defendida primeiramente por Placeus, foi adotada por Vitringa e Venema, ambos juniores, por vários teólogos da Nova Inglaterra e pro alguns teólogos da Escola Nova, da Igreja Presbiteriana. Essa teoria é objetável por diversas razões: (1) Uma coisa não pode ser mediada por suas próprias conseqüências. A depravação inerente com a qual nascem os descendentes de Adão já é resultado do pecado de Adão e, portanto, não pode ser considerada como a base sobre a qual são culpados do pecado de Adão. (2) Ela não oferece base objetiva nenhuma para a transmissão da culpa e depravação de Adão e todos os seus descendentes. Mas é preciso que haja uma base legal objetiva para isso. (3) Se essa teoria fosse coerente, teria que ensinar a imputação mediata dos pecados de todas as gerações precedentes às subseqüentes, pois a sua corrupção conjunta é transmitida por geração. (4) Ela parte, ainda, do pressuposto de que é possível haver corrupção moral que não é culpa ao mesmo tempo, corrupção que não torna a pessoa passível de punição. (5) E, finalmente, se a corrupção inerente, que está presente nos descendentes de Adão, pode ser considerada como a base legal para a explicação de alguma outra coisa, já não há necessidade de nenhuma imputação mediata. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof – Pg. 238)

terça-feira, 4 de junho de 2013

O PECADO ORIGINAL

O estado e condição de pecado em que os homens nascem é designado na teologia pelo nome de peccatun originale, literalmente traduzido por “pecado original”. Esta expressão é melhor que o nome holandês “erfzonde”, visto que este último, estritamente falando, não cobre tudo quanto pertence ao pecado original. Não é um apropriado designativo da culpa original, pois esta não é herdada, mas, sim, é-nos imputada. Chama-se “pecado original” (1) porque é derivado da raiz original da raça humana; (2) porque está presente na vida de todo e qualquer indivíduo, desde a hora do seu nascimento e, portanto, não pode ser considerado como resultado de imitação; (3) porque é a raiz interna de todos os pecados concretizados que corrompem a vida do homem. Devemos estar vigilantes contra o erro de pensar que a expressão implica, de alguma forma, que o pecado por ela designado pertence à constituição original da natureza humana, o que implicaria que Deus criou o homem já na condição de pecador. RESENHA HISTÓRICA. Os escritos dos primeiros “pais da igreja” não contém nada que seja muito definido a respeito do pecado original. Segundo os “pais” gregos, há uma corrupção física da raça humana, corrupção derivada de Adão, mas esta não constitui pecado e não envolve culpa. A liberdade da vontade não foi afetada diretamente pela Queda, mas só indiretamente, pela corrupção física herdada. A tendência patente na igreja grega culminou finalmente no pelagianismo, que negava absolutamente o pecado original. Na igreja latina apareceu uma tendência diversa, especialmente em Tertuliano, de acordo com o qual a propagação da alma envolve a propagação do pecado. Ele considerava o pecado original como uma mancha ou corrupção hereditária e pecaminosa, que não excluía a presença de algum bem no homem. Ambrósio foi além de Tertuliano, considerando o pecado original como um estado e distinguindo entre a corrupção inata e a resultante culpa do homem. O livre arbítrio do homem foi enfraquecido pela Queda. Foi especialmente em Agostinho que a doutrina do pecado original alcançou desenvolvimento mais completo. Segundo ele, a natureza do homem, tanto física como moral, é totalmente corrompida pelo pecado de Adão, de modo que ele não pode deixar de pecar. Essa corrupção ou esse pecado original herdado é um castigo moral pelo pecado de Adão. A qualidade da natureza do homem é tal que, em seu estado natural, ele só pode e só quer praticar o mal. Em virtude desse pecado, o homem já está debaixo de condenação. Não é apenas corrupção, mas também culpa. O semipelagiano reagiu contra o absolutismo do conceito agostiniano. Admita que a raça humana toda está envolvida na queda de Adão, que a natureza humana está contaminada pelo pecado hereditário, e que todos os homens são, por natureza, propensos ao mal e incapazes, sem a graça de Deus, de consumar qualquer boa obra; mas negava a depravação total do homem, a culpa do pecado original e a perda da liberdade da vontade. Este veio a ser o conceito predominante durante a Idade Média, embora houvesse alguns escolásticos proeminentes que, de modo geral, eram agostinianos em sua conceituação do pecado original. O conceito que Anselmo tinha do pecado original estava em completa harmonia com o de Agostinho. Segundo esse conceito, o pecado original consiste da culpa da natureza (a natureza da raça humana inteira), contraída por um único ato de Adão, e da resultante e inerente corrupção da natureza humana, transmitida à posteridade e se manifestando numa tendência para pecar. Esse pecado envolve também a perda do poder de autodeterminação rumo à santidade (liberdade material da vontade), e faz do homem um escravo do pecado. A opinião predominante entre os escolásticos era que o pecado original não é uma coisa positiva, mas , antes, a ausência de algo que devia estar presente, em particular a privação da justiça original, conquanto alguns acrescentassem um elemento positivo, a saber, uma inclinação para o mal. Tomaz de Aquino sustentava que o pecado original, considerando em seu elemento material, é concupiscência, mas considerado em seu elemento formal, é a privação da justiça original. Há uma dissolução d harmonia na qual a justiça original consistia, e, neste sentido, o pecado original pode ser descrito como um amolecimento da natureza. Falando em termos gerais, os reformadores estavam de acordo com Agostinho, embora Calvino diferisse dele, especialmente em dois pontos, acentuando o fato de que o pecado não é uma coisa puramente negativa, e que não se limita à natureza sensorial e emocional do homem. Na época da Reforma, os socinianos seguiam os pelagianos, em sua negação do pecado original, e no século dezessete os arminianos romperam com a fé reformada e aceitaram o conceito semipelagiano do pecado original. Desde aquele tempo, várias nuanças de opinião forma defendidas nas igrejas protestantes, tanto da Europa como da América. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 241)

