quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A Natureza dos Decretos Divinos

Pode-se definir o decreto de Deus, com o Breve Catecismo de Westminster, como “o Seu eterno propósito, segundo o conselho da Sua vontade, pelo qual, para a Sua própria glória, Ele predestinou tudo o que acontece”. 1. O DECRETO DIVINO É SOMENTE UM. Apesar de muitas vezes falarmos dos decretos de Deus no plural, em sua própria natureza o decreto é somente um único ato de Deus. Já o segure o fato de que a Bíblia fala dele como prothesis, um propósito ou conselho. Isto se segue também da natureza mesma de Deus. O Seu conhecimento é de todo imediato e simultâneo, e não sucessivo como o nosso, e a Sua compreensão desse conhecimento é sempre completa. E o decreto que nele se funda é também um ato absolutamente compreensivo e simultâneo. Como decreto eterno e imutável não poderia ser doutro modo. Não existe, pois, uma série de decretos de Deus, mas somente um plano compreensivo, que abrange tudo o que se passa. Contudo, a nossa compreensão limitada força-nos a fazer distinções, e isto explica por que muitas vezes falamos dos decretos de Deus no plural. Esta maneira de falar é perfeitamente legítima, desde que não percamos de vista a unidade do decreto divino, e da inseparável ligação entre os vários decretos como os concebemos. 2. A RELAÇÃO DO DECRETO COM O CONHECIMENTO DE DEUS. O decreto de Deus tem a mais estreita relação com o conhecimento divino.Há em Deus,como vimos, um conhecimento necessário, que inclui todas as causas e resultados possíveis. Este conhecimento fornece o material para o decreto; é a fonte perfeita da qual Deus extraiu os pensamentos que Ele desejava objetivar. Deste conhecimento de todas as coisas possíveis, Ele escolheu, por um ato da Sua vontade perfeita, levado por sábias considerações, o que desejava levar à realização, e assim formulou o Seu propósito eterno. O decreto de Deus é, por sua vez, o fundamento do Seu livre conhecimento, ou scientia libera. É o conhecimento das coisas conforme se realizam no curso da história. Enquanto que o conhecimento necessário de Deus precede logicamente ao decreto, o Seu conhecimento livre segue-se logicamente a ele. Deve-se sustentar isto contra todos os que crêem numa predestinação condicional (como os semipelagianos e os arminianos), desde que eles tornam as predeterminações de Deus dependentes da Sua presciência. Algumas das palavras utilizadas para denotar o decreto divino indicam um elemento de deliberação do propósito de Deus. Seria um erro inferir disto, porém, que o plano de Deus resulta de alguma deliberação que implica falta de perspicácia ou hesitação, pois é simplesmente uma indicação do fato de que não há decreto cego de Deus, mas somente propósito inteligente e deliberado. 3. O DECRETO SE RELACIONA TANTO COM DEUS COMO COM O HOMEM. O decreto se refere primeiramente às obras de Deus. Limita-se, porém, às opera ad extra de Deus, ou a Seus atos transitivos, e não pertence ao Ser essencial de Deus, nem às atividades imanentes dentro do Ser Divino que resultam nas distinções trinitárias. Deus não decretou ser santo e justo, nem existir como três pessoas numa essência, nem gerar o Filho. Estas coisas são como são necessariamente, e não dependem da vontade optativa de Deus. Aquilo que é essencial ao Ser interno de Deus não pode fazer parte do conteúdo do decreto. Este inclui somente as opera ad extra ou exeuntia. Mas, conquanto o decreto pertença primariamente aos atos realizados pessoalmente por Deus, não se limita a estes, mas abrange também as ações das Suas criaturas livres. E o fato de estarem incluídas no decreto as torna absolutamente certas, conquanto não sejam efetuadas todas da mesma maneira. No caso de algumas coisas, Deus decidiu, não meramente que viessem a acontecer, mas que Ele as faria acontecer, quer imediatamente, como na obra da criação, quer por intermédio de causas secundárias, continuadamente vitalizadas e fortalecidas pelo Seu poder. Ele mesmo assume a responsabilidade da realização delas. Há, porém, outras coisas que Deus inclui no Seu decreto e pelo qual tornou certas, mas que não decidiu efetuar pessoalmente, como os atos pecaminosos das Suas criaturas racionais. O decreto, no que se refere a estes atos, é geralmente denominado decreto permissivo. Este nome não implica que a futurição destes atos não é certa para Deus, mas simplesmente que Ele permite que aconteçam pela livre ação das Suas criaturas racionais. Deus não assume a responsabilidade por estes atos, sejam quais forem. 4. O DECRETO PARA AGIR NÃO É O ATO PROPRIAMENTE DITO. Os decretos são uma manifestação e um exercício internos dos atributos divinos que se tornam certa a futurição das coisas, mas não se deve confundir este exercício da inteligente volição de Deus com a realização dos seus objetivos na criação, na providência e na redenção. O decreto para criar não é a criação mesma, nem o decreto para justificar é a justificação propriamente dita. Deve-se fazer uma distinção entre o decreto e a sua execução. Ordenar Deus de tal modo o universo, que o homem seguirá certo curso de ação, também,é uma coisa bem diferente de ordenar-lhe Ele que aja desse modo. Os decretos não são dirigidos ao homem, e não são da natureza de uma lei estatutária; tampouco impõem compulsão ou obrigação às vontades dos homens. (Louis Berkhof – Teologia Sistemática. Pg. 95)