segunda-feira, 29 de abril de 2013

AS PARTES CONSTANTES NA ALIANÇA

Como na aliança das obras, na aliança da graça Deus é a primeira parte contratante, a parte que toma a iniciativa, e por Sua graça determina a relação que a segunda parte manterá com Ele. Contudo, Ele comparece nesta aliança não apenas como um Deus soberano e bondoso, mas também, e especialmente, como um Pai misericordioso e perdoador, disposto a perdoar o pecado e a restaurar os pecadores à Sua bem-aventurada comunhão. Não é fácil determinar precisamente quem é a segunda parte. Em geral se pode dizer que, naturalmente, Deus estabeleceu a aliança da graça como o homem decaído. Historicamente, não há nenhuma indicação definida de qualquer limitação, até chegarmos ao tempo de Abraão. No transcorrer do tempo, porém, ficou perfeitamente evidente que esta nova relação pactual não visava a inclusão de todos os homens. Quando Deus estabeleceu formalmente a aliança com Abraão, Ele a limitou ao patriarca e sua semente. Conseqüentemente, surge a questão quanto aos limites exatos da aliança. Os teólogos reformados (calvinistas) não são unânimes na resposta a esta questão. Alguns dizem simplesmente que Deus fez a aliança com o pecador, mas isto não sugere limitação nenhuma e, portanto, não satisfaz. Outros asseveram que Ele a estabeleceu com Abraão e sua semente, isto é, seus descendentes naturais, mas, especialmente seus descendentes espirituais; ou, colocando-o numa forma geral, com os crentes e sua semente. Contudo, a grande maioria deles sustenta que Deus entrou em relação pactual com os eleitos ou com o pecador eleito em Cristo. Esta posição foi tomada tanto pelos primeiros como pelos mais recentes representantes da teologia federal. Mesmo Bullinger afirma que “a aliança de Deus inclui a semente completa de Abraão, isto é, os crentes”. Acha ele que isso está em harmonia com a interpretação que Paulo faz de “semente” em Gl 3.* Ao mesmo tempo, ele afirma também que, em certo sentido, os filhos dos crentes estão incluídos na aliança. E Oleviano, co-autor com Ursino do catecismo de Heidelberg, assevera que Deus estabeleceu a aliança com “todos os que Deus, da multidão de perdidos decretou adotar pela graça como filhos, e dotar de fé”. Esta é também posição de mastricht, Turretino, Owen, Gib, Boston, Witsius, à Marck, Francken, Brakel, Comrie, Kuyper, Bavinck, Hodge, Vos e outros. Mas Surge agora a questão: “O que terá induzido esses teólogos a falar que a aliança foi feita com os eleitos, a despeito de todas as dificuldades práticas envolvidas?” Não estariam cientes dessas dificuldades? Segundo os seus escritos, parece que estavam plenamente cônscios delas. Mas achavam que era necessário considerar a aliança primeiramente em seu sentido mais profundo, como concretizada nas vidas dos crentes . Apesar de entenderem que, nalgum sentido da palavra, outros tinham um lugar na aliança, não obstante, achavam que este era um lugar subordinado, e que a relação deles com a aliança fora planejada para ser subserviente à plena realização dela numa vida de comunhão com Deus. E com isso não é surpreendente, em vista das seguintes ponderações: 1. Os que identificam a aliança da redenção e a aliança da graça e consideram antibíblico distinguir entre ambas, naturalmente entendem que a aliança primeiramente foi estabelecida com Cristo como o Chefe representante dos que o pai Lhe seu: aliança na qual Ele se fez Fiador dos eleitos e, assim, garantiu a sua redenção completa. De fato, na aliança da redenção, somente os eleitos entram em consideração. A situação é praticamente a mesma no caso dos que distinguem as duas alianças, mas insistem em sua estreita relação mútua e descrevem a aliança de redenção como base da aliança da graça, pois, na primeira somente a graça de Deus, glorificada e manifestada perfeitamente nos eleitos, entra em consideração. 