A culpa original

A palavra “culpa” expressa a relação que há entre o pecado e a justiça, ou, como o colocam os teólogos mais antigos, e a penalidade da lei. Quem é culpado está numa relação penal com a lei. Podemos falar da culpa em dois sentidos, a saber, como reatus culpae (réu convicto) e como reatus poenae (réu passível de condenação). A primeira, que Turretino chama de “culpa potencial”, é o demérito moral de um ato ou estado. Essa culpa é da essência do pecado e é uma parte inseparável da sua pecaminosidade. Prende-se somente aos que praticam pessoalmente ações pecaminosas, e prende-se a eles permanentemente. Não pode ser removida pelo perdão, não é removida pela justificação baseada nos méritos de Jesus Cristo, e muito menos pelo perdão puro e simples. Os pecados do homem são inerentemente merecedores de males, mesmo depois que ele foi justificado. Neste sentido, a culpa não pode ser transferida de uma pessoa para outra. O sentido habitual, porem, em que falamos de culpa na teologia, é o de reatus poenae. Com isto se quer dizer merecimento de punição, ou obrigação de prestar satisfação à justiça de Deus pela violação da lei, feita por determinação pessoal. Neste sentido, a culpa não faz parte da essência do pecado, mas é, antes, uma relação com a sanção penal da lei. Se não houvesse nenhuma sanção ligada à inobservância das relações morais, todo abandono da lei seria pecado, mas não envolveria sujeição. Neste sentido, a culpa pode ser removida pela satisfação da justiça, pessoal ou vicariamente. Pode ser transferida de uma pessoa para outra, ou pode ser assumida por uma pessoa em lugar de outra. É retirada dos crentes pela justificação, de modo que os seus pecados, embora merecedores de condenação, não os tornam sujeitos ao castigo. Os semipelagianos e os mais antigos arminianos, ou “remonstrantes”, negavam que o pecado original envolve culpa. A culpa do pecado de Adão, cometido por ele na qualidade de chefe federal da raça humana, é imputada a todos os seus descendentes. Isso é evidenciado pelo fato de que, com a Bíblia ensina, a morte, como castigo do pecado, passou de Adão a todos os seus descendentes: Rm 5.12-19; Ef 2.3; 1 Co 15.22. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 242)

Corrupção original

A corrupção original inclui duas coisas, a saber, a ausência da justiça original e a presença do mal positivo. Deve-se notar: (1) Que a corrupção original não é apenas uma moléstia, como a descrevem alguns dos “pais” gregos e os arminianos, mas, sim, pecado, no sentido real da palavra. A culpa está ligada ao pecado; quem nega isto não tem uma concepção bíblica da corrupção original. (2) Que não se deve considerar essa corrupção como uma substancia infundida na alma humana, nem como uma mudança da substancia no sentido metafísico da palavra. Este foi o erro dos maniqueus, e de Flacius Illyricus nos dias da Reforma. Se a substancia da alma fosse pecaminosa, seria substituída por uma nova substancia na regeneração; mas não é o que acontece. (3) Que não é mera privação. Em sua polemica com os maniqueus, Agostinho não somente negava que o pecado era uma substancia, mas também afirmava que era apenas uma privação. Chamava-lhe privatio boni (privação do bem). Mas o pecado original não é somente negativo; é também uma disposição positiva para o pecado. A corrupção original pode ser examinada em mais de uma perspectiva, a saber, como depravação total e como incapacidade total. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 242)

Depravação total

Em vista do seu caráter impregnante,a corrupção herdada toma o nome de depravação total. Muitas vezes esta frase é mal compreendida, e, portanto, requer cuidadosa discriminação. Negativamente,não implica: (1) que todo homem é tão completamente depravado como poderia chegar a ser; (2) que o pecado não tem nenhum conhecimento inato de Deus, nem tampouco tem uma consciência que discerne entre o bem e o mal; (3) que o homem pecador raramente admira o caráter e os atos virtuosos dos outros, ou que é incapaz de afetos e atos desinteressados em suas relações com os seus semelhantes; nem (4) que todos os homens não regenerados, em virtude da sua pecaminosidade inerente, se entregarão a todas as formas de pecado: muitas vezes acontece que uma forma de pecado exclui outra. Positivamente, a expressão “depravação total” indica: (1) que a corrupção inerente abrange todas as partes da natureza do homem, todas as faculdades e poderes da alma e do corpo; e (2) que absolutamente não há no pecador bem espiritual algum, isto é, bem com relação a Deus, mas somente perversão. Esta depravação total é negada pelos pelagianos, pelo socinianos e pelos arminianos do século dezessete, mas é ensinada claramente na Escritura, Jô 5.42; Rm 7.18, 23; 8.7; Ef 4.18; 2 Tm 3.2-4; Tg 1.15; Hb 3.12. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 242)

