segunda-feira, 29 de abril de 2013

A ALIANÇA COM ABRAÃO

Com Abraão entramos na época da revelação veterotestamentária da aliança da graça. Há vários pontos que merecem atenção aqui: a. Até ao tempo de Abraão não houve estabelecimento formal da aliança da graça. Embora Gn 3.15 já contenha elementos desta aliança, não registra uma transação formal pela qual a aliança teria sido estabelecida. Nem sequer fala explicitamente de uma aliança. O estabelecimento da aliança com Abrão marcou o início de uma igreja institucional. Nos tempos anteriores a Abrão havia o que se pode denominar “a igreja em casa”. Havia famílias nas quais a religião verdadeira achava expressão, e sem dúvida havia também reuniões de crentes, mas não havia definidamente um corpo assinalado de crentes, separado do mundo e que pudesse chamar-se igreja. Havia “filhos de Deus” e “filhos dos homens”, mas não eram ainda separados por uma linha de demarcação visível. Na época de Abraão, porém, foi instituída a circuncisão como ordenança sinalizadora, como insígnia de membro e selo da justiça da fé. b. Na transação com Abraão a particularista administração veterotestamentária da aliança teve começo, e é mais que evidente que o homem é uma parte da aliança e deve responder com fé às promessas de Deus. O grande fato central salientado na escritura é que Abraão creu em Deus e isto lhe foi imputado com justiça. Deus aparece a Abraão vez após vez, repetindo Suas promessas, com o fim de gerar fé em seu coração e estimular o seu exercício ativo. A grandeza da sua fé foi visível na maneira como ele creu contra a esperança, confiando na promessa mesmo quando o seu cumprimento parecia uma impossibilidade física. c. As bênçãos espirituais da aliança da graça foram muito mais palpáveis na aliança com Abraão do que nunca antes. A melhor exposição escriturística da aliança com Abraão está registrada em Rm 3 e 4, e Gl 3. Em conexão com a narrativa que se acha em Gênesis, estes capítulos ensinam que, na aliança, Abraão recebeu a justificação, incluindo o perdão dos pecados e a adoção na própria família de Deus, e também os dons do Espírito para santificação e para glória eterna. d. A aliança com Abraão já incluía um elemento simbólico. De um lado, referia-se às bênçãos temporais, tais como a terra de Canaã, uma numerosa progênie, proteção contra os inimigos e vitória sobre eles; de outro lado, referia-se às bênçãos espirituais. Contudo, deve-se ter em mente que aquelas não eram coordenadas com estas, mas subordinadas a elas. Estas bênçãos temporais não constituíam um fim em si mesmas, mas serviam para simbolizar e tipificar coisas espirituais e celestes. As promessas espirituais não se concretizaram nos descendentes naturais de Abraão como tais, mas somente nos que seguiram as pegadas de Abraão. e. Em vista deste estabelecimento da aliança da graça com Abraão, às vezes ele é considerado o chefe da aliança da graça. Mas a palavra “chefe” (ou “cabeça”) é ambígua e, portanto, passível de entendimento errôneo. Abraão não pode ser chamado chefe representativo da aliança, como Adão o fora da aliança das obras, pois (1) a aliança com Abraão não inclui os crentes que o precederam e que, todavia, estavam na aliança da graça, e (2) ele não podia aceitar a promessa por nós, nem crer em nosso lugar, eximindo-nos com isso destes deveres. Se há um chefe representativo da aliança da graça, só pode ser Cristo (cf. Bavinck, Geref. Dogm. III, p. 239, 241); mas, estritamente falando, só podemos considerar Cristo como o Chefe com base no pressuposto de que a aliança da redenção e a aliança da graça são um só. Abraão só pode ser chamado chefe da aliança no sentido de que ela foi estabelecida formalmente com ele, e de que ele recebeu a promessa de sua continuação na linhagem dos seus descendentes naturais e espirituais, acima de tudo dos descendentes espirituais. Paulo fala dele como “o pai de todos os que crêem”, Rm 4.11. É evidente que a palavra “pai” só pode ser entendida figuradamente aí, pois os crentes não devem a sua vida espiritual a Abraão. Diz o dr. Hodge em seu Comentário de Romanos (Comentary of Romans), sobre Rm 4.11: “A palavra pai expressa comunidade de caráter, e muitas vezes é aplicada ao chefe ou fundador de alguma escola ou classe de homens, cujo caráter é determinado pela relação com a pessoa assim designada; como Gn 4.20, 21. ... Os crentes são chamados filhos de Abraão por causa desta identidade de natureza ou caráter religioso, pois ele sobressai na Escritura como o crente; porque foi com ele que a aliança da graça, abrangendo todos os filhos de Deus, quer judeus quer gentios, foi revalidada; e porque são seus herdeiros, herdando as bênçãos a ele prometidas”. f. Finalmente, não devemos perder de vista o fato de que o estágio da revelação da aliança veterotestamentária que é mais normativa para nós, na dispensação do Novo Testamento, não é o da aliança sináitica, mas o da aliança estabelecida com Abraão. A aliança sináitica é um interlúdio, cobrindo um período no qual o real caráter da aliança da graça, isto é, seu caráter livre e impregnado pela graça, é um tanto eclipsado por todos os tipos de cerimônias e formas externas que, em conexão com a vida teocrática de Israel, colocavam as exigências da lei proeminentemente no primeiro plano, Cf. Gl 3. Por outro lado, na aliança com Abraão, a ênfase recai na promessa e na fé que responde à promessa. (Teologia Sistemática – L. Berkhof. Pg 292)