segunda-feira, 29 de abril de 2013

A ALIANÇA SINÁITICA.

A aliança do Sinai era essencialmente a mesma estabelecida com Abraão, embora a forma diferisse um pouco. Isto nem sempre é reconhecido, e os dispensacionalistas dos dias atuais não o reconhecem. Estes insistem em que era uma aliança diferente, na forma e na essência. Scofield fala dela como uma aliança legal, uma “aliança mosaica de obras, e condicional”, sob a qual o ponto de prova era a obediência legal como a condição de salvação. Se essa aliança era uma aliança de obras, certamente não era a aliança da graça. A razão pela qual às vezes é considerada como uma aliança inteiramente nova é que Paulo se refere repetidamente à lei e à promessa como formando uma antítese, Rm 4.13 em diante; Gl 3.17. Deve-se notar, porém, que o apóstolo não contrasta com a aliança abraâmica a sináitica em seu conjunto, mas somente a lei como esta funcionava nesta aliança, e esta função somente como erroneamente entendida pelos judeus. A única exceção a essa regra é Gl 4.21 e seguintes, onde as duas alianças são realmente comparadas. Mas estas são as alianças abraâmica e sináitica. A aliança que provém do Sinai e se centraliza na Jerusalém terrena é colocada em contraste com a aliança que provém do céu e se centraliza na Jerusalém de cima, isto é – a natural e a espiritual. Há na Escritura claras indicações de que a aliança com Abraão não foi suplantada pela aliança sináitica, mas continuou em vigor. Mesmo em Horebe o Senhor lembrou ao povo a aliança com Abraão, Dt. 1.8; e quando o Senhor ameaçou destruir o povo depois que este fizera o bezerro de ouro, Moisés baseou seus apelos em favor deles naquela aliança, ex 32.13. Também Deus repetidamente lhes assegurava que, sempre que se arrependessem e O buscassem, Ele se lembraria da Sua aliança com Abraão, Lv 26.42; Dt 4.31. As duas alianças são claramente apresentadas em sua unidade em Sl 105.8-10: “Lembra-se perpetuamente da sua aliança, da palavra que empenhou para mil gerações; da aliança que fez com Abraão, e do juramento que fez a Isaque; o qual confirmou a Jacó por decreto e a Israel por aliança perpétua”. Esta unidade se infere também da argumentação de Paulo em Gl 3, onde ele dá ênfase ao fato de que um Deus imutável não altera arbitrariamente a natureza essencial de uma aliança uma vez confirmada; e que a lei não foi dada com o propósito de suplantar os fins da promessa da graça, mas, sim, de servi-los, Gl 3.15-22. Se a aliança sináitica fosse de fato uma aliança de obras, na qual a obediência à lei fosse o meio de salvação, então ela seria certamente uma maldição para Israel, pois foi imposta a um povo que não tinha a menor possibilidade de obter a salvação pelas obras. Mas esta aliança é apresentada na Escritura como uma bênção concedida a Israel por um Pai amoroso, Ex 19.5; Lv 26.44, 45; Dt 4.8; Sl 148.20. Mas, embora a aliança com Abraão e a aliança sináitica fossem essencialmente a mesma, a aliança do Sinai tinha certos traços característicos. a. No Sinai a aliança tornou-se uma aliança verdadeiramente nacional. A vida civil de Israel estava de tal modo ligada à aliança que as duas não podiam separar-se. Em grande medida a igreja e o estado se tornaram uma só coisa. Estar na igreja era estar na nação, e vice versa; e abandonar a igreja era abandonar a nação. Não havia excomunhão espiritual; a proscrição significava eliminação pela morte. b. A aliança sináitica incluía um serviço que continha uma recordação positiva das rigorosas exigências da aliança das obras. A lei era posta em primeira plana, dando proeminência uma vez mais ao elemento legal anterior. Mas a aliança do Sinai não era uma renovação da aliança das obras; nela a lei é subserviente à aliança da graça. Isto já vem indicado na introdução dos dez mandamentos, Ex 20.2; Dt 5.6, e ainda em Rm 3.20; Gl 3.24. É verdade que no Sinai foi acrescentado um elemento condicional à aliança, mas o que nela dependia da guarda da lei não era a salvação dos israelitas, mas, sim, a sua posição teocrática na nação e o gozo de bênçãos externas, Dt 28.1-14. A lei servia a um duplo