Incapacidade total

Com respeito ao seu efeito sobre os pecadores espirituais do homem, a corrupção original herdada toma o nome de incapacidade total. Aqui, de novo, é necessário fazer adequada distinção. Na atribuição de incapacidade total à natureza do homem, não queremos dizer que lhe é impossível fazer o bem em todo e qualquer sentido da palavra. Os teólogos reformados (calvinistas) geralmente dizem que ele ainda é capaz de realizar: (1) o bem natural; (2) o bem civil ou a justiça civil; e (3) exatamente, o bem religioso. Admite-se que o mesmo o não regenerado possui alguma virtude, a qual se revela nas relações da vida social, em muitos atos e sentimentos que merecem a sincera aprovação e gratidão dos seus semelhantes, e que ate encontram a aprovação de Deus, até certo ponto. Ao mesmo tempo, afirma-se que esses mesmo atos e sentimentos, quando considerados em relação a Deus, são radicalmente defeituosos. Seu defeito fatal é que não são motivados pelo amor a Deus, nem pela consideração de que a vontade de Deus os exige. Quando falamos da corrupção do homem em termos de incapacidade total, queremos dizer duas coisas: (1) que o pecador não regenerado não pode praticar nenhum ato, por insignificante que seja, que fundamentalmente obtenha a aprovação de Deus e corresponda às exigências da santa lei de Deus; e (2) que ele não pode mudar a sua preferência fundamental pelo pecado e por isso mesmo, trocando-a pelo amor a Deus; não pode sequer fazer algo que se aproxime de tal mudança. Numa palavra, ele é incapaz de fazer qualquer bem espiritual. Há abundante suporte bíblico para esta doutrina: Jô 1.13; 3.5; 6.44; 8.34; 15.4, 5; Rm 7.18, 24; 8.7, 8; 1 Co 2.14; 2 Co 3.5; Ef 2.1, 8-10; Hb 11.6. Todavia, os pelagianos acreditam na plena capacidade do homem, negando que as suas faculdades morais foram prejudicadas pelo pecado. Os arminianos falam de uma capacidade advinda da graça, porque acreditam que Deus infunde a Sua graça comum a todos os homens, capacitando-os à conversão a Deus e à fé. Os teólogos da Nova Escola atribuem ao homem uma capacidade natural, distinta de uma capacidade moral, distinção copiada da grande obra de Edward, Sobre a Vontade (On the Will). O sentido do seu ensino é que o homem, em seu estado decaído, continua de posse de todas as faculdades naturais que se requerem para a realização de algum bem espiritual (intelecto, vontade etc.), mas lhe falta capacidade moral, isto é, a capacidade de dar apropriada direção àquelas faculdades, direção agradável a Deus. A distinção em foco é apresentada com o fim de salientar o fato de que o homem é voluntariamente pecaminoso, e bem que se pode dar ênfase a isto. Mas os teólogos da Nova Escola afirmam que o homem seria capaz de praticar o bem espiritual se tão somente quisesse faze-lo. Significa que a “capacidade natural” da qual eles falam é, afinal de contas, capacidade para praticar verdadeiro bem espiritual. Pode-se dizer em geral que a distinção feita entre a capacidade natural e a capacidade moral não é desejável, pois: (1) não tem base na Escritura, a qual ensina que o homem não é capaz de fazer p que dele se requer; (2) essa distinção é essencialmente ambígua e enganosa: a posse das faculdades requeridas para a realização do bem espiritual não constitui ainda uma capacidade para realiza-lo; (3) “natural” não é uma antítese apropriada de “moral”, pois uma coisa pode ser natural e moral ao mesmo tempo; e a incapacidade do homem também é natural num sentido importante, a saber, no sentido de ser própria da sua natureza no presente estado desta como propagada naturalmente; e (4) a linguagem não expressa com precisão a importante distinção pretendida; o que se quer dizer é que é moral, e não física nem constitucional; tem sua base, não na falta de alguma faculdade, mas no estado moral corrupto das faculdades e da disposição do coração. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 244)

O PECADO ORIGINAL E A LIBERDADE HUMANA

No contexto da doutrina da incapacidade total do homem, naturalmente surge a questão se, então, o pecado também envolve a perda da liberdade, ou daquilo a que geralmente chama liberum arbitrium – livre arbítrio, vontade livre. Esta questão deve ser respondida com discriminação pois, colocada desta maneira geral, pode ser respondida negativa e positivamente. Em certo sentido, o homem perdeu a sua liberdade; noutro sentido, n!ao a perdeu. Há uma certa liberdade que é possessão inalienável de um agente livre, a saber, a liberdade de escolher o que lhe agrada, em pleno acordo com as disposições e tendências predominantes da sua alma. O homem não perdeu nenhum das faculdades constitucionais necessárias para constituí-lo um agente moral responsável. Ele ainda possui razão, consciência e a liberdade de escolha. Ele tem capacidade para adquirir conhecimento e para sentir e reconhecer distinções e obrigações morais; e os seus afetos, tendências e ações são espontâneos, de sorte que ele escolhe e recusa conforme ache que o objeto de exame lhe sirva ou não. Além disso, ele tem a capacidade de apreciar e de fazer muitas coisas que são boas e amáveis, benévolas e justas, nas relações que ele mantém com os seus semelhantes. Mas o homem perdeu a sua liberdade material, isto é, o poder racional de determinar o procedimento, rumo ao bem supremo, que esteja em harmonia com a constituição moral original da sua natureza. O homem tem, por sua natureza, uma irresistível inclinação para o mal. Ele não é capaz de compreender e de amar a excelência espiritual, de procurar e realizar coisas espirituais, as coisas de Deus, que pertencem à salvação.Esta posição, que é agostiniana e calvinista, é peremptoriamente contraditada pelo pelagianismo e pelo socianismo e, em parte, também pelo semipelagianismo e pelo arminianismo. O liberalismo modernista, que é essencialmente pelagiano, julga a doutrina de que o homem perdeu a capacidade de determinar sua vida em direção à real justiça e santidade, altamente ofensiva, e se vangloria da capacidade do homem, de escolher e fazer o que é reto e bom. Por outro lado, a teologia dialética (o bartianismo) reafirma vigorosamente a completa incapacidade do homem, de fazer sequer o mais leve movimento em direção a Deus. O pecador é escravo do pecado e não tem a menor possibilidade de tomar a direção oposta. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 244)

A TEOLOGIA DA CRISE E O PECADO ORIGINAL

Talvez seja bom, nesta altura, definir abreviadamente a posição da teologia da Crise, ou do bartianismo, com relação à doutrina do pecado original. Walter Lowrie diz corretamente: “Barth tem muito que dizer sobre a Queda – mas nada sabe do ‘pecado original’. Que o homem é um ser decaído, podemos ver com clareza; mas a Queda não é um evento para o qual podemos apontar, na história; pertence decididamente à pré-história, à Urgeschichte, num sentido metafísico”. Brunner tem algo que dizer sobre isso em sua obra sobre O Homem em Revolta (Man in Revolt). Ele não aceita a doutrina do pecado original no sentido tradicional e eclesiástico da expressão. O primeiro pecado de Adão não podia ser lançado na conta de todos os seus descendentes, e não foi; tampouco rendou esse pecado num estado pecaminoso, que passou à sua posteridade e que atualmente é a frutífera raiz de todo pecado real e concreto. “Jamais o pecado é um estado, mas é sempre um ato. Mesmo ser um pecador não é um estado, mas, sim, um ato, porque é ser uma pessoa”. Na opinião de Brunner, o conceito tradicional contém um indesejável elemento de determinismo, e não salvaguarda a responsabilidade do homem. Mas a sua rejeição salienta acertadamente a solidariedade da raça humana quanto ao pecado, e a transmissão “da natureza espiritual, do ‘caráter’, dos pais aos filhos”. Contudo, ele busca a explicação da universalidade do pecado noutra coisa que não o “pecado original”. O homem que Deus criou não era simplesmente um homem só, mas uma pessoa responsável, criada em ligação comunitária com outras pessoas e para viver comunitariamente. O indivíduo isolado não passa de uma abstração. “na criação nós somos uma unidade individualizada e articulada, um corpo com muitos membros.” Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele. Prosseguindo, diz ele: “Se a nossa origem é isso, nossa oposição a esta origem não pode ser uma experiência, um ato, do individuo como tal... Certamente cada indivíduo é um pecador como um indivíduo; mas, ao mesmo tempo ele é o todo em sua solidariedade unida, o corpo, a humanidade real e completa.” Portanto, houve solidariedade quando o homem pecou; a raça humana caiu e se afastou de Deus; mas pertence à própria natureza do pecado negarmos nós esta solidariedade no pecado. O resultado desse pecado inicial é que agora o homem é pecador; mas o fato de que o homem agora é pecador não deve ser considerado como a causa das suas ações pecaminosas individuais. Não se pode admitir essa relação causal, pois todo pecado que o homem comete é uma nova decisão contra Deus. A declaração de que o homem é pecador não significa que ele se acha num estado ou condição de pecado, mas, sim, que ele está de fato engajado numa rebelião contra Deus. Como Adão, nós também nos afastamos de Deus, e “aquele que comete esta apostasia não pode senão repeti-la continuadamente, não porque se lhe tornou um hábito, mas porque este é o caráter distintivo deste ato”. O homem não pode inverter o curso, mas continua a pecar, sem parar. A Bíblia nunca fala do pecado, senão como o ato de afastar-se de Deus. “Mas no próprio conceito de ‘ser pecador’. Este ato é concebido como um ato que determina a existência completa do homem.” Nessa descrição há muita coisa que lembra a descrição realista de Tomaz de Aquino. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 246)

