terça-feira, 1 de outubro de 2013

A CRIAÇÃO COMO UM ATO PELO QUAL ALGO É PRODUZIDO DO NADA

a. A doutrina da criação é absolutamente única. Tem havido muita especulação acerca da origem do mundo, e várias teorias têm sido propostas. Uns declaravam que o mundo é eterno, enquanto outros viam nele o produto de um espírito antagônico (gnósticos). Uns sustentavam que ele foi feito de material preexistente, a que Deus deu forma (Platão); outros afirmavam que foi originado por emanação da substância divina (gnósticos sírios: Swedenborg): e ainda outros o consideravam como a aparência fenomênica do Absoluto, sendo este o fundamento oculto de todas as coisas (panteísmo). Em oposição a todas esses vãs especulações dos homens, a doutrina da Escritura sobressai com grandiosa sublimidade: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. b. Termos bíblicos para “criar”. Na narrativa da criação, como já foi indicado, são empregados três verbos a saber, bara’, ‘asah e yatsar, e são utilizados alternadamente na Escritura, Gn 1.26, 27; 2.7. A primeira palavra é a mais importante. Seu sentido originário é partir, cortar, dividir; mas, em acréscimo, significa também formar, criar e, num sentido de derivação mais distante, produzir, gerar e regenerar. A palavra mesma não transmite a idéia de produzir do nada alguma coisa, pois é usada até com referência a obras da providência, Is 45.7; Jr 31.22; Am 4.13. Contudo, tem caráter distintivo: é sempre empregada com relação a alguma produção divina, nunca a qualquer produção humana; e nunca tem acusativo de material, pelo que serve para expressar a grandiosidade da obra de Deus. A palavra ‘asah é mais geral, significando fazer ou formar, e, portanto, é empregada no sentido geral de fazer, formar, fabricar , modelar. A palavra yastar tem, mais distintamente, o sentido de modelar com materiais preexistentes e, portanto, é empregada para descrever o trabalho do oleiro na modelagem de vasos de barro. As palavras do Novo Testamento são ktizein, Mc 13.19, poiein, Mt 19.4: themelioum, Hb 1.10, katartizein, Rm 9.22, kataskeuazein, Hb 3.4, e plassein, Rm 9.20. Nenhuma dessas palavras expressa diretamente a idéia de criação do nada. c. Sentido da expressão “criação do nada”. A frase “criar ou produzir do nada” não se acha na Escritura. É oriunda de um dos apócrifos, a saber, 2 Macabeus 7.28. A expressão ex nihilo tem sido mal interpretada e criticada. Alguns até consideram a palavra nihilum (nada) como um designativo de certa matéria com a qual o mundo foi criado, matéria sem qualidades e sem forma. Mas isso é pueril demais para merecer séria consideração. Outros entendem que a expressão “criar do nada” significa que o mundo veio a existir sem nada ou ninguém que atuasse como sua causa, e passaram a criticá-la como conflitante com o que geralmente se considera verdade axiomática - ex nihilo nihil fit (do nada, nada se fez). Mas esta crítica é inteiramente destituída de base. Dizer que Deus criou do nada o mundo não equivale a dizer que o mundo veio a existir sem causa. Deus mesmo, ou, mais especificamente, a vontade de Deus é a força causante do mundo. Martensen expressa-se come estas palavras: “O nada do qual Deus cria o mundo são as eternas possibilidades da Sua vontade, que são as fontes de todas as realidades do mundo”. Se a frase latina, “ex nihilo nihil fit” for tomada no sentido de que não pode haver nenhum efeito sem causa, sua veracidade pode ser admitida, mas isso não pode ser considerado como uma objeção válida à doutrina da criação do nada. Mas se for entendida como expressando a idéia de que nada pode originar-se, a não ser de material previamente existente, certamente não poderá ser tida como uma verdade clara e inconteste. Neste caso, é na verdade uma suposição arbitrária que, como o assinala Shedd, não faz justiça sequer aos pensamentos e volições do homem, que são ex nihilo. Mas, mesmo que essa frase expressasse de fato uma verdade pertencente à experiência comum, no que se refere às obras humanas, isto ainda não provaria que ela é verdadeira com respeito à obra do absoluto poder de Deus. Contudo, em vista do fato de que a expressão, “criação do nada”, está sujeita a ser mal compreendida, e foi mal compreendida muitas vezes, é preferível falar em criação sem uso de material preexistente. d. Base Bíblica da doutrina da criação do nada. Gn 1.1 registra o início da obra da criação, e certamente não apresenta Deus produzindo o mundo com material preexistente. Foi criação do nada, criação no sentido estrito da palavra e, daí, a única parte da obra registrada em Gn 1 a que Calvino aplica o termo. Mesmo na parte restante do capítulo, porém, Deus é descrito produzindo todas as coisas pela palavra do Seu poder, por um simples fiat divino. A mesma verdade é ensinada em passagens como Sl 33.6, 9 e 148.5. A passagem mais forte é Hb 11.3: “Pela fé entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem”, ou, na versão utilizada pelo autor, “... de maneira que, o que se vê não foi feito das cousas que aparecem”. A criação é descrita aqui como um fato que apreendemos somente pela fé. Pela fé entendemos (percebemos, não compreendemos) que o mundo foi estruturado ou formado pela palavra de Deus, a palavra de poder de Deus, o fiat divino, de modo que as coisas que se vêem, as coisas visíveis deste mundo, não foram feitas das coisas que aparecem, que são visíveis, ou que, pelo menos, são vistas ocasionalmente. De acordo com essa passagem que pode ser citada nesta conexão é Rm 4.17, que fala de Deus, “que vivifica os mortos e chama à existência as cousas que não existem como se existissem” (Moffatt “que faz viver aos mortos e chama à existência o que não existe”). É verdade que, nesse contexto, Paulo não fala da criação do mundo, mas da esperança de Abraão, de que teria um filho. Contudo, a descrição de Deus aqui dada é geral e, portanto, também é de aplicação geral. Pertence à própria natureza de Deus ser Ele capaz de chamar à existência o que não existe, e Ele o faz. (Tologia Sistemática – Louis Berlhof. Pg. 126)