propósito, com relação à aliança da graça: (1) aumentar a consciência de pecado, Rm 3.20; 4.15; Gl 3.19; e (2) ser um ;preceptor conducente a Cristo, Gl 3.24. c. A aliança com a nação de Israel incluía um minucioso cerimonial e serviço típicos. Até certo ponto, isso estava presente no período anterior também, mas, na medida em que foi introduzido no Sinai, era uma coisa nova. Foi instituído um sacerdócio separado, e foi introduzida uma contínua pregação do Evangelho com símbolos e tipos. Estes símbolos e tipos aparecem sob dois aspectos diferentes: como exigências de Deus impostas ao povo; e como uma mensagem divina de salvação dirigida ao povo. Os judeus perderam de vista este aspecto, e fixaram a sua atenção exclusivamente naquele. Eles consideravam cad vez mais, porém equivocadamente, a aliança como uma aliança de obras, e viam nos símbolos e tipos um mero apêndice a isso. d. Na aliança sináitica a lei também servia a Israel como regra de vida, de sorte que a lei una e única de Deus assumia três aspectos, assim designados: lei moral, lei civil e lei cerimonial ou religiosa. A lei civil é simplesmente a aplicação dos princípios da lei moral à vida social e cívica do povo, com todas as suas ramificações. Mesmo as relações sociais e civis em que os componentes do povo estavam uns com os outros tinham que refletir a relação pactual em que se achavam. Tem havido diversas opiniões dissidentes sobre a aliança sináitica que merecem atenção. a. Coceio via no decálogo um sumário da aliança da graça, particularmente aplicável a Israel. Quando após o estabelecimento desta aliança nacional da graça, o povo se tornou infiel e fez um bezerro de ouro, a aliança legal do serviço cerimonial foi instituída como uma dispensação mais estrita e mais dura da aliança da graça. Assim, a revelação da graça acha-se particularmente no decálogo, e a de servidão na lei cerimonial. Antes da aliança do Sinai os pais viviam sob a promessa. Havia sacrifícios, mas estes não eram obrigatórios. b. Outros consideravam a lei como a fórmula de uma aliança de obras estabelecidas com Israel. Deus não tivera realmente a intenção de que Israel merecesse a vida pela observância da lei, dado que isto se tornara completamente impossível. Ele queria simplesmente que eles experimentassem a sua forca e viessem a ter consciência da sua incapacidade. Quando saíram do Egito, fortaleceram-se na convicção de que podiam fazer tudo que o Senhor mandasse; mas no Sinai logo descobriram que não podiam. Em vista da sua consciência de culpa, o Senhor agora restabeleceu a aliança abraâmica da graça, à qual a lei cerimonial também pertencia. Isto inverte a posição do Coceio. A graça é um elemento que se acha na lei cerimonial. Isso está um pouco em harmonia com o conceito dos dispensacionalistas dos dias presentes, que consideram a aliança sináitica uma “aliança mosaica de obras, e condicional” (Scofield), contendo, porém, na lei cerimonial alguns sombreados da vindoura redenção em Cristo. c. Ainda outros são de opinião que Deus estabeleceu três alianças no Sinai – uma aliança nacional, uma aliança da natureza ou das obras, e uma aliança da graça. A primeira foi feita com todos os israelitas, e era a continuação da linha particularista começada com Abraão. Nela Deus exige obediência externa e promete bênçãos temporais. A segunda foi uma repetição da aliança das obras com a dádiva de um decálogo. E a última foi uma renovação da aliança da graça, como fora estabelecida com Abraão, com a dádiva da lei cerimonial. Estes conceitos são todos objetáveis, por mais de uma razão: (1) São contrários à Escritura em sua multiplicação de alianças. É antibíblico presumir que foram estabelecidas no Sinai mais de uma aliança, embora a aliança ali firmada tenha vários aspectos. (2) Estão enganados em procurar impor indevidas limitações ao decálogo e à lei cerimonial. É evidente que a lei cerimonial tem duplo aspecto; e também é claro que o decálogo, embora colocando claramente as exigências da lei no primeiro plano, é subserviente à aliança da graça. (Teologia Sistemática – L. Berkhof. Pg 295)