OBJEÇÕES À DOUTRINA DA DEPRAVAÇÃO TOTAL E DA INCAPACIDADE TOTAL

a. É incoerente com a obrigação moral. A mais óbvia e a mais plausível objeção à doutrina da depravação total e da incapacidade total é a de que ela é incoerente com a obrigação moral. Diz-se que não se pode responsabilizar com justiça o homem por uma coisa para a qual ele não tem a capacidade requerida. Mas a implicação geral este princípio é uma falácia. Ele pode ser mantido nos caos de incapacidade resultante de uma limitação imposta por Deus à natureza do homem; mas certamente não se aplica na esfera da moralidade e da religião, como já foi exposto no item anterior. Não devemos esquecer-nos de que a incapacidade que aqui está sendo examinada é auto-imposta, tem origem moral e não se deve a nenhuma limitação que Deus tenha imposto ao homem. O homem é incapaz como resultado da escolha pervertida que fez em Adão. b. Ela retira todos os motivos para o esforço. Uma segunda objeção alega que esta doutrina elimina todos os motivos para o esforço humano e destrói todas as bases racionais para a utilização dos meios de graça. Se sabemos que não conseguiremos levar a efeito um determinado fim, por que havemos de utilizar os meios recomendados para a sua realização? Pois bem, é perfeitamente certo que o pecador iluminado pelo Espírito Santo e verdadeiramente cônscio da sua incapacidade natural, renuncia à justiça das obras. E é Isso exatamente o necessário. Mas isso não vale para o homem natural, pis ele é totalmente dominado pela justiça própria. Além disso, não é verdade que a doutrina da incapacidade tende naturalmente a fomentar a negligência no uso dos meios de graça ordenados por Deus. Com base neste princípio, o agricultor também poderia dizer: não posso produzir uma colheita; por que devo cultivar as minhas terras? Mas isto seria loucura total. Em todos os departamentos da atividade humana, o resultado depende da cooperação de causas sobre as quais o homem não tem domínio. As bases escriturísticas para o emprego dos meios permanece: Deus manda empregar meios; os meios ordenados por Deus são adaptados ao fim colimado; ordinariamente o fim não é atingido, exceto pelo uso dos meios designados; e Deus prometeu a utilização desses meios. c. Favorece o atraso da conversão. Afirma-se também que esta doutrina favorece o atraso da conversão. Se o homem crer que não poderá mudar o seu coração, que não poderá arrepender-se e crer no Evangelho, achará que pode aguardar passivamente a ocasião em que Deus agrade mudar a direção da sua vida. Ora, pode haver, e a experiência ensina que há, alguns que de fato adotam essa atitude; mas em regra o efeito da doutrina em foco é completamente diferente. Se os pecadores, para os quais o pecado veio a ser muito querido, estivessem cônscios do seu poder de mudar as suas vidas quando quisessem, seriam tentados a deixar essa mudança para o último momento. Mas, se a pessoa estiver cônscia do fato de que essa realização tão desejável está fora dos limites das suas forças, instintivamente procurará auxílio de fora. O pecador que pensa deste modo, quanto à sua salvação, procurará a ajuda do grande Médico da alma, reconhecendo assim a sua própria incapacidade. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 247)

O Pecado Fatual

Os católicos romanos e aos arminianos menosprezaram a idéia do pecado original e, depois, desenvolveram doutrinas como a da purificação do pecado original (se bem que não só desse) pelo batismo e pela graça suficiente, pelo que fica muito obscurecida a sua gravidade. A ênfase é data clara e completamente aos pecados atuais. Os pelagianos, os socinianos, os teólogos modernistas – e, por estranho que pareça – também a Teologia da Crise, só reconhecem os pecados atuais. Deve-se dizer, porém, que esta teologia fala do pecado igualmente no singular e no plural, isto é, ela reconhece a solidariedade no pecado, não reconhecida por alguns dos outros. A teologia reformada (calvinista) sempre reconheceu devidamente o pecado original e sua relação com os pecados atuais. RELAÇÃO ENTRE O PECADO ORIGINAL E O PECADO FATUAL. Aquele originou-se num ato livre de Adão como o representante da raça humana, numa transgressão da lei de Deus e numa corrupção da natureza humana, tornando-se sujeito à punição de Deus. Aos olhos de Deus, o pecado de Adão foi o pecado de todos os seus descendentes, de modo que eles nascem como pecadores, isto é, num estado de culpa e numa condição corrupta. O pecado original tanto é um estado como uma qualidade inerente à corrupção do homem. Todo homem é culpado em Adão e, conseqüentemente, nasce com uma natureza depravada e corrupta. E esta corrupção interna é a fonte poluída de todos os pecados atuais. Quando falamos de pecado fatual, ou peccatum actuale, empregamos a palavra “fatual” ou “actuale” num sentido compreensivo. A expressão “pecados fatuais” não indica apenas as ações externas praticadas por meio do corpo, mas também todos os pensamentos e volições conscientes que decorrem do pecado original. São os pecados individuais expressos em atos, diversamente da natureza e inclinação herdada. O pecado original é somente um; o pecado fatual é múltiplo. Os pecados fatuais podem ser interiores, como no caso de uma dúvida consciente e particular, ou de um mau desígnio sediado na mente, ou de uma cobiça consciente e particular do coração; mas também podem ser exteriores, como a fraude, o furto, o adultério, o assassínio etc. Enquanto que a existência do pecado original tem-se defrontado com a sua negação amplamente generalizada, a presença do pecado fatual na vida do homem geralmente é admitida. Contudo, isso não quer dizer que as pessoas sempre tiveram consciência igualmente profunda de pecado. Hoje em dia ouvimos falar muito da “perda do sentimento de pecado”, embora os modernistas se apressem a garantir-nos que, enquanto perdemos o senso ou sentimento de pecado, adquirimos os senso ou sentimento dos pecados; no plural, isto é, de pecados fatuais definidos. Mas n!ao há duvida de que, numa alarmante extensão, as pessoas perderam o senso da hediondez do pecado, cometido contra um Deus santo, e mormente o consideram mera infração dos direitos do próximo. Deixam de ver que o pecado é um poder fatal em suas vidas, poder que a cada passo incita os seus espíritos rebeldes, torna-os culpados diante de Deus e os coloca debaixo de uma sentença de condenação. Um dos méritos da Teologia da Crise é que ela chama de novo a atenção para a gravidade do pecado como revolta contra Deus, como uma revolucionária tentativa de ser como Deus. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 248)