2. Mesmo na história do estabelecimento da aliança com Abraão, interpretada à luz do restante da escritura, os teólogos reformados (calvinistas) encontraram farta prova de que, fundamentalmente, a aliança da graça é uma aliança estabelecida com aqueles que estão em Cristo. A Bíblia distingue uma dupla semente de Abraão. O princípio disto acha-se definidamente em Gn 21.12, onde vemos Deus dizendo a Abraão: “Em Isaque será chamada a tua semente” (Almeida, Rev e Corr). Interpretando estas palavras, Paulo fala de Isaque como o filho da promessa e, com a expressão “filho da promessa”, ele não se refere simplesmente a um filho prometido, mas, sim, a um filho que não nasceu pelo processo comum, e, sim, em virtude de uma promessa, nasceu graças a uma operação sobrenatural de Deus. Ele também lida com esta idéia a de um filho a quem pertence a promessa. Segundo ele, a expressão, “em Isaque será chamada a tua semente”, indica que “estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa” (Rm 9.8). A mesma idéia é expressa em Gl 4.28, “Vós, porém, irmãos, sois filhos da promessa, como Isaque”,* e, como tais, também herdeiros das bênçãos prometidas, vers. 30. Isso está em perfeita harmonia com o que o apóstolo diz em Gl 3.16: “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente.** Não diz: E os descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo”. Mas a semente não se limita a Cristo; inclui todos os crentes. “E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão, e herdeiros segundo a promessa”, Gl 3.29. Em sua obra intitulada Dissertação Sobre as Duas Alianças (Discurse of the Two Covenants), W. Strong chama a atenção para a seguinte subordinação, no estabelecimento da aliança: Diz ele que ela foi feita “(1) primeira e imediatamente com Cristo, o segundo Adão; (2) nele, com todos os fiéis; (3) neles, com a sua semente”. . 3. Ainda outro fator deve ser levado em consideração. Os teólogos reformados (calvinistas) estavam profundamente cientes do contraste entre a aliança das obras e a aliança da graça. Sabiam que na primeira a recompensa da aliança dependia da incerta obediência do homem e, como resultado, não pôde concretizar-se, ao passo que na aliança da graça a plena realização das promessas é absolutamente segura e certa, em virtude da perfeita obediência de Jesus Cristo. Sua realização é segura, devido à operação da graça de Deus, mas, naturalmente, é segura somente para os que são participantes dessa graça. Eles se sentiram constrangidos a salientar este aspecto da aliança especialmente contra os arminianos e os neonômios, que virtualmente a transformaram numa nova aliança das obras e mais uma vez tornaram a salvação dependente da obra do homem, isto é, da fé e da obediência evangélica. Por esta razão, deram ênfase à estreita relação entre a aliança da redenção e a aliança da graça, e até hesitavam em falar da fé como a condição da aliança da graça. Diz-nos Walker que alguns dos teólogos escoceses se opunham à distinção das duas alianças por que viam nela uma “tendência....para o neonomismo, ou, como a aliança da reconciliação (isto é, a aliança da graça considerada distintamente da aliança da redenção) era externa na igreja visível, viam nela até mesmo uma espécie de barreira para um relacionamento imediato com o Salvador e para a entrada numa viva comunhão com Ele mediante uma fé apta e capacitadora.”. 4. Em suma, parece seguro dizer que a teologia reformada (calvinista) viu a aliança, não primariamente como um meio para atender a um fim, mas como um fim em si própria, uma relação de amizade; não primeiramente como representando e incluindo certo número de privilégios externos, uma série de promessas, condicionalmente estendidas ao homem, um bem meramente oferecido a ele; mas primeiramente como expressão de bênçãos dadas gratuitamente, de privilégios utilizados pela graça de Deus para fins espirituais, de promessas aceitas por uma fé que é dom de Deus, e de um bem efetuado, pelo menos em princípio, mediante a operação do Espírito Santo no coração. E porque em sua opinião tudo isso estava incluído na idéia da aliança, e as bênçãos da aliança só se realizam naqueles que efetivamente estão salvos, essa teologia acentuava o fato de que a aliança da graça