terça-feira, 1 de outubro de 2013

A Idéia da Criação

A crença da igreja na criação do mundo vem expressa já no primeiro artigo da Confissão de Fé Apostólica (Credo Apostólico): “Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador dos céus e da terra”. Esta é uma expressão de fé mantida pela Igreja Primitiva de que Deus, por Seu poder absoluto, produziu do nada o universo. As palavras “Criador dos céus e da terra” não constavam de forma originária do Credo, mas representam um acréscimo posterior. Eles atribuem ao pai, isto é, à primeira pessoa da Trindade, a originação de todas as coisas. Isso está em harmonia com a descrição do Novo Testamento de que todas as coisas são do pai, mediante o Filho, e no Espírito Santo. A palavra “Criador” traduz o termo grego poieten, que se acha na forma grega da Confissão Apostólica, através do vocábulo creatorem, presente na forma latina. A Igreja primitiva entendia o verbo criar no sentido estrito de “produzir do nada alguma coisa”. Deve-se notar nem sempre a Escritura usa a palavra hebraica bara’ e o termo grego ktizein naquele sentido absoluto. Também emprega esses termos para denotar uma criação secundária, na qual Deus fez uso de material já existente, mas que não podia causar por si mesmo o resultado indicado, Gn 1.21, 27; 5.1; Is 45.7,12; 54.16; Am 4.13; 1 Co 11.9; Ap 10.6. Utiliza-os até mesmo para designar algo que vem à existência sob a direção providencial de Deus, Sl 104.30: Is 45.7, 8: 65.18; 1 Tm 4.4. Dois outros termos são utilizados como sinônimos do termo “criar”, a saber, “fazer” (hebraico, ‘asah; grego, poiein) e “formar” (hebraico, yatsar; grego, plasso). O primeiro é claramente usado em todos os três sentidos indicados acima: de criação primária, Gn 2.4; Pv 16.4; At 17.24; mais freqüentemente, de criação secundária, Gn 1.7, 16, 26; 2.22; Sl 89.47; e de obras da providência, Sl 74.17. O outro é usado semelhantemente com referência à criação primária, Sl 90.2 (talvez o único exemplo deste uso); à criação secundária, Gn 2.7, 19; Sl 104.26; Am 4.13; Zc 12.1: e à obra da previdência, Dt 32.18; Is 43.1, 7, 21; 45.7. As três palavras acham-se juntas em Is 45.7. A criação, no sentido estrito da palavra, pode ser definida como o livre ato de Deus pelo qual Ele, segundo a Sua vontade soberana e para a Sua própria glória, produziu no princípio todo o universo, visível e invisível, sem uso de material preexistente, e assim lhe deu uma existência distinta da Sua própria e, ainda assim, dele dependente. Tendo em vista os dados escriturísticos indicados acima, é evidente, porém, que essa definição se aplica àquilo que é geralmente conhecido como criação primária ou imediata, isto é, a criação descrita em Gn 1.1. Mas a Bíblia evidentemente usa a palavra “criar” também em casos em que Deus fez uso de materiais preexistentes, como na criação do sol, da lua, das estrelas, dos animais e do homem. Daí muitos teólogos acrescentam um elemento à definição da criação. Assim, Wollebius define: “A criação é o ato pelo qual Deus produz o mundo e tudo que nele há, em parte do nada e em parte de material que por sua própria natureza é inepto, para a manifestação da glória do Seu poder, sabedoria e bondade”. Entretanto, mesmo assim, a definição não cobre aqueles casos, também designados na Escritura como obra criadora, em que Deus trabalha mediante causa secundárias, Sl 104.30; Is 45.7, 8; Jr 31.22; Am 4.13, e produz resultados que só Ele pode produzir. A definição dada inclui vários elementos que pedem mais ampla consideração. 1. A CRIAÇÃO É UM ATO DO TRINO DEUS. A Escritura nos ensina que o trino Deus é o Autor da criação, Gn 1.1; Is 40.12; 44.24; 45.12, e isto O distingue dos ídolos. Sl 96.5; Is 37.16; Jr 10.11, 12. Embora o pai esteja em primeiro plano na obra da criação, 1 Co 8.6, esta é também claramente reconhecida como obra do Filho e do Espírito Santo. A participação do Filho nela é indicada em Jo 1.3; 1 Co 8.6; Cl 1.15-17, e a atividade do Espírito nessa obra acha expressão em Gn 1.2; Jó 26.13; 33.4; Sl 104.30; Is 40.12, 13. A segunda e a terceira pessoa não são poderes dependentes ou meros intermediários, mas sim, Autores independentes, juntamente com o pai. A obra da criação não foi dividida entre as três pessoas, mas a obra completa, embora em diferentes aspectos, é atribuída toda a cada uma das pessoas. Todas as coisas são, de uma só vez, oriundas do Pai, por meio do Filho, e no Espírito Santo. Pode-se dizer em geral que o ser provém do Pai, o pensamento ou idéia provém do Filho, e a vida provém do Espírito Santo. Desde que o Pai toma a iniciativa na obra da criação, muitas vezes esta é atribuída a Ele, em termos da economia da Trindade. 2. A CRIAÇÃO É UM ATO LIVRE DE DEUS. Às vezes a criação é descrita como um ato necessário de Deus, e não como um ato livre e determinado por Sua soberana vontade. As velhas teorias da emanação e suas réplicas modernas, as teorias panteístas, naturalmente fazem do mundo apenas um momento do processo da evolução divina (Spinoza, Hegel) e, portanto, vêem o mundo como um ato necessário de Deus. E a necessidade que eles têm em mente não é uma necessidade relativa, resultante do decreto divino, mas uma necessidade absoluta que decorre da própria natureza de Deus, da Sua onipotência (Orígenes) ou do Seu amor (Rothe). Todavia, esta posição não é bíblica. As únicas obras que são inerentemente necessárias, como uma necessidade resultante da própria natureza de Deus, são as opera ad intra, as obras das pessoas do Ser Divino, separadamente consideradas: geração, filiação e processão. Dizer que a criação é um ato necessário de Deus é declarar também que ela é tão eterna como as obras imanentes de Deus. Se algum tipo de necessidade deve ser atribuída às opera ad extra de Deus, é uma necessidade condicionada pelo decreto divino e pela resultante constituição das coisas. É uma necessidade dependente da soberana vontade de Deus, e, portanto, não é necessidade no sentido absoluto da palavra. A Bíblia nos ensina que Deus criou todas as coisas segundo o conselho da Sua vontade, Ef 1.11; Ap 4.11; e que Ele é auto-suficiente e não depende de Suas criaturas, de modo nenhum, Jó 22.2, 3; At 17.25. (Teologia Sistemática – Louis Berkhof. 122)