CLASSIFICAÇÃO DOS PECADOS FATUAIS

É impossível dar uma classificação uns e compreensiva dos pecados fatuais. Eles variam em grau e em espécie, e podem ser diferenciados segundo mais de um ponto de vista. Os católicos romanos fazem a conhecida distinção entre pecados veniais e pecados mortais, mas admitem que é extremamente difícil e perigoso decidir se um pecado é mortal ou venial. Eles foram levados a essa distinção pela afirmação de Paulo em Gl 5.21, de que “não herdarão o reino de Deus os que tais cousas (enumeradas pelo apóstolo) praticam”. A pessoa comete um pecado mortal quando viola voluntariamente a lei de Deus em matéria que ela acredita ou sabe que é importante. Isso torna o pecador passível de castigo eterno. E a pessoa comete pecado venial quando transgride a lei de Deus em matéria de importância não grave, ou quando a transgressão não é inteiramente voluntária. Tal pecado é perdoado com maior facilidade, e até mesmo sem confissão. O perdão pelos pecados mortais só pode ser obtido pelo sacramento da penitência. A distinção não é bíblica, pois, de acordo com a Escritura, todo pecado é essencialmente anomia (falta de retidão; falta de obediência à lei), e merece punição eterna. Alem disso, tem efeito deletério na vida pratica, desde que gera um sentimento de incerteza, às vezes um sentimento de medo mórbido, por um lado, ou de negligencia insegura, por outro. A Bíblia não distingue diferentes tipos de pecados, especialmente com relação aos diferentes graus de culpa ligada a eles. O Velho Testamento faz uma importante distinção entre pecados cometidos atrevidamente (“`a mão levantada”*), e pecados cometidos sem premeditação, isto é, como resultado de ignorância, fraqueza ou erro, Nm 15.29-31. Os primeiros não podiam ser expiados por sacrifícios e eram punidos com grande severidade, enquanto que os últimos podiam ser expiados sacrificialmente e eram punidos com muito maior brandura. O principio fundamental encarnado nessa distinção ainda é aplicável. Os pecados cometidos de propósito, com plena consciência do mal envolvido, e com deliberação, são maiores e mais condenáveis do que os pecados resultantes de ignorância, de uma concepção errônea das coisas, ou da fraqueza de caráter. Não obstante, estes também são pecados reais e tornam a pessoa culpada aos olhos de Deus, Gl 6.1; Ef 4.18; 1 Tm 1.13; 5.24. O Novo Testamento nos ensina com maior clareza que o grau do pecado é em grande medida determinado pelo grau de luz que o pecador possua. Os pagãos são deveras culpados, mas os que têm a revelação de Deus e gozam os privilégios do ministério do Evangelho são muito mais culpados. Mt 10.15; Lc 12.47, 48; 23.34; Jo 19.11; At 17.30; Rm 1.32; 2.12; 1 Tm 1.13, 15, 16. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 248)