foi estabelecida entre Deus e os eleitos. Mas, ao faze-lo, não tencionavam negar que a aliança tem também um aspecto mais amplo. Com referência a este conceito, diz o dr. Vos: “Het behoeft nauwelijks herinnerd to worden, hoe met dit alles geenszins bedoeld is, dat de verdbondsbediening van de verkiezing uitgaat, noch ook dat alle niet-uitverkorenen buiten iedere relatie tot deze verbonds-bediening staan. Het is veelmeer zôo bedoeld, dat uit’t gesterkt verbonds-bewustzijn de zekerheid aangaande de verkiezing zich ontwikkelen moet; dat door heel deverbonds-bediening heen, ook de volstrekte beloften Gods, zooals zij uit de verkiezing voortvloeien moeten in het oog gehouden, bij Woord en Sacrament beide; dat eindelijk het wezen des verbonds, deszelfs volle realiseering slechts bij de ware kinderen Gods wordt aangetroffen, en dus niet wijder is dan de uitverkiezing. Vooral op het tweede punt dient gelet te worden. Behalve dat er overall, waar Gods verbond bediend wordt, eene verzegeling is van dezen inhoud: In de vooronderstelling der aanwezingheid van gellof, wordt u het recht op alle verbondsgoederen verzekerd – behalve dat, zeggen wij, is er steeds plechtige en verzegeling, dat God in alle uitverkorenen den geheelen om vang des verbonds will verwerkelijken”. A idéia de que a aliança só é realizada plenamente nos leitos é uma idéia perfeitamente bíblica, como se vê, por exemplo, em Jr 31. 31-34; Hb 8.8-12. Além disso, ela está em plena harmonia com a relação da aliança da graça com a aliança da redenção. Se nesta Cristo é Fiador somente para os eleitos, então a substância real da primeira se limita necessariamente a eles também. A escritura salienta vigorosamente o fato de que a aliança da graça, em distinção da aliança das obras, é uma aliança inviolável, na qual as promessas de Deus sempre são cumpridas, Is 54.10. isto não pode ser planejado condicionalmente pois, neste caso, não seria uma característica especial da aliança da graça, mas se aplicaria à aliança das obras também. Todavia, precisamente este é um dos pontos mais importantes em que aquela difere desta, que não depende da incerta obediência do homem, mas unicamente da absoluta fidelidade de Deus. As promessas da aliança serão cumpridas com certeza, mas – somente nas vidas dos eleitos. Mas agora surge a questão se, na opinião desses teólogos reformados, todos os não eleitos estão fora da aliança da graça em todos os sentidos da palavra. Brakel virtualmente toma esta posição, mas ele não está de acordo com a maioria. Eles entendiam muito bem que uma aliança da graça que nenhum sentido da palavra incluísse outros que não os eleitos, seria puramente individual, ao passo que a aliança da graça é descrita na Escritura como uma idéia orgânica. Estavam plenamente cientes do fato de que, segundo a revelação especial de Deus, tanto no Velho como no Novo Testamento, a aliança, como fenômeno histórico, é perpetuada em sucessivas gerações e inclui muitos nos quais a vida pactual nunca se realiza. E sempre que desejavam incluir este aspecto da aliança em sua definição, diziam que ela foi estabelecida com os crentes e sua semente. Deve-se ter em mente, porém, que esta descrição da segunda parte da aliança não implica que a aliança é estabelecida com os homens na qualidade de crentes, pois a própria fé é fruto da aliança. Diz acertadamente o dr. Bavinck: “Maar het verbond der genade gaat aan het geloof vooraf. Het geloof is geen voorward tot het verbond; de weg, om al de andere goederen van dat verbond deelachtig te worden en te genieten”. A descrição “crentes e sua semente” é útil apenas como um designativo conveniente e prático dos limites da aliança. A questão de harmonizar estes dois aspectos da aliança virá mais tarde. Pode-se definir a aliança da graça como o acordo feito, com base na graça, entre o Deus ofendido e o pecador ofensor, porém eleito, no qual Deus promete a salvação mediante a fé em Cristo, e o pecador a aceita confiantemente, prometendo uma vida de fé e obediência. (Teologia Sistemática – L. Berkhof. Pg 272)