terça-feira, 1 de outubro de 2013

A CRIAÇÃO É UM ATO TEMPORAL DE DEUS

a. O ensino da Escritura sobre este ponto. A Bíblia começa com a singela declaração: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. Gn 1.1. Sendo dirigida a todas as classes de pessoas, ela emprega a linguagem comum da vida diária, e não a linguagem técnica da filosofia. O termo hebraico bereshith (literalmente, “no princípio”) é indefinido e, naturalmente, dá surgimento à questão: No princípio do quê? Parece melhor tomar a expressão no sentido absoluto, como uma indicação do início de todas as coisas temporais e do próprio tempo: Keil, porém, é de opinião que se refere ao princípio da obra da criação. Tecnicamente falando, não é correto presumir que já existia o tempo quando Deus criou o mundo, e que Ele, em certo ponto desse tempo existente, deu “princípio” à produção do universo. O tempo é apenas uma das formas de toda a existência criada e, portanto, não poderia existir antes da criação. Por essa razão Agostinho achava mais correto dizer que o mundo foi criado cum tempore (juntamente com o tempo), que afirmar que foi criado in tempore (no tempo). A Escritura fala desse começo noutros lugares também. Mt 19.4, 8; Mc 10.6; Jo 1.1, 2; Hb 1.10. Também está claramente implícito que o mundo teve começo em passagens como Sl 90.2, “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu é Deus”: e Sl 102.25, “Em tempos remotos lançaste os fundamentos da terra: e os céus são obras das tuas mãos”. b. Dificuldades que pesam sobre esta doutrina. Antes do princípio mencionado em Gn 1.1, devemos postular uma eternidade sem princípio, durante a qual somente Deus existia. Como havemos de preencher estas eras supostamente vazias da vida eterna de Deus? O que será que Deus fazia antes da criação do mundo? É tão impossível pensar nele como um Deus otiosus (um Deus inativo), que geralmente Ele é entendido como actus purus (pura ação). A escritura sempre O descreve trabalhando, Jo 5.17. Então como dizer que Ele passou de um estado de inatividade para um estado de ação? Além disso, como se pode conciliar a transição de um estado não criador para um estado criador, com Sua imutabilidade? E se Ele tinha o propósito eterno de criar, por que não o fez imediatamente? Por que deixou passar toda uma eternidade, antes de pôr em ação o Seu plano? Ademais, por que Ele terá escolhido aquele momento particular para a Sua obra criadora? c. Soluções sugeridas. (1) Teoria da criação eterna. Conforme alguns, como Orígenes, Scotus Erígena, Rothe, Dorner e Pfleiderer. Deus tem estado criando desde toda a eternidade, de sorte que o mundo, apesar de ser uma criatura e de ser dependente, é tão eterno como o próprio Deus. Tem-se fundamentado isso na onipotência, na atemporalidade, na imutabilidade e no amor de Deus: mas nenhuma destas qualidades implica ou envolve necessariamente a criação eterna. Essa teoria não somente é contestada pela Escritura, mas também é contrária à razão, pois (a) uma criação desde a eternidade é uma contradição de termos: e (b) a idéia de criação eterna, aplicada ao presente mundo, sendo este sujeito à lei do tempo como é, baseia-se numa identificação do tempo e a eternidade, quando estes são essencialmente diferentes. (2) Teoria da subjetividade do tempo e da eternidade. Alguns filósofos especulativos, como Spinoza, Hegel e Green, alegam que a distinção de tempo e eternidade é puramente subjetiva e se deve à nossa condição finita. Daí, eles gostariam que nos elevássemos a um lugar estratégico mais alto e considerássemos as coisas sub specie aeternitatis (do ponto de vista da eternidade). O que existe para a nossa consciência como desenvolvimento no tempo, par a consciência divina existe simplesmente como um conjunto eternamente completo. Mas essa teoria é refutada pela escritura, como a anterior. Gn 1.1; Sl 90.2; 102.25; Jo 1.3. Além disso, torna as realidades objetivas em formas subjetivas de consciência, e reduz toda a história a uma ilusão. Afinal de contas, o desenvolvimento no tempo é uma realidade; há uma sucessão temporal em nossa vida consciente e na vida da natureza ao nosso redor. As coisas que aconteceram ontem não são as que estão acontecendo hoje. d. Direção na qual se deve procurar a solução. Em relação com o problema em foco, diz corretamente o dr. Orr: “A solução só pode estar em obter-se uma idéia apropriada da relação da eternidade com o tempo”. Acrescenta ele que, quando pode ver, isso ainda não foi realizado satisfatoriamente. Grande parte da dificuldade encontrada aqui, deve-se sem dúvida ao fato de que pensamos na eternidade como se fosse uma indefinida extensão de tempo, como, por exemplo, quando falamos das eras da relativa inatividade de Deus antes da criação do mundo. A eternidade de Deus não é um período de tempo indefinidamente prolongado, mas antes, uma coisa essencialmente diferente, que somos incapazes de conceber. Sua existência é uma existência atemporal, uma presença eterna. O remoto passado e o mais distante futuro estão ambos presentes para Ele. Ele age em todas as Suas obras, e, portanto, também na criação, como O Eterno, e não temos direito de retratar a criação como um ato de Deus na esfera temporal. Em certo sentido, pode ser chamado ato eterno, mas só no sentido em que os atos de Deus são eternos. Como atos de Deus, todos eles são obras realizadas na eternidade. Contudo, não é eterno no mesmo sentido em que a geração do Filho é eterna, pois esta constitui um ato imanente de Deus no sentido absoluto da palavra, enquanto que a criação redunda numa existência temporal e, assim, termina no tempo. Geralmente os teólogos distinguem entre criação ativa e passiva, a primeira indicando a criação como um ato de Deus, e a última, seu resultado, o mundo criado. A primeira não é caracterizada por sucessão temporal reflete a ordem determinada no decreto de Deus. Quanto à objeção de que uma criação no tempo implica mudança em Deus. Wollebius observa que “a criação é uma passagem, não do Criador, mas da criatura, da potencialidade para a realização concreta.” (Tologia Sistemática – Louis Berlhof. Pg. 124)