O PECADO IMPERDOÁVEL

Diversas passagens da Escritura falam de um pecado que não pode ser perdoado, após o qual é impossível a mudança do coração e pelo qual não é necessário orar. É geralmente conhecido como pecado ou blasfêmia contra o Espírito Santo. O Salvador fala explicitamente dele em Mt 12.31, 32 e passagens paralelas; e em geral se pensa que Hb 6.4-6; 10.26, 27 e 1 Jo 5.16 também se referem a esse pecado. a. Opiniões sem fundamento, a respeito desse pecado. Tem havido grande variedade de opinião sobre a natureza do pecado imperdoável. (1) Jerônimo e Crisóstomo consideravam-no um pecado que só podia ser cometido durante a estada de Cristo na terra, e sustentavam que ele foi cometido pelos que estavam convencidos em seus corações de que Cristo realizava os Seus milagres pelo poder do Espírito Santo, mas, a despeito da sua convicção, recusaram reconhecer esses milagres como tais e os atribuíram à operação de Satanás. Contudo, esta limitação é inteiramente destituída de fundamento, como as passagens de Hebreus e 1 João parecem provar. (2) Agostinho, os dogmáticos da Igreja Luterana, de linha de Melanchton, e uns poucos teólogos escoceses (Guthrie, Chalmers) entendiam que o pecado imperdoável consiste de impoenitentia finalis, isto é, impenitência obstinada até o fim. Um conceito relacionado com esse é o expresso por alguns nos dias atuais, de que consiste de incredulidade persistente, uma recusa até o fim a aceitar Jesus Cristo pela fé. Mas, supondo-se isso, seguir-se-ia que todos os que morreram num estado de impenitência e descrença cometeram esse pecado, enquanto que, segundo a Escritura, ele tem que ser uma coisa de natureza muito especifica. (3) Em relação com a sua negação da perseverança dos santos, os teólogos luteranos mais recentes ensinavam que somente as pessoas regeneradas poderiam cometer esse pecado, e procuravam apoio para essa idéia em Hb 6.4-6. Mas esta posição é antibíblica, e os Cânones de Dort rejeitam, entre outros, também o erro dos que ensinam que os regenerados podem cometer pecado contra o Espírito Santo. b. A concepção reformada (calvinista) desse pecado. O titulo “pecado contra o Espírito Santo” é demasiado geral, pois também há pecados contra o Espírito Santo que são perdoáveis, Ef. 4.30. A Bíblia fala mais especialmente de “falar contra o Espírito Santo”, Mt 12.32; Mc 3.29; Lc 12.10. Evidentemente, é um pecado cometido durante a presente vida, pecado que torna impossíveis a conversão e o perdão. O pecado consiste na rejeição e calúnia consciente, maldosa e voluntária, e isso contra as evidências e respectiva convicção do testemunho do Espírito Santo a respeito da graça de Deus em Cristo, atribuindo-o, por ódio ou inimizade, ao príncipe das trevas. Isto pressupõe, objetivamente, uma revelação da graça de Deus em Cristo, numa poderosa operação do Espírito Santo; e, subjetivamente, uma iluminação e convicção intelectual tão forte e poderosa que impossibilita uma franca negação da verdade. E, depois, o pecado mesmo consiste, não em duvidar da verdade, nem numa simples negação dela, mas sim numa contradição dela que vai contra a convicção da mente, a iluminação da consciência, e até mesmo contra o veredicto do coração. Ao cometer esse pecado, o homem atribui voluntária, maldosa e intencionalmente o que se reconhece claramente como obra de Deus à influencia e operação de Satanás. Não é nada menos que uma difamação do Espírito Santo, uma audaciosa declaração de que o Espírito Santo é o espírito do abismo, que a verdade é mentira e que Cristo é Satanás. Não é tanto um pecado contra a pessoa do Espírito Santo, como contra a Sua obra oficial que consiste em revelar, tanto objetiva como subjetivamente, a graça e a gloria de Deus em Cristo. A raiz desse pecado é o consciente e deliberado ódio a Deus e a tudo quanto se reconhece como divino. É imperdoável, não porque a sua culpa transcende os méritos de Cristo, ou porque o pecador esteja fora do alcance do poder renovador do Espírito Santo, mas, sim porque há também no mundo de pecado certas leis e ordenanças estabelecidas por Deus e por Ele mantidas. E, no caso desse pecado particular, a lei é que ele exclui toda a possibilidade de arrependimento, cauteriza a consciência, endurece o pecador e, assim, torna imperdoável o pecado. Daí, nos que cometeram esse pecado podemos esperar ver um pronunciado ódio a Deus, uma atitude desafiadora para com Ele e para com tudo quanto é divino, um prazer em ridicularizar e difamar aquilo que é santo, e um desinteresse absoluto quanto ao bem-estar da alma e à vida futura. Em vista do fato de que esse pecado não é seguido pelo arrependimento, podemos estar razoavelmente seguros de que os que receiam havê-lo cometido e se preocupam com isso, e desejam as orações doutras pessoas por eles, não o cometeram. c. Observações sobre as passagens das epístolas que falam disto. Exceto nos evangelhos, esse pecado não é mencionado nominalmente na Bíblia. Assim, surge a questão, se as passagens de Hb 6.4-6; 10.26, 27, 29 e 1 Jo 5.16 também se referem a ele. Pois bem, é mais que evidente que elas falam de um pecado imperdoável; e porque Jesus diz em Mt 12.31, “por isso vos declaro: Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada”, indicando com isso que só existe um pecado imperdoável, é simplesmente razoável pensar que essas passagens se referem ao mesmo pecado. Deve-se notar, porém, que Hebreus 6 fala de uma forma específica desse pecado, forma que só poderia ocorrer na era apostólica, quando o Espírito se revelava com dons e poderes extraordinários. O fato de que nem sempre se teve isto em mente, muitas vezes levou à errônea opinião de que esta passagem, com as suas expressões desusadamente fortes, refere-se a pessoas que de fato foram regeneradas pelo Espírito de Deus. Mas, embora Hb 6.4-6 fale de experiências que transcendem as da fé temporal e comum, não atestam necessariamente a presença da graça regeneradora no coração. QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Que objeções são levantadas à idéia da chefia federal de Adão? 2. Que base escriturística há para a imputação do pecado de Adão aos seus descendentes? 3. A teoria da imputação mediata, de Placeus, tinha algum tipo de ligação com o conceito de expiação universal, de Amiraldo? 4. Que objeção Dabney faz à doutrina da imputação imediata? 5. A doutrina do mal herdado é igual à doutrina do pecado original, e, se não, como diferem? 6. Como os pelagianos, os semipelagianos e os arminianos diferem no modo de conceituar o pecado original? 7. Como a doutrina do pecado original afeta a doutrina da salvação das crianças? 8. A Bíblia ensina que a pessoa pode perder-se como puro e simples resultado do pecado original? 9. Qual a relação entre a doutrina do pecado original e a da regeneração batismal? 10. Que é feito da doutrina do pecado original na teologia modernista? 11. Como você explica a negação do pecado original na teologia bartiana? 12. Você pode mencionar algumas classes adicionais dos pecados fatuais? BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm III, p. 61-120; III, Kuyper, Dict. Dogm., De Peccato, p. 36- 50, 119-144; Vos, Geref. Dogm. II, p.31-76; Hodge, Syst. Theol. II, p. 192-308; MacPherson, Chr. Dogm., p. 242-526; Dabney, Syst. And Polem. Theol , p 321-351; Litton, Intro. To Dogm. Theol., p. 136-174; Schmid, Doct. Theol. Of the Ev. Luth. Ch., p. 242-276; Valentine, Chr. Theol. I, p.420-476; Pope, Chr. Theol. II, p. 47-86; Raymond, Syst. Theol. II, p. 64-172; Wilmers, Handbook of the Che. Religion, p. 235-238; Mackintosh, Christianity and Sin, cf. Index; Girardeau, The Will in its Theological Relations; Wiggers, Augustinism and Pelagianism; Candlish, The Bibl. Doct. Of Sin, p. 90-128, Brinner, Man in Revolt, p. 114-166. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 251)

A Punição do Pecado

O pecado é coisa muito séria, e é levado a sério por Deus, embora os homens muitas vezes o tratem ligeiramente. Não é somente uma transgressão da lei de Deus; é também u ataque ao grande Legislador, uma revolta contra Deus. É uma infração da inviolável justiça de Deus, que é o fundamento do Seu trono (Sal 97.2), e uma afronta à imaculada santidade de Deus, que requer que sejamos santos em toda a nossa maneira de viver (1 Pe 1.16). em vista disso, é simplesmente natural que Deus visite o pecado com punição. Numa palavra de fundamental significação, diz Ele: “Eu sou o Senhor teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem”, Ex 20.5. A Bíblia atesta abundantemente o fato de que Deus pune o pecado, nesta vida e na vida por vir. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 252)

Punições Naturais e positivas

Uma distinção muito comum aplicada às punições pelo pecado é entre as penalidades naturais e as positivas. Há punições que são resultados naturais do pecado e das quais os homens não podem escapar por serem as conseqüências inevitáveis do pecado. O homem não se salva delas pelo arrependimento e perdão. Nalguns casos elas podem ser abrandadas, e até neutralizadas, pelos meios que Deus colocou à nossa disposição, mas noutros casos elas permanecem e servem de lembranças das nossas transgressões passadas. O preguiçoso cai na pobreza, o ébrio se arruína e à sua família, o fornicário contrai moléstia repugnante e incurável e ao criminoso sobrevém pesado fardo de vergonha e, mesmo quando sai dos muros da prisão, acha extremamente difícil começar vida nova. A Bíblia fala dessas punições em Jó 4.8; Sl 9.15; 94.23; Pv 5.22; 24.14; 31.3. Mas há também punições no sentido mais comum da palavra e mais diretamente ligadas à lei. Pressupõem não apenas as leis naturais da vida, mas também uma lei positiva do grande Legislador, acrescida de sanções. Não são penalidades que resultam naturalmente da natureza da transgressão, mas, sim, penalidades ligadas às transgressões por decretos divinos. São sobrepostas pela lei divina, que é de autoridade absoluta. É a esse tipo de punição que a Bíblia se refere normalmente. Isso está particularmente patente no Velho Testamento. Deus deu a Israel um minucioso código de leis para regulamentar a sua vida civil, moral e religiosa, e estipulou claramente a punição a ser aplicada a cada transgressão; cf Êx 20 a 23. E embora muitos dos regulamentos civis e religiosos dessa lei, na forma em que foram transmitidos, fossem destinados unicamente a Israel, os princípios fundamentais que encarnam aplicam-se igualmente na dispensação do Novo Testamento. Numa conceituação bíblica da penalidade do pecado, teremos que levar em conta o resultado natural bem como o resultado necessário da voluntária oposição a Deus e a penalidade legalmente estabelecida e adaptada por Deus à ofensa. Agora, há alguns unitários, universalistas e modernistas que negam a existência de qualquer punição do pecado, exceto as conseqüências que resultam da ação pecaminosa. A punição não é a execução de uma sentença pronunciada pelo Ser divino com base nos méritos do caso em apreço, mas é apenas a operação de uma lei geral. Esta posição é tomada por J. F. Clarke, Thayer, Willianson e Washington Gladden. Este último diz: “A teologia antiga fazia esta penalidade (a penalidade do pecado) consistir em sofrimentos infligidos ao pecador por um processo judicial na vida futura... A penalidade do pecado é o pecado. Tudo que o homem semear, isso ele ceifará”. A idéia não é nova; estava presente na mente de Dante, pois em seu famoso poema os tormentos do inferno simbolizam as conseqüências do pecado; e Schelling a tinha em mente, quando falou da história do mundo como o julgamento do mundo. Há, porém, copiosas evidências na Escritura de que essa idéia é completamente antibíblica. A Bíblia fala de penalidades que em nenhum sentido são resultados ou conseqüências naturais do pecado, por exemplo, em Êx. 32.33; Lv 26.21; Nm 15.31; 1 Cr 10.13; Sl 11.6; 75.8; Is 1.24, 28; Mt 3.10; 24.51. Todas estas passagens falam de uma punição do pecado por um ato direto de Deus. Além disso, segundo o conceito em foco, realmente não há recompensa ou punição; a virtude e o vício naturalmente incluem os seus diversos produtos. Ademais, segundo essa posição, não há boa razão para considerar o sofrimento como punição, pois ela nega a culpa, e é exatamente a culpa que faz do sofrimento uma punição. E depois, em muitos casos não é o culpado que recebe o castigo mais severo, mas o inocente, como, por exemplo, os dependentes de um beberrão ou de um devasso. Finalmente, nesse conceito, o céu e o inferno não são lugares de futura recompensa e castigo, mas estados mentais ou condições em que os homens se acham aqui e agora Washington Gladden expressa isso de maneira a mais explícita. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 253)

A Natureza e o Propósito das Punições

A palavra “punição” vem do termo latino poena, significando punição, expiação ou pena. Denota a dor ou o sofrimento infligido em razão de algum mal praticado . Mais especificamente, pode-se definir como a dor ou perda infligida direta ou indiretamente pelo Legislador, em vindicação da Sua justiça ultrajada pela violação da lei. Origina-se na retidão de Deus, ou em Sua justiça punitiva, pela qual Ele se mantém como o Santo e necessariamente exige santidade e justiça de todas as Suas criaturas nacionais. A punição é a penalidade que natural e necessariamente se requer do pecador por causa do seu pecado; é, de fato, um débito para com a justiça essencial de Deus. As punições do pecado são de duas espécies diferentes. Há uma punição que é o necessário concomitante do pecado, pois, pela sua própria natureza, o pecado causa separação entre Deus e o homem, leva consigo culpa e corrupção e enche o coração de medo e de vergonha. Mas há também uma espécie de punição imposta de fora ao homem pelo supremo Legislador, como toda sorte de calamidades nesta existência e o castigo do Inferno no futuro. Neste ponto surge a questão quanto ao objetivo ou propósito de punição do pecado. E sobre isso há considerável diferença de opinião. Não devemos ver a punição do pecado como simples questão de vingança e como infligida com o desejo de ferir alguém que previamente feriu. Os três conceitos mais importantes a respeito do propósito da punição são os seguintes: 1. VINDICAR A RETIDÃO OU JUSTIÇA DIVINA. Diz Turretino: “Se a justiça é um atributo de Deus, então o pecado tem que receber o que lhe é devido, que é a punição”. A lei requer que o pecado seja punido por causa do seu demérito inerente, independente de quaisquer outras considerações. Aplica-se este princípio quando da administração das leis humanas e das leis divinas. A justiça exige a punição do transgressor. Deus está por trás da lei e, portanto, também se pode dizer que a punição visa à vindicação da justiça e santidade do grande legislador. A santidade de Deus reage necessariamente contra o pecado, e esta reação se manifesta na punição do pecado. Este princípio é fundamental quanto a todas as passagens da Escritura que falam de Deus como reto Juiz, que retribui a todo homem de acordo com os seus merecimentos. “Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça; é justo e reto”, Dt 32.4. “Longe de Deus o praticar ele a perversidade, e do Todo-Poderoso o cometer injustiça. Pois retribuirá ao homem segundo as suas obras, e faz que cada um toque segundo seu caminho”, Jó 34.10, 11. “A cada um retribuis segundo as suas obras”, Sl 62.12. “Justo és, Senhor, e retos os teus juízos”, Sl 119.137. “Eu sou o Senhor, e faço misericórdia, juízo e justiça na terra”, Jr 9.24. “Ora, se invocais como pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação”. 1 Pe 1.17. A vindicação da justiça e santidade de Deus, e daquela justa lei que é a própria expressão do Seu se, é certamente o propósito primordial da punição do pecado. Contudo, há dois outros conceitos que erroneamente colocam alguma coisa mais no primeiro plano. 2. REFORMAR O PECADOR. Nos dias presentes há uma idéia, colocada em primeira plana, de que não há nenhuma justiça punitiva de Deus que exija inexoravelmente a punição do pecador, e que Deus não está irado com o pecador, mas o ama, e só lhe inflige dolorosas experiências com o fim de reclama-lo para Si e leva-lo de volta ao lar paterno. Este conceito é antibíblico, obliterando a distinção entre punição e castigo disciplinar. A penalidade do pecado não parte do amor e misericórdia do legislador, mas, sim, da Sua justiça. Se a reforma se segue à imposição da punição, isto não se deve à penalidade como tal, mas é fruto de alguma operação da graça de Deus pela qual Ele transforma aquilo que em si mesmo é um mal para o pecador numa coisa benéfica. Deve-se manter a distinção entre punição e castigo disciplinar. A Bíblia nos ensina, por um lado, que Deus ama e castiga o Seu povo, Jó 5.17; Sl 6.1; 94.12; 118.18; Pv 3.11; Is 26.16; Hb 12.5-8; Ap 3.19; e por outro lado, que Ele aborrece e pune os que praticam o mal, Sl 5.5; 7.11; Na 1.2; Rm 12.5, 6; 2 Ts 1.6; Hb 10.26, 27. Além disso, a punição deve ser reconhecida como justa, isto é, como estando em harmonia com a justiça, para ser reformatória. Segundo a teoria em foco, o pecador que já se reformou não poderá mais ser punido; tampouco se poderia punir alguém que esteja completamente fora da possibilidade de reformar-se, de modo que não poderia haver punição para Satanás; a pena de morte imposta ao pecador teria que ser abolida, e a punição eterna não teria razão de ser. 3. DISSUADIR DO PECADO OS HOMENS. Outra teoria de geral aceitação em nossos dias é a de que o pecador deve ser punido para a proteção da sociedade, dissuadindo outros de cometerem a mesmas faltas. Não se pode duvidar de que este fim é freqüentemente obtido na família, no estado e no governo moral do mundo, mas este é um resultado acidental que Deus misericordiosamente efetua pela imposição da pena. Certamente não pode ser esta a base para a imposição da pena. Não há nenhuma justiça em punir um indivíduo simplesmente pelo bem da sociedade. O fato é que o pecador sempre é punido por seu pecado, e acidentalmente isto pode ser para benefício da sociedade. E aqui se pode dizer outra vez que nenhuma punição terá efeito dissuasivo, se não for justa e reta. A punição só produz bom efeito quando é evidente que a pessoa a quem é imposta merece realmente punição. Se essa teoria fosse verdadeira, um criminoso podia ser logo posto em liberdade, caso não houvesse a possibilidade de que outros fossem dissuadidos do pecado pela punição dele. Além disso, o homem poderia cometer um crime, agindo corretamente ao faze-lo, se tão somente estivesse disposto a sofrer a penalidade. Segundo essa teoria, a punição em nenhum sentido se baseia no passado, mas é totalmente prospectiva. Mas, nesta suposição, é muito difícil explicar por que a punição invariavelmente leva o pecador a olhar retrospectivamente e a confessar, com o coração contrito, os pecados passados, como notamos em passagens como as seguintes: Gn 42.21; Nm 21.7; 1 Sm 15.24, 25; 2 Sm 12. 13; 24.10; Ed 9.6, 10, 13; Ne 9.33-35; Jó 7.21; Sl 51.1-4; Jr 3.25. Estes exemplos poderiam ser multiplicados. Em oposição a ambas as teorias aqui consideradas, deve-se sustentar que a punição do pecado é totalmente retrospectiva em seu objetivo primordial, conquanto a imposição da pena possa ter conseqüências benéficas para o indivíduo e para a sociedade. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 255)

O CASTIGO EFETIVO DO PECADO

A penalidade com a qual Deus ameaçou o homem no paraíso foi a pena de morte. A morte que aqui se tem em mente não é a morte do corpo, mas do homem total, morte no sentido bíblico da palavra. A Bíblia desconhece a distinção, tão comum conosco, entre a morte física, a espiritual e a eterna; ela tem uma visão sintética da morte e a considera como separação entre Deus e o homem. A pena foi também executada efetivamente no dia em que o homem pecou, embora a plena execução dela tenha sido sustada temporariamente pela graça de Deus. De maneira bem antibíblica, alguns transferem a sua distinção para a Bíblia, e sustentam que a morte física não deve ser considerada como pena do pecado, mas, antes, como o resultado natural da constituição física do homem. Mas a Bíblia ignora esta exceção. Ela nos faz sabedores da penalidade constante da ameaça, que é a morte no sentido compreensivo da palavra, e nos informa que a morte entrou no mundo por meio do pecado (Rm 5.12), e que o salário do pecado é a morte (Rm 6.23). A penalidade do pecado certamente inclui a morte física, mas inclui muito mais que isso. Fazendo a distinção a que estamos acostumados, podemos dizer que ela inclui os seguintes fatos: (Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg. 256)
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